As autorizações de registros de agrotóxicos no Brasil, que bateram recorde na gestão Jair Bolsonaro, seguem em ritmo semelhante no governo Lula. Se de 2019 a 2022 houve 2.182 liberações — média de 545 por ano — nos últimos 11 meses (até dia 5), o número já é de 505, de acordo com dados do Ministério da Agricultura e Pecuária monitorados pela Greenpeace Brasil. Mesmo o país já sendo o maior consumidor de agrotóxicos do mundo, a quantidade de substâncias aplicadas nas plantações pode aumentar. Com a aprovação do PL dos Agrotóxicos, que ainda depende de sanção presidencial, os prazos para registros serão mais rápidos e menos rigorosos, o que gerou críticas de ambientalistas.
A nova lei foi aprovada no dia 28. O projeto original, de 1999, é do ex-senador Blairo Maggi. No Senado, o relatório final ficou a cargo da Comissão do Meio Ambiente, presidida por Fabiano Contarato (PT-ES), que suprimiu as partes mais polêmicas.
Representantes do agronegócio celebraram a nova lei, sob o argumento de que há previsão para prazos menos morosos na análise dos registros (até dois anos). Ambientalistas, associações e institutos de saúde e ciência, como a Fiocruz, pedem que Lula vete a lei, mas ainda não houve manifestações do presidente.
No fim do ano passado, o assunto dividiu equipes da transição para o novo governo. Mas no mês passado, a Secretaria Executiva do Ministério do Desenvolvimento Agrário anunciou que o Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pronara) seria retomado.
— Diante do governo que defende pauta da agroecologia e da agricultura familiar, por que o ritmo de liberação continua tão acelerado? Não faz sentido — afirma Mariana Campos, porta-voz do Greenpeace Brasil.
Presidente da Frente Parlamentar do Agronegócio, o deputado federal Pedro Lupion (PP) diz que a maioria das autorizações é de produtos genéricos já vendidos com marcas diferentes. O Ibama confirmou e explicou que o processo de avaliação no caso desses pedidos é mais célere.
— Quando cai uma patente, os genéricos aumentam. A nossa dificuldade é acessar produtos mais modernos que não temos acesso porque o processo de registro é muito moroso. Às vezes demora até 10 anos para uma aprovação — diz Lupion, defensor da nova lei, que estabeleceu prazos de no máximo dois anos para uma conclusão de análise e que retirou veto obrigatório a produtos cancerígenos. — A análise de risco continuará da mesma forma. A gente quer que ciência busque alternativas para modernizar as substâncias. Não existe agricultura tropical com esse nível de produção (como no Brasil) sem pesticida.
Combinações fatais
Mariana ressalva que apesar da possibilidade de os defensivos se basearem num ingrediente ativo previamente analisado, a combinação entre diferentes substâncias não é analisada.
— Já vimos casos de água contaminada por causa de combinações, embora separadamente os ingredientes estavam dentro dos limites legais — explica a representante do Greenpeace Brasil.
Apesar de concordar que hoje o trâmite dos registros seja lento, Alan Tygel, da Campanha Contra os Agrotóxicos, acredita que o correto seria o investimento no aumento de quadros de Ibama, Anvisa e Ministério da Agricultura, responsáveis pelas análises, e não a flexibilização da legislação:
— O primeiro ano do Lula causou um descontentamento grande. Esperávamos sinalização de maior preocupação.
Tygel é um dos autores do Atlas dos Agrotóxicos, publicado pela Fundação Heinrich Böll nesta semana. O dossiê reuniu pela primeira vez, os principais dados sobre impactos do uso de agrotóxicos no país. De 2010 a 2021, o Brasil aumentou em 87% o uso, com 720 mil toneladas consumidas em 2021 e movimentação de R$ 101 bilhões em 2020. Os pesquisadores alertaram que dos 10 produtos mais vendidos no Brasil, quatro são proibidos na União Europeia.
Crianças intoxicadas
De 2010 a 2019, quando cresceu em 109% a intoxicação por agrotóxicos, houve 56.870 vítimas no Brasil, uma média de 15 casos diários, segundo o sistema de notificação do Ministério da Saúde. A maioria é a de trabalhadores expostos a essas substâncias nas fábricas ou nos campos. De 2010 a 2021, o Atlas apontou 9.806 intoxicações de crianças de até 14 anos, resultando em 91 mortes. Segundo o estudo, que destaca que há subnotificação desses registros, a estimativa é de um custo de R$ 45 milhões para tratamento dessas intoxicações no SUS.
Outro risco apontado pelo Atlas é a contaminação da água dos rios. De 2012 e 2019, houve a constatação da presença de 77 contaminantes em águas, incluindo agrotóxicos, diz o estudo.
Procurados, Ibama e Anvisa responderam que as avaliações técnicas sobre registros são feitas de forma rigorosa, “em consonância com as melhores práticas regulatórias internacionais”. Os órgãos reforçaram que não houve flexibilização nas regras recentemente, mas que buscam otimizar os processos para melhorar o tempo de resposta, sem afetar o rigor técnico das análises.
Fonte: O Globo.
Foto: Marcos Alves/Agência O Globo/08-08-2012.