A recente publicação do relatório “Estado do Ar Global 2024” trouxe à luz dados alarmantes sobre o impacto da poluição do ar na saúde mundial. Segundo o estudo, divulgado no dia 19 de junho de 2024, aproximadamente 8,1 milhões de mortes em 2021 foram atribuídas a esta causa, representando 12% do total de óbitos no ano e se tornando a segunda causa de morte no mundo.
O documento aponta que a Índia e a China são as nações mais afetadas, com 2,1 milhões e 2,3 milhões de mortes respectivamente, o que compreende mais da metade da carga global de doenças originadas pela poluição atmosférica.
Esse número de óbitos, ao lado de milhares que vivem com doenças crônicas, exerce “uma pressão imensa” sobre os sistemas de saúde, economias e sociedades. É o que aponta a quinta edição do relatório State of Global Air (SoGA 2024), produzido pelo Health Effects Institute (HEI), organização com sede nos Estados Unidos, que contou pela primeira vez com a colaboração do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).
Apenas a hipertensão está acima da poluição do ar como fator de risco de morte. A má qualidade do ar é a causa de 30% das doenças respiratórias e cardíacas e de 48% das mortes por doença pulmonar obstrutiva crônica.
O relatório concluiu que as crianças com menos de 5 anos de idade são especialmente vulneráveis, fazendo com que sofram danosos efeitos na saúde, os quais incluem nascimento prematuro, baixo peso ao nascer, asma e doenças pulmonares. Acrescentou que, com dados de 2021, constatou-se que a exposição à poluição do ar esteve associada a mais de 700.000 mortes de crianças nessa faixa etária, sendo, portanto, o segundo fator de risco de morte, em âmbito mundial, para esse grupo, ficando depois apenas da desnutrição.
“O número assombroso destas mortes infantis está relacionado com a poluição do ar nos lares, devido ao uso de combustíveis poluentes para cozinhar, principalmente na África e na Ásia”. A taxa de mortalidade de crianças com menos de cinco anos de idade na África Oriental, Ocidental, Central e Meridional, devido à poluição do ar, é 100 vezes mais alta do que a presente em países de renda alta.
O relatório inclui dados de duzentos países e territórios de todo o mundo, “o que indica que quase todas as pessoas na Terra respiram níveis pouco saudáveis de ar poluído todos os dias, com implicações de longo alcance para a saúde”.
Detalhou que cerca de 90% das mortes por poluição atmosférica global – 7,8 milhões de pessoas – são atribuídas a partículas finas PM 2,5, presentes no ambiente e no ar doméstico, geradas por veículos a diesel, fábricas, queima de carvão e madeira. “Essas pequenas partículas medem menos de 2,5 micrômetros de diâmetro; são tão pequenas que permanecem nos pulmões e podem entrar na corrente sanguínea”.
Afetam “muitos órgãos e aumentam os riscos de doenças não transmissíveis em adultos, como as doenças cardíacas, acidentes vasculares cerebrais, diabetes, câncer de pulmão e doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC)”.
Mudanças climáticas
Essas emissões oriundas da poluição atmosférica, não só têm impacto na saúde das pessoas, mas também contribuem para a soltura de gases de efeito estufa na atmosfera, os principais responsáveis pelo aquecimento do planeta.
As populações mais vulneráveis são desproporcionalmente afetadas pelos riscos climáticos e pelo ar poluído. No caso das crianças, os impactos à saúde podem começar no útero e perdurar pela vida. Esse grupo inala mais ar por quilograma de peso corporal e absorve mais poluentes em relação aos adultos enquanto os seus pulmões, corpo e cérebro ainda estão em desenvolvimento.
A exposição de crianças pequenas ao ar sujo está associada à pneumonia, responsável por uma em cada cinco mortes, no contexto mundial, e à asma, a doença respiratória crônica mais comum em crianças mais velhas.
No Brasil e outros países em desenvolvimento, as estatísticas também são preocupantes.
A pesquisa destacou as condições no Brasil, onde foi observado um aumento de mais de 10% na exposição ao ozônio nos últimos dez anos.
