“Acabou a era do aquecimento global e começou a da ebulição global”

Um comunicado divulgado pela Organização Meteorológica Mundial (OMM) nesta quinta-feira (27) aponta que o atual mês de julho está a caminho de se tornar o mês mais quente de toda a série histórica de medições.

A afirmação tem como base os dados do Serviço de Mudanças Climáticas Copernicus (C3S), um observatório financiado pela União Europeia.

O Copernicus já verificou que as três primeiras semanas deste mês registraram uma temperatura média global acima de qualquer outro período equivalente já monitorado desde 1940.

No começo deste mês, o Copernicus declarou junho como o mês mais quente a nível global, um pouco mais de 0.5°C acima da média de 1991-2020, o que superou por ampla margem o recorde anterior de 2019.

Ameaça ao futuro

O secretário-geral da Organização Meteorológica Mundial (OMM), Petteri Taalas, afirmou em nota que o impacto das condições climáticas extremas sobre milhões de pessoas, como foi visto em julho, é “infelizmente a dura realidade das mudanças climáticas e uma amostra do futuro”.

“A necessidade de reduzir as emissões de gases de efeito estufa é mais urgente do que nunca. A ação climática não é um luxo, mas uma necessidade.” A ação climática não é um luxo, mas uma obrigação”, disse o secretário-geral da OMM.

De acordo com os dados, as temperaturas altas estão relacionadas às ondas de calor na América do Norte, na Ásia e na Europa, que, juntamente com os incêndios florestais em países como Canadá e Grécia, tiveram impactos severos na saúde da população, no meio ambiente e na economia.

Os efeitos do calor de julho foram vistos em várias partes do mundo. Milhares de turistas fugiram de incêndios florestais esta semana na ilha grega de Rodes e muitos mais sofreram com o calor escaldante no sudoeste dos Estados Unidos, que inclusive chegou a matar os cactos, plantas adaptadas ao calor e à aridez. As temperaturas em um município do noroeste da China chegaram a 52,2°C, quebrando o recorde nacional.

Normalmente, a temperatura média global para julho é de cerca de 16ºC, inclusive no inverno do hemisfério sul. Mas este julho subiu para cerca de 17ºC.

Além do mais, “podemos ter que voltar milhares, senão dezenas de milhares de anos para encontrar condições quentes semelhantes em nosso planeta”, disse Haustein. Registros climáticos anteriores e menos ajustados — coletados de coisas como núcleos de gelo e anéis de árvores — sugerem que a Terra não era tão quente em 120 mil anos.

Já nos oceanos, desde maio a temperatura da superfície do mar está bem acima da observada anteriormente para esta época do ano. De fato, cada dia aparece um relato diferente sobre isso. Ainda na primavera, ou seja, antes do verão, as temperaturas na Europa já batiam recordes.

Cientistas usaram palavras fortes para descrever o calor: ‘Extraordinário’, ‘aterrorizante’ foram algumas. O fenômeno gerou incêndios em todo o hemisfério Norte, com destaque para a Sibéria, a Groenlândia e o Alasca, regiões normalmente frias.

Nesta terça-feira ganhou as redes sociais e os sites de notícias a informação de que o mar na Flórida passou de 38 ºC – praticamente uma banheira de hidromassagem.

Enquanto isso acontece no Atlântico, “no Mediterrâneo foi alcançado um novo recorde de temperatura média diária da superfície do mar para o período 1982-2023, com 28,71°C”, alertaram os pesquisadores do ICM (Instituto de Ciências do Mar), com sede em Barcelona, informou a Folha de S. Paulo.

A importância das correntes marinhas e o clima na Terra

Os oceanos regulam o clima na Terra através da interação entre as correntes marinhas e a atmosfera. O oceano cobre 71 por cento do planeta e contém 97 por cento de sua água. Desse modo, é um fator chave no armazenamento e transferência de energia térmica em todo o mundo.

Um estudo de pesquisadores da Universidade de Copenhague, publicado na revista científica “Nature Communications”, na terça-feira (25) aponta que um importante padrão de circulação das águas do Oceano Atlântico, responsável por regular boa parte do clima do planeta, pode entrar em colapso já neste século.

