A Corte Internacional de Justiça, principal órgão judicial das Nações Unidas, afirmou nesta quarta-feira (23) que os países têm a obrigação de evitar danos ao clima e agir para combater as mudanças climáticas.
A decisão era aguardada desde 2023 e abre precedentes para a responsabilização de nações que não estejam atuando para proteger o clima do planeta.
“Na visão da Corte, o dever de prevenir danos significativos ao ambiente também se aplica ao sistema climático”, declarou o juiz Yuji Iwasawa ao ler o parecer na sede do órgão em Haia, nos Países Baixos.
Iwasawa também reconheceu que as emissões de gases de efeito estufa são causadas pela ação humana e não respeitam fronteiras entre os países. De acordo com o parecer, as mudanças climáticas representam uma “ameaça urgente e existencial” a todas as nações.
A Corte afirmou que os países devem se esforçar para apresentar metas de redução de emissões de gases, conhecidas como NDCs (contribuições nacionalmente determinadas), com transparência e seriedade: “Cada Estado deve fazer o máximo para garantir que as NDCs representem sua maior ambição possível a fim de realizar os objetivos do Acordo de Paris”.
Os juízes avaliaram que o desrespeito à proteção do clima para as gerações presentes e futuras configura uma violação das obrigações internacionais e pode gerar punições aos países.
A Corte elencou a produção, o consumo e a concessão de licenças e subsídios para combustíveis fósseis como atos que podem ser considerados ilícitos e passíveis de penalidades.
O entendimento é de que os acordos climáticos internacionais – como o Acordo de Paris – são, sim, vinculativos e que os governos têm o dever de cumpri-los. Até então, havia dúvidas sobre a obrigatoriedade no cumprimento, o que levou muitas nações a apenas assinarem acordos internacionais, mesmo sem a intenção de obedecer as regras definidas pelos documentos.
A solicitação para que a CIJ emitisse parecer sobre o tema partiu da Assembleia Geral da ONU – em atenção a um pedido de Vanuatu, nação insular do Pacífico particularmente vulnerável aos impactos das mudanças climáticas. Este é o caso de maior alcance em relação à sobrevivência humana na Terra já analisado pelo Tribunal, desde a opinião sobre armas nucleares.
Apesar de não ter poder de lei, a Opinião Consultiva pode incentivar posições mais rígidas dos países.
A ((o))eco, a advogada Helena Rocha, co-diretora do Programa Brasil e Cone Sul do Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) explicou que, a partir de agora, existem diferentes possibilidades de responsabilização, sendo uma delas o litígio entre nações.
“Um Estado poderia entrar com uma ação contra o outro pelo dano sofrido e solicitando, dessa forma, a reparação. A reparação integral inclui tanto medidas de restituição, ou seja, de mudar o dano, o que pode ser reconstituir áreas ou fazer políticas, ou também a indenização, caso isso não seja possível”, explica.
Além desta possibilidade, Rocha pontua que é possível que se desenvolvam litígios em outros fóruns, incluindo os domésticos: “O Direito internacional, na maior parte dos países, é incorporado como parte do Direito interno também. Então, esse parecer pode ser usado como um parâmetro interpretativo não só do Direito internacional, mas também do Direito interno. E, com isso, poderia haver litígios nacionais exigindo dos Estados [países] que eles adotem medidas necessárias para o enfrentamento da emergência climática”.
Como o Brasil prevê em sua Constituição o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, o entendimento do CIJ pode reforçar ações de inconstitucionalidade, em casos de descumprimento deste artigo da Carta Magna brasileira.
Helena Rocha também explica que os Ministérios Públicos dos Estados podem usar a decisão publicada hoje como um parâmetro para interpretar as obrigações das unidades federativas brasileiras, decorrente da norma constitucional.
O tribunal realizou sua maior audiência de todos os tempos no Palácio da Paz em dezembro, com a participação de mais de 100 nações e grupos. Como Davi versus Golias, o debate opôs pequenos países em desenvolvimento a economias avançadas.
Durante as audiências de dezembro, o tribunal ouviu mais de 100 petições, um recorde. Muitas vieram de pequenos Estados que compareceram ao tribunal pela primeira vez.
Grandes poluidores, como os Estados Unidos e a Índia, argumentaram que a legislação existente — a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês) e as COPs anuais — é suficiente.
Sem contar que os Estados Unidos, sob o governo do presidente Donald Trump, retiraram seu financiamento da UNFCCC e se desvincularam de seu pacto histórico, o Acordo Climático de Paris.
Os países pequenos exigem indenizações de poluidores históricos, uma demanda inaceitável para países mais industrializados. Também exigem um cronograma para a eliminação gradual dos combustíveis fósseis e o reconhecimento dos erros do passado.
Fonte: ((O))eco, , g1, Folha SP, Estadão, DW.
Foto: CIJ..
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