Alguns pássaros não param de cantar, e a culpa é nossa

Em todo o mundo, postes de iluminação, letreiros de lojas e arranha-céus estão jogando luz artificial no céu noturno. E toda essa iluminação extra está levando pássaros a cantar por quase uma hora a mais por dia em média, de acordo com uma análise feita em mais de 4 milhões de gravações de cantos de aves.

“O dia é efetivamente mais longo para esses pássaros”, afirmou o ecologista Neil Gilbert, da Universidade Estadual de Oklahoma (Estados Unidos). Ele é coautor do estudo publicado na última quinta-feira (21) na revista Science.

A poluição luminosa está alterando a vida dos pássaros e outros organismos que dependem do Sol para encontrar alimento e parceiros.

Em média, os pássaros prolongaram seus cantos por 50 minutos nas paisagens mais iluminadas, cantando mais cedo pela manhã e até mais tarde à noite do que seus semelhantes em locais menos iluminados. Aves com olhos grandes, ninhos abertos e comportamento migratório são as mais sensíveis à poluição luminosa.

Uma pesquisa publicada na revista Science na quinta-feira (21/08) deu o pontapé inicial para que cientistas descubram o que a poluição luminosa pode fazer com os pássaros. A partir de dados globais de imagens e vocalizações, uma dupla de pesquisadores concluiu que as aves normalmente ativas durante o dia cantam até tarde da noite em locais com excesso de iluminação artificial.

Os especialistas Brent Pease e Neil Gilbert, da Southern Illinois University Carbondale, nos Estados Unidos, analisaram dados disponibilizados pelo BirdWeather – projeto emergente que monitora a biodiversidade dos pássaros ao redor do mundo – e concluíram que a claridade leva as aves a cantarem por cerca de uma hora a mais.

Foram observados os padrões de vida de 583 espécies, dentre as mais de 60 milhões de detecções feitas pela plataforma entre março de 2023 e março de 2024. Então, os dados coletados ao redor do mundo foram comparados a mais de 180 milhões de vocalizações de pássaros em um único ano com imagens globais de satélite.

O projeto surgiu há dois anos, no intuito de despertar o interesse dos alunos da universidade, quando Pease instalou um computador com microfone acoplado para transmitir o canto dos pássaros no campus.

“Começamos a ver — em tempo real — quais aves estavam no Centro de Educação ao Ar Livre Touch of Nature, bem no nosso Prédio de Agricultura”, relata o professor, em comunicado. “Percebi que havia tropeçado em algo realmente importante para a pesquisa da vida selvagem. De repente, não só sabemos onde as espécies estão, mas também como elas se comportam 24 horas por dia, 7 dias por semana”.

Tal análise foi complementada pela ferramenta BirdNET, que permitiu usar aprendizado de máquina para converter vocalizações em visualizações chamadas espectrogramas. Os resultados então foram cruzados com os espectrogramas de mais de 6.000 espécies no banco de dados.

Fatores relacionados

Os verdadeiros efeitos da poluição luminosa para as aves, sejam eles positivos, neutros ou negativos, ainda são questões que exigirão mais pesquisas. A discussão ganha profundidade quando são analisadas características físicas e comportamentais dos pássaros.

Por exemplo, o efeito da luz artificial foi mais forte entre espécies de pássaros com olhos maiores, como o maçarico-real (Charadrius vociferus). A situação se agrava na época de reprodução, possivelmente porque é quando os pássaros começam naturalmente a cantar mais cedo.

Outros fatores a serem considerados nas próximas observações são o tamanho dos ninhos, os hábitos migratórios e os períodos de reprodução.

O ecologista Kevin Gaston, da Universidade de Exeter (Inglaterra), que também não esteve envolvido na pesquisa, disse que a maioria dos estudos anteriores sobre os impactos biológicos da poluição luminosa focava só algumas espécies ou alguns locais de cada vez. O novo trabalho, de acordo com ele, é “impressionante na escala dos dados utilizados”.

A abordagem, acrescentou Gaston, apresenta limitações, já que os satélites detectam apenas a luz projetada para cima e os programas de computador podem cometer erros ao identificar cantos de pássaros. “Mas essas restrições são quase inevitáveis em estudos de tão ampla escala”, afirmou o ecologista.

Pesquisas anteriores mostram que aves migratórias dependem da luz no ambiente para saber quando e para onde ir. No entanto, as luzes brilhantes das cidades frequentemente as desviam de seu curso e fazem com que se choquem contra edifícios.

Em alguns locais, a luz emitida por edifícios à beira-mar faz com que filhotes de tartarugas marinhas se afastem do oceano quando, em condições normais, estariam se dirigindo ao mar. Também há os casos em que os postes de iluminação atraem mariposas para longe das plantas que normalmente passariam a noite polinizando. Além disso, nas florestas a luz artificial prejudica o acasalamento dos vaga-lumes.

Os seres humanos também estão sendo mantidos acordados à noite. A luz artificial pode interromper nossos ciclos de sono e tem sido associada a taxas mais altas de câncer.

Para aves que usam chamados para encontrar parceiros, defender território e alertar outros sobre ameaças, o tempo extra gasto cantando durante o dia pode consumir o tempo que seria destinado para descanso à noite.

Mas ser o primeiro a acordar também pode ter suas vantagens. Pesquisas anteriores mostraram que algumas aves expostas à luz noturna encontram mais parceiros e alimentam seus filhotes por mais tempo.

“Inicialmente, ficamos tentados a concluir que ‘ah, isso deve ser ruim’. Acho que estamos pensando em nossas próprias experiências como humanos. Se perdemos uma hora de sono por noite, rapidamente nos desintegramos”, disse Gilbert. “Mas aves e humanos são bem diferentes.”

Diferentemente das mudanças climáticas, que são política e tecnologicamente difíceis de resolver, reduzir a poluição luminosa pode ser tão simples quanto desligar a iluminação externa desnecessária durante a noite.

“É apenas um interruptor de distância”, disse Pease.

Fontes: Revista Galileu, Folha SP, O Globo, The Washimgton Post.

Foto: Amantino di Nicolao/Wikimedia Commons.

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