Em 2015, a seção de fósseis e dinossauros do Museu de História Natural de Washington, nos EUA, começou a ser completamente reformulada. Uma equipe de cientistas redesenhou esse espaço do museu para que ele incluísse em sua reinauguração, que ocorreu em 2019, uma espécie que, até então, era deixada de fora da história da Terra: a mais dominante de todas – O ser humano moderno.
A intenção foi fazer com que as pessoas pensem sobre seu próprio papel no mundo, um papel mais importante do que muitos conseguem perceber. A nova exposição do museu abriu espaço para a parte da história da Terra em que os seres humanos se tornaram a maior paraça geológica do planeta: uma Época chamada de Antropoceno! O nome ‘Antropoceno’ deriva do grego anthropo, que significa “humano” e ceno que significa “novo”. Todas as épocas da Era Cenozóica, era atual e que iniciou há cerca de 65,5 milhões de anos, são descritas com o sufixo ‘ceno’.
Para se ter uma ideia, o planeta Terra tem cerca de 4,6 bilhões de anos. Todo esse tempo é dividido em intervalos de tempo geológico, os quais são denominados, em ordem decrescente: Éons, Eras, Períodos e Épocas. Basicamente, existem quatro Éons subdivididos em Eras que, por sua vez, apresentam vários Períodos compostos por diferentes Épocas. No caso dos seres humanos, nossa espécie surgiu faz uns 200.000 anos na Era Cenozóica, Período Quaternário, mais precisamente na Época chamada de Holoceno.
O início e o fim de cada um destes intervalos de tempo são delimitados pelo que chamamos de marcadores geológicos. Estes podem ser diversos eventos que deixam de alguma forma, marcas possíveis de identificar no sedimento ou na atmosfera. São exemplos alterações climáticas bruscas, como a Era do Gelo, ou até mesmo um drástico aumento da concentração de um gás atmosférico, como o dióxido de carbono (CO2).
Mesmo antes de finalizar a datação do Holoceno que, como vimos, é a Época mais recente na linha do tempo geológico, começa a surgir uma hipótese sobre um novo tempo geológico, o Antropoceno. O termo ganhou muita atenção na década de 80 quando o químico Paul Crutzen fez grandes descobertas a respeito da camada de ozônio e de como a poluição gerada pelos seres humanos poderiam danificá-la. Isso rendeu a ele o Prêmio Nobel de Química em 1995. No ano 2000, Crutzen e seu colega, Eugene Stoermer, argumentaram que a população global ganhou tanta influência sobre os processos planetários que a Época em que vivemos seria melhor designada por um novo nome.
Essa afirmação fez tanto sentido entre a comunidade científica, que inspirou diversos geólogos a iniciar um grupo de trabalho para entender mais a fundo essa Época dominada pelo Homo sapiens. Até a mídia adotou a ideia: a revista The Economist anunciou em uma capa de 2011: “Bem-vindos ao Antropoceno”.
Apesar do ganho de popularidade, o termo ainda não é aceito oficialmente como parte da linha do tempo geológico. Contudo, o indicativo é que isso pode mudar em breve, já que um comitê de cientistas tem tentado formalizar o Antropoceno como Época Geológica mais recente.
As primeiras ideias sugeriram que o Antropoceno teve início no fim do século XVIII, no começo da Revolução Industrial. Entre esta data e os dias atuais, os seres humanos abriram um buraco na camada de ozônio da Antártica, dobraram a quantidade de metano na atmosfera e elevaram a quantidade de CO2 em 30% – um nível nunca registrado nos últimos 400.000 anos.
Atividades como a agricultura, grandes construções e o barramento dos rios estão removendo 10 vezes mais sedimento que processos naturais de erosão. Em algumas regiões marinhas, o excesso de fertilizantes criou verdadeiras zonas mortas, com baixíssimos níveis de oxigênio. Adicionalmente, o CO2 extra, adicionado pela queima de combustíveis fósseis, tem tornado o pH dos oceanos cada vez mais ácido, o que tem deteriorado a biodiversidade marinha.
Alguns pesquisadores argumentam que o Antropoceno poderia ter começado muito mais cedo, com a expansão da agricultura e da pecuária, há mais de 5.000 anos, ou com o surgimento da mineração, há 3.000 anos. No entanto, nenhum desses eventos deixou sinais geológicos marcantes o suficiente a ponto de confirmar o início de uma nova época no planeta Terra.
Recentemente, uma pesquisa sugeriu que o início do Antropoceno poderia ser notado pela diminuição do CO2 atmosférico entre 1570 e 16203. Esse decréscimo estaria ligado ao massacre de cerca de 50 milhões de indígenas americanos devido à chegada dos Europeus nas Américas. Isso teria feito com que mais 65 milhões de hectares de terras cultiváveis voltassem a ser florestas, o que teria reduzido por algumas décadas a quantidade de CO2 atmosférico por meio da fotossíntese das plantas e, também, pela redução das queimadas para a derrubada de florestas.
Uma outra opção para pontuar o início do Antropoceno é usar os marcadores deixados pela era de testes das Bombas Atômicas. Entre 1945 e 1963 vários países conduziram mais de 500 explosões nucleares em terra. Os detritos dessas explosões se espalharam pelo planeta e criaram uma camada rastreável de elementos radioativos nos sedimentos.
Ao mesmo tempo, principalmente a partir da década de 1950, os seres humanos passaram a deixar muitos sinais registrados nos sedimentos, como o aumento exponencial da quantidade de compostos como plásticos, alumínio, fertilizantes artificiais, concreto e petróleo refinado. Esse período ficou conhecido como “A Grande Aceleração”.
Não por acaso, essa enchente de produtos sintéticos que fabricamos também coincide com a aceleração da taxa de extinção de espécies a partir do início do século XX. Assim, a maioria dos pesquisadores que estudam o Antropoceno chegou à conclusão que esses marcadores geológicos de meados do século XX seriam um ótimo ponto de partida para o registro formal do Antropoceno como a Época Geológica mais recente.
Apesar de uma conclusão aparentemente unânime sobre uma data, ainda há muito debate acerca do assunto e ainda não existe consenso sobre a definição oficial do Antropoceno como uma Época. Alguns pesquisadores sugerem que deveríamos começar a investigar essa possível nova Época daqui 1.000 anos, e que só assim teríamos uma decisão mais concisa.
A verdade é que o ser humano está alterando o meio ambiente em taxas nunca vistas antes. Boa parte dos recursos naturais está sendo exaurida como se não houvesse amanhã. Talvez a pergunta certa que devemos fazer é: até quando durará o amanhã se continuarmos agindo dessa forma?
Fonte: Revista Bioika