Prática criada no Japão, ‘banho de floresta’ ganha adeptos no Brasil e pode entrar no SUS

Uma pessoa caminha lentamente em meio à área verde de um parque urbano. Lá pelas tantas, aproxima-se de uma árvore, sente a textura das folhas, respira profundamente… E permanece assim, nesse movimento vagaroso, por pelo menos uma hora.

A série de gestos aparentemente banais pode ser definida da seguinte maneira: “banho de floresta”. Sim, é dessa forma que uma prática criada por japoneses vem sendo chamada em solo verde-amarelo. A ação é terapêutica, virou tema de pesquisas científicas ao redor do planeta e ganha um número crescente de adeptos nos últimos anos, sobretudo no Brasil.

Desde 2021, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) desenvolve um projeto acerca do assunto em cooperação com o Instituto Brasileiro de Ecopsicologia. A iniciativa visa difundir mais amplamente o banho florestal no país, por meio da produção de estudos e da formação de ecotuners (ou “sintonizadores ecológicos”, em tradução livre), profissionais especializados na orientação de leigos e iniciantes na tal ducha verde. A ideia é que o “banho de floresta” possa ser incluído, posteriormente, na lista de práticas integrativas e complementares oferecidas pelo Sistema Único de Saúde, o SUS.

O que é ‘banho de floresta’?

O conceito de shinrin-yoku (como originalmente é chamado) surgiu no Japão, na década de 1980. Nesse período, diante de uma população cada vez mais urbanizada e confinada em espaços reduzidos — como quitinetes e escritórios —, autoridades locais lançaram um programa nacional para incentivar a visitação contínua a parques públicos. A ação rendeu frutos. E os efeitos positivos dessa relação estreita entre seres humanos e natureza (e vice-versa) passaram a ser analisados com lupa.

Hoje, sabe-se que o contato com ambientes florestais reduz em 13% a concentração de cortisol, substância conhecida como “hormônio do estresse”, no sangue. E mais: pessoas que praticam o “banho de floresta” têm uma diminuição de 18% na atividade do sistema nervoso simpático, responsável por reações involuntárias a situações de perigo e ansiedade. Os resultados foram obtidos por meio de um longo estudo realizado por cinco cientistas japoneses, entre eles Yoshifumi Miyazaki,professor da Universidade de Chiba e atualmente também um dos colaboradores do projeto implementado pela Fiocruz.

“Banho de floresta” não é trekking, não é competição, não é correria. Muito pelo contrário! É uma prática desacelerada feita para propiciar que as pessoas tenham a capacidade de despertar em si processos de sintonia com a natureza — destaca Guilherme Franco Netto, coordenador do Programa de Saúde, Ambiente e Sustentabilidade da Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fiocruz. — O banho busca trazer ligações muito singulares com o movimento das águas, o ruído de riachos e cachoeiras, o canto dos pássaros, o cheiro da mata… A estimulação dos cinco sentidos é elemento fundamental para que essa conexão seja feita da melhor maneira possível. O princípio básico é este: integrar o fluxo corporal com o fluxo da natureza. Está aí um efeito revitalizante, que traz precaução a problemas e doenças.

Não à toa, áreas verdes vêm sendo criadas, cada vez com mais frequência, dentro de hospitais em todo o mundo. Um estudo famoso, publicado nos anos 1980 na revista Science, mostra que pacientes cirúrgicos internados em quartos com janelas voltadas para paisagens naturais se recuperam muito mais rapidamente, e usando menos analgésicos, do que aqueles que estão em quartos com vista para paredes de tijolos. O fato é corroborado por um artigo publicado por cientistas e médicos brasileiros, neste ano, no International Journal of Environmental Research and Public Health.

Na dissertação, os profissionais comprovam que até mesmo fotografias e vídeos com reproduções de imagens da natureza atuam como “promotores de emoções positivas” para pacientes em tratamento de câncer. Isso porque, no momento que a pessoa contempla esses “quadros verdes”, ela altera seu foco de percepção da dor e libera neurotransmissores que aumentam o bem-estar.

Em pacientes com câncer durante tratamento com quimioterapia, isso diminui estados negativos e melhora sintomas como dor, fadiga, além de tristeza e ansiedade — ressalta Eliseth Leão, pesquisadora do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, e líder do grupo de pesquisa E-Natureza, que produz estudos interdisciplinares sobre conexão com a natureza, saúde e bem-estar.

Falar em jardins terapêuticos dentro de centro médicos, por exemplo, é algo que vem ganhando interesse novamente na sociedade. A importância do sol, do ar fresco e de espaços verdes é fundamental na recuperação de pacientes internados. Percebe-se um movimento nesse sentido, embora para hospitais situados nos grandes centros isso seja um grande desafio.

Fontes: Um Só Planeta, O Globo.

Foto: Márcia Foletto/Agência O Globo.