Poluição: no Brasil, aves estão fazendo ninhos com resíduos plásticos

A presença de lixo na costa amazônica tem alterado o comportamento de algumas espécies de aves, que passaram a utilizar plástico na construção de seus ninhos. Outro fator para esta ação anormal dos pássaros seria a escassez de matérias-primas naturais, como fibras, folhas secas, raízes de orquídeas e fungos rizomorfos (de aparência de galhos).

Os “ninhos de plásticos” encontrados no Amapá e no Pará são predominante azuis, o que chamou a atenção dos pesquisadores. Os estudos sobre o tema ainda não definiram o motivo da escolha da cor. A principal hipótese é alta disponibilidade de materiais de pesca, em sua maioria azuis, nas praias e nas áreas de mangues.

Pesquisa da Universidade Federal do Pará (UFPA) mostra que o japu-preto, uma ave que vive no litoral do Pará, passou a usar fibras e cordas de plástico provenientes da poluição para fazer seus ninhos.

Em entrevista ao programa Tarde Nacional, da Rádio Nacional da Amazônia, nesta segunda-feira (24), a mestre em oceanografia e pesquisadora da Universidade Federal do Pará (UFPA), Adrielle Caroline Lopes, explicou que o animal acaba sendo um bioindicador de poluição no ambiente, demonstrando um excesso de resíduos na região.

“O estudo foi iniciado em 2022, na região costeira do Pará, a partir da observação dos ninhos do japu-preto que estavam ficando com uma coloração azul, proveniente de material de pesca, como fibras e cordas de plástico, principalmente deixadas na região de manguezal”, detalha a pesquisadora. De acordo com a pesquisa, 97% dos ninhos dessa espécie na região são feitos com o material descartado.

Adrielle Lopes adianta que o estudo deverá ter nova fase, para entender os impactos da toxidade desse plástico nos pássaros e seus filhotes. Mas ela acredita que pode haver desde intoxicação até distúrbios hormonais que impactem em todo o ecossistema.

“São diversos os impactos tanto para as aves quanto para os seus filhotes, porque esse plástico pode afetar diretamente na alimentação, reprodução e até na sobrevivência dessas espécies, além de comprometer a qualidade e a segurança desses ninhos, podendo influenciar diretamente na sobrevivência dos filhotes e das aves adultas, através do emaranhamento nessas substâncias ou até engolindo esse plástico, provocando impactos enormes ao ecossistema”, advertiu a mestre em oceanografia.

A pesquisadora da Universidade Federal do Pará disse que em um manguezal no estado do Maranhão encontrou um caranguejo envolvido em um emaranhado de plástico, sem condição de se livrar das amarras.

“Por sorte eu consegui livrá-lo. O plástico realmente mata e temos que ter políticas públicas para saber como lidar melhor com essa poluição e tentar diminuir o impacto desses poluentes nessas espécies e no ecossistema como um todo”, avalia a pesquisadora.

No Amapá, Raqueline Monteiro, do Iepa (Instituto de Pesquisa do Amapá), encontrou 12 ninhos de japiim (Cacicus cela) feitos a partir de plástico na praia do Goiabal, no município de Calçoene (AP), a cerca de 356 km de Macapá. Em algumas regiões, a espécie é conhecida como xexéu. Os mais recentes achados são dia 17 deste mês.

Ela investiga a poluição plástica na costa amazônica através do projeto Olamar (Observatório do Lixo Antropogênico Marinho), realizado também no Pará e no Maranhão, que conta com apoio do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e parceria de outras instituições educacionais.

“Verifiquei, junto com o nosso técnico do projeto, essa colônia de 12 ninhos de plástico. Vi que ficavam em um manguezal e eram praticamente todos feitos com linhas de pesca azul, material provavelmente oriundo da praia, que recebe muitos resíduos do mar”, disse.

Monteiro relata que a região onde os ninhos foram encontrados é remota, o que gera alto custo logístico e financeiro para a pesquisa. Ela destaca que continuará estudando os mesmos pontos de coleta antes de partir para novas áreas da amazônia.

“A ideia é expandir a pesquisa, porque com a divulgação das mídias sociais, por exemplo, nós tivemos muitas notícias. Ocasionalmente, a gente recebe fotos de moradores identificando esses ninhos em áreas remotas da região da costa amazônica”, diz.

“A disseminação desse tipo de conhecimento nos dá melhor abrangência da região, porque as questões logísticas e financeiras para fazer pesquisa na amazônia são bem complexas.”

Fontes: Folha SP, Agência Brasil.

Foto: Iepa/Divulgação.