Além disso, o impacto da poluição do ar em crianças abaixo de cinco anos é particularmente grave, com quase 169,4 mil mortes infantis atribuídas a essa causa em solo brasileiro durante o período analisado.
“Apesar dos progressos na saúde materno-infantil, todos os dias quase 2.000 crianças com menos de cinco anos morrem devido aos impactos na saúde ligados à poluição atmosférica”, enfatizou Kitty van der Heijden, diretora-executiva adjunta do Unicef. “A nossa inação está tendo efeitos profundos na próxima geração, com impactos na saúde e no bem-estar ao longo da vida. A urgência global é inegável. É imperativo que os governos e as empresas considerem estas estimativas e os dados disponíveis localmente e utilizem-nos para informar ações significativas e centradas nas crianças para reduzir a poluição atmosférica e proteger a saúde.”
Controle de doenças crônicas
Para a chefe de Saúde Global do HEI, Pallavi Pant, o novo relatório é um lembrete sobre os impactos significativos que a poluição do ar tem na saúde humana, “com muita carga suportada por crianças pequenas, populações mais velhas e países de baixa e média renda.”
Conforme a investigadora, essa realidade aponta a necessidade de fazer reformas para “dar uma oportunidade para cidades e países considerarem a qualidade do ar e a poluição do ar como fatores de alto risco ao desenvolver políticas de saúde e outros programas de prevenção e controle de doenças não transmissíveis.”
Poluição do ar é pior para a saúde que bebida ou cigarro
A poluição do ar traz mais riscos à saúde global do que o tabagismo ou o consumo de álcool, e o perigo é ainda maior na Ásia e na África. É o que mostra o relatório anual Air Quality Life Index 2023, elaborado pelo Instituto de Política Energética (EPIC, na sigla em inglês) da Universidade de Chicago.
Em relação à qualidade do ar, a poluição por partículas finas – emitidas por veículos a combustíveis fósseis, indústria e incêndios – representa “a maior ameaça externa à saúde pública” no mundo, destaca o documento. No entanto, os pesquisadores ressaltam que os recursos contra a poluição atmosférica representam apenas uma pequena fração daqueles, por exemplo, dedicados às doenças infecciosas.
Segundo o EPIC, se o limite da Organização Mundial da Saúde (OMS) para a exposição a partículas finas fosse respeitado em todas as circunstâncias, a esperança de vida global aumentaria 2,3 anos, com base em dados recolhidos em 2021. Em comparação, o consumo de tabaco reduz a esperança de vida global numa média de 2,2 anos, e a subnutrição infantil e materna em 1,6 ano.
Estudo indica que o Brasil perde 50 mil vidas pela poluição do ar
Segundo o estudo O Estado da Qualidade do Ar no Brasil, elaborado por renomados cientistas e especialistas no tema, como o físico Paulo Artaxo e a Dra. Evangelina Vormittag, entre outros, sob coordenação do WRI Brasil, o país possui uma política nacional de controle da poluição do ar que não é implementada, tem fragilidades jurídicas e não conta com um cronograma claro de redução dos poluentes que levam à morte mais de 50 mil brasileiros por ano. Como grande parte da base normativa que sustenta o Programa Nacional de Controle de Qualidade do Ar (PRONAR) é infralegal, em resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente, há ainda o risco de retrocesso.
“A pandemia da covid-19 poderá ser interrompida com a vacina, mas a poluição do ar continuará matando se nada para feito. Estamos falando de um problema sistêmico, profundo e extremamente letal, para o qual a vacina são políticas públicas adequadas”, alerta Carolina Genin, diretora do programa de Clima do WRI Brasil. O impacto da poluição do ar sobre a saúde foi destaque também no Wall Street Journal, Reuters, Sky News, Euronews e Japan Times.
Mas os relatórios também trazem boas notícias. Desde 2000, a taxa de mortalidade associada a crianças com menos de cinco anos caiu 53%, em grande parte devido aos esforços destinados a expandir o acesso à energia limpa para cozinhar, bem como a melhorias no acesso aos cuidados de saúde, à nutrição e a uma melhor sensibilização sobre os danos associados à exposição das pessoas à poluição atmosférica doméstica.
Fontes: ONU News, Um Só Planeta e Instituto Humanitas.
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