Vírus gigantes são encontrados pela 1ª vez no degelo da Groelândia; veja como eles impactam no meio ambiente e na saúde

Vírus gigantes recém-descobertos no Ártico podem estar contribuindo para a saúde do planeta. Cientistas descobriram que vírus dezenas de vezes maiores que a maioria desses micro-organismos impedem que algas proliferem sem controle em áreas de degelo da Groenlândia. Ao fazer isso, estariam ajudando a amenizar os efeitos de mudanças climáticas.

Os novos vírus são, ao que tudo indica, inofensivos para o ser humano de forma direta. Como os demais vírus gigantes conhecidos – os primeiros foram descobertos em 2003 – estes também infectam criaturas muito pequenas.

Esses vírus infectam algas microscópicas e passariam despercebidos não fossem essas algas potenciais ameaças, devido ao crescente degelo da Groenlândia. E o derretimento das geleiras e da neve da Groenlândia divide com a expansão térmica o protagonismo na elevação do nível dos mares.

A líder do estudo, Laura Perini, da Universidade Aarhus, na Dinamarca, disse que se não fossem os vírus gigantes, as algas proliferariam sem controle na neve que está derretendo e na água formada pelo degelo e formariam uma superfície escura, que absorve mais radiação solar e, assim, derrete mais, num ciclo vicioso. O problema já acontece, mas seria pior sem os vírus.

No artigo publicado na revista científica Microbiome, publicada pelo grupo Nature, Perini e seus colegas descrevem a descoberta e explicam o porquê de considerarem os vírus gigantes potencialmente benéficos ao reduzir o degelo da Groenlândia, onde está o segundo maior volume de gelo da Terra, atrás somente da Antártica. “Eles infectam e matam as microalgas. E, ao matar as algas, contribuem para a reduzir a velocidade com que o gelo derrete”, afirmou Perini.

Os vírus do gelo pertencem a várias espécies, todas da ordem Nucleocytoviricota. Grandes para vírus, eles são aproximadamente 100 vezes menores que o diâmetro de um fio de cabelo humano. Já as algas pertencem a pelo cinco espécies: Chloromonas spp., Chlamydomonas spp., Ancylonema alaskanum e Ancylonema nordenskioeldii.

Todas são exclusivas da neve e do gelo, e abundantes. “A proliferação de algas no degelo acontece com todas essas espécies e todas diminuem a superfície de albedo (reflexão de radiação) do gelo e da neve, e isso acelera o derretimento”, disseram os autores do estudo, também integrado por pesquisadores da Alemanha e dos Estados Unidos.

Embora seja, por ora, uma hipótese e necessite de mais estudos, o papel dos vírus gigantes no equilíbrio de ambientes gelados foi considerado promissor por especialistas.

O microbiologista Frederik Schulz, do Laboratório Nacional Lawrence Berkeley, um dos maiores estudiosos de vírus gigantes do mundo, disse à revista Scientific American que esses vírus, provavelmente, controlam a população de microalgas. Schulz, que não participou do novo estudo, considera que os vírus podem ter um papel ainda maior no equilíbrio ambiental.

A virologista Clarissa Damaso, chefe do Laboratório de Biologia Molecular de Vírus da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), frisa que a ciência conhece apenas uma pequena parcela da diversidade de vírus, que podem estar presentes em praticamente qualquer lugar do planeta.

Os gigantes desafiam paradigmas porque são grandes para vírus, mas infectam organismos muito pequenos, como amebas e, como agora se descobriu, as microalgas da Groenlândia. Eles são em média da metade do tamanho dos micro-organismos que infectam. E são os vírus muito menores, como Sars-Cov-2, oito vezes menor, que matam seres humanos.

Ela observa que a descoberta de vírus no gelo, alguns deles “acordados” pelo degelo recente associado ao aquecimento global, fascina. A maioria desses vírus, que já ganharam a alcunha de “zumbis”, pertencem à ordem dos gigantes. Mas nenhum se mostrou perigoso até agora.

Porém, se especula que vírus patogênicos enterrados com seres humanos por eles vitimados possam também ser descongelados e voltar a causar doença. É o caso de vírus encontrados com mortos pela influenza e pela varíola, cujos corpos enterrados na Sibéria foram descongelados, quando o permafrost derreteu.

Damaso diz, no entanto, que é improvável que eles causem problemas.

— Não creio que os mortos sejam motivo de problemas. Jamais isolaram desses corpos um vírus viável, que pudesse se multiplicar. Tenho preocupação muito maior com o perigo de contaminação por meio do contato entre pessoas e animais vivos, em áreas selvagens que vem sendo destruídas por desmatamento, por exemplo — destaca a cientista.

Calor multiplica riscos à saúde

Se no gelo os vírus estão mais para aliados do que para causadores de problemas, no calor o cenário é bem diferente. O aumento da temperatura associado às mudanças climáticas tem criado as condições ideias para a expansão de vírus patogênicos e seus transmissores.

O melhor exemplo é a dengue, que este ano causa a maior epidemia da história no Brasil. O calor e a chuva fazem a dobradinha perfeita para a multiplicação do Aedes aegypti. O primeiro estimula a reprodução do mosquito e a segunda, associada à negligência humana, cria focos para que as larvas se criem.

E a Europa, que não tinha a doença, se vê às voltas com casos autóctones (originados lá mesmo) e não mais os importados, de pessoas que contraíram o vírus em outros país.

Desde o ano passado cidades como Paris se viram obrigadas pela primeira vez a passar fumacês por suas ruas, para combater o outro Aedes que também transmite os vírus da dengue, chicungunha e zika, o albopictus, também conhecido como tigre-asiático.

O mosquito tigre já se estabeleceu em 13 países europeus, como França, Espanha, Grécia, Alemanha, Portugal, Itália e Áustria. E a entrada do A. aegypti é considerada uma “forte possibilidade” e motivo de preocupação. Para os vírus o mundo nunca esteve tão favorável.

Fontes: O Globo, CNN, Folha SP.

Foto: Brice Laine/CNN.