O planejamento urbano de Fortaleza não gira mais em torno apenas dos automóveis. Desde 2012, a cidade investe em sua estrutura cicloviária – que já tem 419 km de extensão –, prioriza meios de transporte mais sustentáveis e adota medidas de segurança e proteção a ciclistas. Para especialistas, é um modelo de sucesso, que pode inspirar cidades com problemas de mobilidade urbana, mas que exige priorização por parte dos gestores públicos.
Em 31 de maio, ocorre o Summit Mobilidade 2023, com debates entre especialistas sobre os desafios atuais e visões de futuro sobre inovação e infraestrutura.
Dados da Autarquia Municipal de Trânsito e Cidadania de Fortaleza apontam salto de 516% na extensão de ciclovias desde 2012, quando havia 68 quilômetros de malha cicloviária.
Pelo menos três vezes por semana, o professor de Inglês Artur Fonseca Jr. deixa o carro na garagem do seu prédio e faz os deslocamentos pela capital cearense de bike. “Dependendo do local, é mais rápido, barato e, lógico, não polui o ar”, diz. Na rua onde mora, na região central da cidade, uma das faixas antes dedicadas a carros agora é exclusiva para os veículos de duas rodas.
Mário Angelo Nunes, professor de Engenharia de Transportes da Universidade Federal do Ceará, destaca que mudanças desse tipo demandam vontade política. “Existia foco grande da administração pública em mobilidade urbana”, afirma.
Para Danielle Hope, gerente de Mobilidade Ativa do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP), mais importante do que a priorização inicial, foi a continuidade. “Ciclovias em Fortaleza não foram apenas uma política de governo. Houve continuidade nas gestões seguintes e virou uma política de Estado. E isso fez toda a diferença”, diz.
Foi graças à continuidade que as ciclovias de Fortaleza se espalharam por diferentes pontos da cidade e foram aderidas pela população. Levantamento do ITDP mostra que 51% dos habitantes da capital cearense vivem a menos de 300 metros de uma ciclovia. Isso significa que elas também são de fácil acesso para boa parte da população. Em São Paulo e no Rio, por exemplo, essas taxas são de 21% e 15%, respectivamente.
Políticas de incentivo
Além da priorização da gestão pública e investimentos em infraestrutura, o êxito da malha cicloviária de Fortaleza se deve a políticas de incentivo. De acordo com Danielle, a bicicleta tornou-se parte de um sistema de mobilidade no qual o carro não é mais um elemento central.
Exemplo disso é que Fortaleza investiu em um sistema de bicicletas públicas – o Bicicletar. O objetivo é oferecer uma opção de transporte sustentável e não poluente para moradores, com estações distribuídas em pontos estratégicos da cidade e que podem ser acessados de forma gratuita por quem possui o Bilhete Único.
Toda a verba arrecadada pelos estacionamentos rotativos administrados pela prefeitura de Fortaleza, chamados de Zona Azul, passaram a ser destinados à manutenção e expansão da rede cicloviária. Segundo Danielle, essa medida, além de desestimular o uso do carro, é uma forma de compensar impactos dos automóveis nos outros usuários das vias.
”Ciclistas e usuários do transporte público acabam prejudicados pelos carros, que ocupam de 70% a 90% dos espaços das ruas, mas representam, em média, 25% dos deslocamentos”, afirma Danielle. “Cobrar pelos estacionamentos é uma forma de trazer recursos para o poder público, que estão sendo investidos nas ciclovias e ciclofaixas da cidade.”
Fortaleza também buscou integrar as bikes com o transporte coletivo por meio da instalação de estacionamentos para bicicletas próximos a estações de metrô e terminais de ônibus. A mudança incentivou espaços privados, como shoppings, supermercados e prédios corporativos, a também se adequarem às bicicletas.
Medidas de segurança
Reduzir a velocidade de automóveis fez parte das políticas de Fortaleza para incentivo às bicicletas. Entre maio e julho de 2023, dez avenidas de Fortaleza terão o limite de velocidade reduzido de 60 km/h para 50 km/h. Para Danielle, a redução da velocidade pode resultar na redução de mortes de ciclistas e fomentar o transporte sobre duas rodas, visto que muitos ciclistas poderão se sentir mais seguros.
Segundo a prefeitura, a redução da velocidade já teve esse efeito. Em 2012, foram 24 mortes de ciclistas no trânsito e, no ano passado, foram 8 (queda de 66,7%). “A redução da velocidade é uma forma barata de aumentar a segurança do ciclista, além de, em muitos casos, reduzir o congestionamento”, afirma Danielle.
Modelo de inspiração
Para Danielle, exemplos de avanço na implementação de ciclovias pelo Brasil, como Fortaleza, Vitória e Belém, podem servir de inspiração. ”Os gestores públicos ainda têm medo de perder capital político com essa mudança”, pondera. “Estamos tão acostumados a naturalizar o carro como meio de transporte ideal que não percebemos como ele é ineficiente para uma cidade.”
Ela sugere que cidades invistam em infraestrutura cicloviária de qualidade, reduzam a velocidade das vias onde há ciclofaixas para aumentar a segurança e criem uma cultura de incentivo à bike – como as parcerias com a iniciativa privada para instalar sistemas de aluguel de bicicletas. Outra demanda importante, reforça Danielle, é definir uma fonte de orçamento constante para a manutenção da infraestrutura.
Fonte: Estadão.
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