Zoológicos são ‘prisões de animais’ ou espaços de conservação?

O aumento da consciência sobre os direitos dos animais traz uma questão cada vez mais debatida no mundo: afinal, os zoológicos têm razão de existir ou são simplesmente depósitos de criaturas em condições insalubres e deveriam ser extintos?

Desde a antiguidade, os seres humanos têm mantido animais em cativeiro, inicialmente como símbolos de poder e riqueza.

As primeiras coleções de espécies exóticas eram exibidas em jardins zoológicos privados que pertenciam a monarcas e imperadores, sendo acessíveis apenas a elite.

O zoológico mais antigo do mundo foi aberto ao público em 1778 e ficava em Viena, na Áustria. O espaço existe até hoje e conta com mais de 700 tipos de animais.

No Brasil, o primeiro local com essa finalidade foi criado em 1888 pelo então barão de Drummond, que decidiu inaugurar o zoológico no Estado do Rio de Janeiro, no bairro de Vila Isabel, na zona norte da capital fluminense.

Com o crescimento das cidades, esses espaços começaram a se transformar em locais públicos, destinados a entreter as pessoas com a diversidade do reino animal.

Com o passar dos anos, a função dos zoológicos evoluiu. No início, seu principal objetivo era exibir animais raros e exóticos, muitas vezes, em condições inadequadas.

“A ideia era como circos. As pessoas simplesmente iam, observavam aqueles animais e viam coisas diferentes”, destaca Marco Massao Kato, biólogo e mestre em biodiversidade pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio).

No entanto, de acordo com o biólogo, o aumento da consciência ambiental e a crescente preocupação com a extinção de espécies levaram muitos zoológicos a se reinventarem como centros de conservação e pesquisa.

“Na década de 90 começou a mudar esse conceito (de circo) e a ter ambientes mais voltados à educação e conservação. Começamos a ver uma transformação nos antigos zoológicos”, diz Kato.

Hoje, segundo especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, muitos desses espaços se empenham em programas de reprodução em cativeiro, reintrodução de espécies na natureza e educação ambiental.

Apesar dessas iniciativas, os zoológicos continuam a ser alvos de críticas. Ambientalistas e defensores dos direitos dos animais argumentam que a vida em cativeiro–por mais bem-intencionada que seja– não pode substituir a liberdade natural.

O caminho do animal até o zoológico

Embora alguns países optem pelo fim dos zoológicos, a visita a esses locais, pelo menos no Brasil, ainda atrai muitas pessoas.

De acordo com os últimos números da Associação de Zoológicos e Aquários do Brasil (AZAB), essas atrações recebem pouco mais de 30 milhões de visitantes por ano.

Ainda não há um consenso exato sobre quantos zoológicos existem em território nacional. Estima-se que o número possa chegar a 120, somados a aquários.

Desses, 42 são associados à AZAB, incluindo espaços públicos e privados. E para um animal chegar a uma dessas instituições é um longo processo.

Geralmente, espécies silvestres que foram vítimas de tráfico ou sofreram acidentes são encaminhadas aos Centros de Triagem de Animais Silvestres (Cetas), que pertencem ao Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis). Em cada estado do país há um lugar destinado a receber os bichos que foram apreendidos ou entregues de forma voluntária a esses lugares.

Durante a permanência nesses locais, são feitos exames e diversos procedimentos, que podem ser em outros centros de reabilitação ou ONGs parceiras, com o objetivo de reintrodução ao habitat natural.

“Quando percebe-se que não tem essa capacidade, o zoológico acaba sendo a última opção e o animal é enviado para lá”, afirma Kato.

Quando os animais já estão nesses espaços, também podem ocorrer trocas entre zoológicos de diferentes estados para conservação da fauna e reprodução.

Atualmente, é proibido retirar um ser vivo do seu ambiente natural e colocá-lo nessas locais.

Lugar para educar e não só entreter

Mais do que “demonizar” esses espaços é importante refletir sobre eles, de acordo com os estudiosos do tema.

Não são todos os zoológicos no Brasil que oferecem visitas guiadas, informações adicionais sobre determinada espécie e aulas sobre aqueles seres vivos.

Dessa forma, não proporcionam ações pedagógicas para o público que visita o espaço. “O formato atual de zoológico não é necessariamente educativo”, diz Roched Seba, fundador e presidente do Instituto Vida Livre.

Seba ressalta ainda que é muito comum visitantes gritarem, chamar o animal, serem invasivos, gerando um estresse ainda maior.

A prática pode deixar o bicho assustado, com comportamentos repetitivos e avesso a qualquer interação. O ideal, segundo ele, é investir em medidas para mudar esse cenário.

“Exibir o animal gera desejo. Você tem que explicar por que ele está ali. A gente se conecta com a história. Você não se conecta com algo preso que você não sabe por que está preso”, destaca Seba.

“A ressignificação do zoológico tem que passar por toda a sociedade. Não é um local que você vai só para se divertir. É preciso ter caráter educativo e é preciso que o zoológico conte um pouco mais sobre aquele animal, que seja engajado em políticas públicas”, acrescenta Adroaldo José Zanella, médico veterinário de bem-estar animal da Faculdade de Medicina e Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo.

Outra medida, que já está sendo adotada por muitas instituições, é a reformulação desses locais.

“Há 50, 60 anos atrás, os recintos de zoológicos eram jaulas e barras. Hoje mudou para vidros e espaços mais amplos. Hoje já é pensado no enriquecimento do local para que o animal use aquele espaço da melhor forma possível”, destaca Francisco.

É preciso ainda que esses ambientes passem por fiscalizações constantes para garantir o bem-estar dos animais naquele recinto. Mesmo sendo empreendimentos destinados à conservação, alguns zoológicos podem, sim, submeter animais a maus-tratos.

Conscientização e tráfico de animais

Mesmo ocorrendo programas de conservação nesses ambientes, o ideal, segundo os especialistas, é que os animais não precisassem ser encaminhados a esses locais.

Para isso, é preciso educar e conscientizar a população do convívio com animais silvestres. Isso porque ainda existe um grande desejo pela compra dessas espécies, seja por crenças ou até mesmo por status.

“O tráfico de animais silvestres é mantido não só pelo comércio de animais pets, mas também pela biopirataria, que busca novas substâncias farmacológicas, já que há um grande potencial em nossa grande biodiversidade”, afirma Kato.

Estima-se que 38 milhões de espécies sejam retiradas da natureza brasileira todos os anos, segundo dados da Renctas (Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres).

“Certamente esse número é bem maior. Esses animais são retirados para alimentar o comércio e posse doméstica. O que nós vivemos hoje é inacreditável. Animal silvestre não é pet”, destaca Francisco.

Muitas vezes, quando o animal consegue ser apreendido por órgãos competentes, já é tarde. Grande parte não consegue chegar ao país de origem e, quando retorna, o processo de reabilitação é demorado e envolve muito tempo e trabalho.

“Reintroduzir um animal é custoso e difícil. É preciso ensinar a caçar, se esconder. Caso contrário você vai soltá-lo para morrer”, destaca Kato.

Para tentar diminuir ou acabar com o comércio ilegal, os especialistas acreditam que é preciso aumentar a fiscalização, principalmente em áreas remotas.

“A punição mais severa para os traficantes e receptadores é extremamente necessária a fim de tornar insustentável a manutenção desse crime”, acrescenta Kato.

Fonte: BBC News.

Foto: Getty Images.