É função dos cientistas estudarem as condições de sobrevivência no planeta, e alertar os formadores de opinião e os responsáveis por políticas públicas, antes que o problema seja irreversível. É o que fazem agora Peter Ditlevsen e Susanne Ditlevsen, respectivamente, do Niels Bohr Institute, University of Copenhagen, Copenhagen, Denmark, e do Institute of Mathematical Sciences, University of Copenhagen, Copenhagen, Denmark.

Uma mudança desta magnitude provoca inúmeros problemas, entre eles mortandade de peixes, e fuga de espécies marinhas de uma área mais quente para outra mais fria, ou vice-versa. Ao mesmo tempo, pode causar a morte de inúmeros ecossistemas importantes, como as florestas de algas e, desencadear eventos de branqueamento de corais e ainda, facilitar a introdução de espécies invasivas.

Para encerrar, provocaria o derretimento incomum da cobertura de neve no Himalaia e dos Alpes e acirraria o degelo dos polos, que contribuiriam ainda mais com a mudança das correntes marinhas, já que são influenciadas pela salinidade, temperatura, entre outros.

Além disso, a queda na quantidade de fitoplanctons, cuja floração na primavera é crucial porque fornece a maior parte da energia necessária para sustentar a cadeia alimentar marinha na área e é uma contribuição substancial para a absorção global de CO² dos oceanos.

A economia da pesca regional também pode ser afetada, a acidificação de suas águas, etc. Se o cenário se confirmar, pode ser o ocaso da pesca em escala mundial, seguido pelo problema alimentar que se agravará.

Segundo o trabalho dos irmãos Ditlevsen, o grande sistema de correntes oceânicas AMOC (Célula de Revolvimento Meridional do Atlântico, adaptado do inglês Atlantic Meridional Overturning Circulation) está mais lento e menos resiliente.

Por isso, segundo eles, a AMOC vai entrar em colapso em algum momento entre os anos de 2025 e 2095 por causa da mudança climática. Por isso, de acordo com os cientistas, a única maneira de impedir a paralisação é reduzir as emissões de gases do efeito estufa.

De forma resumida, o que ele aponta como a principal consequência do colapso da AMOC é que parte da Europa sofreria com queda da temperatura, causando uma nova ‘Era do Gelo na Europa’, e também pode reduzir significativamente a precipitação no centro e no oeste dos EUA, enquanto haveria aumento nas regiões tropicais do Hemisfério Sul, onde as temperaturas em elevação já têm causado condições de vida desafiadoras.

O secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, afirmou esta quinta-feira, em declarações à imprensa, que “acabou a era do aquecimento global e começou a era da ebulição global“.

“As alterações climáticas estão aqui. São aterradoras. E isto é apenas o início. A era do aquecimento global acabou. Começou a era da ebulição global”, avançou. “Para grandes partes da América do Norte, da Ásia, de África e da Europa, este verão é cruel. Para o planeta inteiro, é um desastre”, desenvolveu Guterres. E “para os cientistas, não há qualquer dúvida: os humanos são os responsáveis“, insistiu.

Guterres realçou que “a única surpresa é a velocidade da mudança“, prosseguindo que “as consequências são claras e trágicas: crianças levadas pelas chuvas da monção, famílias que fogem das chamas, trabalhadores que colapsam sob o calor inclemente”. Com esta constatação catastrófica, o secretário-geral da ONU repetiu os seus apelos incessantes à ação radical e urgente e voltou a atacar o setor dos combustíveis fósseis. “O ar é irrespirável. O calor é insuportável. E os níveis dos lucros das energias fósseis e a inação climática são inaceitáveis”, insistiu.

Com isso fica claro que o fenômeno é mundial e tem a mesma causa: abuso dos combustíveis fósseis. Isto não é assunto apenas para governos. É para cada habitante do planeta. Estamos brincando com fogo. É mais que hora de cada um fazer a sua parte e exigir de governos metas mais agressivas para a descarbonização da economia.

Fontes: BBC News, G1, Euronews, O Observador e Estadão.

Foto: Luisa Gonzalez/Reuters.