Com objetivo de acabar com a sua dependência do petróleo como principal fonte de recursos, Dubai investiu em diversos projetos grandiosos no mercado imobiliário. Um deles foi o chamado The World, que consistia em um conjunto de 300 ilhas artificiais destinada aos milionários que formariam a silhueta do mapa-múndi.
Embora não tenha sido uma ideia original — no Lago Titicaca, entre o Peru e a Bolívia, existem ilhas artificiais com vários séculos de história — o projeto chamou atenção, entre outras coisas, por apresentar um desenho de figuras elaboradas e simétricas que podiam ser apreciadas
O apelo visual e as possibilidades do projeto, que nasceu em 2003, atraíram diversos olhares: quem adquirisse uma das ilhas poderia construir sua própria mansão e ser o único morador da ilha da Espanha, por exemplo. Não é à toa que mais da metade delas haviam sido vendidas antes mesmo do seu lançamento.
Com um investimento de US$ 12 bilhões (aproximadamente R$ 63 bilhões na cotação atual), somado à utilização de quase 321 milhões de metros cúbicos de areia e 386 milhões de toneladas de pedra, o objetivo era criar ilhas que pudessem ser convertidas em propriedades luxuosas para as pessoas mais ricas do mundo.
A ideia era que os compradores interessados pudessem escolher uma ilha que simulasse o formato de um país ou uma região — desde o Reino Unido e os Estados Unidos até a Groenlândia.
“Os Emirados Árabes Unidos queriam encontrar uma forma de substituir a dependência do petróleo como principal fonte de recursos. E a escolha foi o negócio imobiliário”, explica o professor Alastair Bonnett, geógrafo da Universidade de Newcastle, no Reino Unido, e autor do livro Elsewhere – A Journey into Our Age of Islands (“Outro lugar – Uma Viagem à Nossa Era das Ilhas”, em tradução livre).
“O modelo de ilhas artificiais, que foi copiado por outros países como a Nigéria, teve sucessos e fracassos”, salienta ele.
E esse empreendimento nos Emirados Árabes Unidos parece ser um dos que não prosperaram como planejado: o portal Top Luxury acaba de declarar “O Mundo” como o “megaprojeto mais inútil do planeta”.
Porém, apesar de 60% do seu complexo ter sido vendido, o projeto está parado a anos, visto que as pessoas não planejam se mudar para viver no The World. Apenas quatro ilhas foram desenvolvidas – uma delas, inclusive, é sede do projeto piloto que foi entregue ao jogador de futebol Cristiano Ronaldo.
Um dos fatores que pode ter influenciado o abandono do projeto é o seu “isolamento”. Isso porque a viagem entre as ilhas do The World e o continente precisam ser feitas por via marítima, o que prejudica a mobilidade.
A razão é simples: 21 anos após o início da iniciativa, apenas algumas ilhas foram completamente construídas. Além disso, vistas do céu, elas parecem uma série de pontos desertos e abandonados que estão longe de formar um mapa-múndi.
A palmeira e o mundo
Em 1999, os Emirados Árabes Unidos apresentaram-se ao planeta como um país moderno e internacional.
Nesse mesmo ano, foi inaugurado o hotel Burb al Arab, que redefiniria o conceito de luxo no mundo.
Além disso, o xeque dos Emirados Árabes Unidos também anunciou a construção do projeto “A Palmeira Jumeirah”, um complexo residencial e hoteleiro que se ergueria numa ilha artificial que, como o nome indica, teria o formato de uma palmeira.
A Palmeira Jumeirah é conectada ao continente através de uma ponte. Levando a exploração comercial a outro patamar, este projeto, também baseado em ilhas artificiais, consiste em um complexo formado por marinas, resorts de férias, 4 mil habitações e grandes hotéis e centros comerciais.
Esse projeto teve um bom desempenho em vendas e incentivou planos de construção de outros empreendimentos semelhantes.
Atualmente, a “Palmeira Jumeirah” abriga cerca de 4 mil casas, onde residem ao redor de 25 mil pessoas. Dezenas de hotéis e outras atrações também funcionam lá.
Em 2003, o próprio Al Maktoum deu luz verde à construção do empreendimento “O Mundo”, a rede de 300 ilhas ao largo das praias de Dubai que tentava, numa escala muito maior, replicar o sucesso da “Palmeira Jumeirah”.
“O projeto era ainda muito mais ambicioso: tratava-se de um complexo de ilhas chamado ‘O Universo’, onde também foram desenhados espaços como a Via Láctea, o Sol, a Terra”, lembra Bonnett.
O plano era amplo, mas também trazia simplicidade: consistia basicamente em instalar cerca de 300 ilhas artificiais, para que as pessoas ricas pudessem adquirir um “pedaço do mundo” e construíssem o que quisessem.
Como salienta Oliver Wainwright, repórter do jornal britânico The Guardian, “os projetos em cada ilha também foram bastante marcantes: um bilionário chinês traçou planos para refazer o horizonte de Xangai na sua ilha, com uma réplica da icônica Torre de Televisão da cidade”.
Uma empresa chamada Opulence Holdings adquiriu o pedaço de areia equivalente à Somália, “com a ambição de esculpi-la na forma de um cavalo-marinho, onde os residentes pudessem jogar golfe a partir das suas varandas”, acrescenta Wainwright.
Na prática, porém, apenas alguns complexos foram construídos e a crise financeira de 2008 acelerou o colapso do projeto.
Muitos dos investidores que se comprometeram em comprar as casas ficaram sem recursos para continuar adiante.
“O aumento do nível do mar torna arriscado o investimento em ilhas. Além disso, a construção de Jumeirah e de outros complexos como “O Mundo” ou a enorme “Ilha Deira” — cuja construção foi interrompida também por falta de recursos — teve um impacto ambiental alvo fortes críticas.
A organização Greenpeace salientou que o projeto não é sustentável e que a construção das ilhas artificiais afetou gravemente os recifes de coral localizados nas proximidades da costa dos Emirados Árabes Unidos.
A Nakheel Properties, embora tenha admitido que alguns ecossistemas marinhos foram afetados pelo desenvolvimento do projeto, disse que contratou uma equipe de biólogos marinhos para reconstruir e reabilitar os recifes afetados.
O problema maior é que as ilhas artificiais abandonadas do The World estão acelerando o aparecimento dos primeiros sintomas de erosão nos canais que circundam as ilhas e na sua silhueta, transformando-as em terraços desertos de areia. Visto a crescente crise climática, esses tipos de iniciativas são colocados à prova: segundo dados do Greenpeace, as ilhas do projeto estão afundando a uma taxa de 5 mm por ano. O que fica é o questionamento: como Dubai irá lidar com essa questão?
Fonte: BBC News, Casa Vogue, g1, Metrópols.
Foto: Getty Images.