As propostas em análise no Congresso que podem intensificar catástrofes como as do RS

As inundações que deixaram o Rio Grande do Sul em estado de calamidade pública esquentaram o debate sobre propostas em tramitação no Congresso que, segundo ambientalistas, podem intensificar a ocorrência de eventos climáticos extremos.

Monitoramento do Observatório do Clima indica que há 25 projetos de lei e três propostas de alteração da Constituição com potencial para ampliar a destruição ambiental e que podem avançar rapidamente na Câmara dos Deputados ou no Senado.

São tentativas de alterar a legislação brasileira para reduzir áreas de preservação de florestas e outros tipos de vegetação, afrouxar as regras de licenciamento ambiental e mecanismos de fiscalização, ou anistiar grileiros e desmatadores.

Segundo ambientalistas ouvidos pela BBC News Brasil, essas propostas, caso aprovadas, vão intensificar eventos extremos como secas e enchentes, porque o desmatamento de florestas e outras vegetações, associado a outros eventos climáticos como o aquecimento global, afetam o regime de chuvas em diferentes partes do país.

Já os parlamentares que apoiam essas propostas argumentam que as regras de proteção ambiental no Brasil seriam exageradas e rígidas, dificultando o desenvolvimento econômico.

Essas 28 propostas monitoradas pelo Observatório do Clima estão sendo chamadas de “novo pacote da destruição” por ambientalistas.

Alguns dos projetos foram propostos por congressistas do Rio Grande do Sul, como o PL 1282/2019, do senador Luis Carlos Heinze (PP/RS), que permite a construção de reservatórios de irrigação em áreas de preservação permanente, como margens de rios. A proposta foi aprovada no Senado em dezembro e agora tramita na Câmara.

Heinze nega que sua proposta ameace o meio ambiente. Na sua avaliação, esses reservatórios ajudarão a reter parte da água das chuvas, evitando cheias de rios em momentos de enchentes, ao mesmo tempo que garantirão abastecimento em tempos de seca.

O secretário-executivo do Observatório do Clima (OC), Marcio Astrini, contesta o raciocínio do senador. Ele explica que as áreas de preservação permanente incluem vegetações em topos de morros, encostas e beira de rios, que são essenciais para minimizar tragédias ambientais. Quando essa vegetação é desmatada, diz, aumentam os riscos de deslizamentos de terra ou de elevação dos rios, por exemplo.

“Essas áreas não são de preservação permanente à toa. Se você tira a mata ciliar (vegetação nas margens dos rios), você compacta a terra. Quando chove, em vez de a água infiltrar na terra, ela corre direto para o rio, aumentando a enchente”, exemplifica.

“Esse é o tipo do projeto que conversa diretamente com o que está acontecendo agora no Rio Grande do Sul”, reforça.

Astrini acrescenta que nada impede que os produtores construam reservatórios de irrigação em outras áreas da propriedade, mais distantes das margens dos rios.

Outra proposta que preocupa ambientalistas também veio de um parlamentar gaúcho — o PL 364/2019, do deputado Alceu Moreira (MDB/RS), que reduz a proteção dos chamados campos de altitude, associados ou abrangidos pela Mata Atlântica.

O texto prevê que qualquer ocupação antrópica (feita pelo homem) anterior a 22 de julho de 2008, ainda que não tenha provocado destruição da vegetação nativa, seja classificada como área rural consolidada, ficando liberada para atividades produtivas.

Ele sustenta ainda que as atividades nessas regiões seriam de baixo impacto. “A exploração tradicional desenvolvida nos Campos de Altitude tem garantido o desenvolvimento sustentável das regiões em que ocorre, pois mantém boa parte dos atributos naturais desses ecossistemas, sem que se observem grandes degradações. A criação extensiva de gado, por exemplo, evita o adensamento das árvores e ajuda a manter estável a estrutura e a diversidade da vegetação campestre”, argumentou ainda, ao propor o PL.

Já o relatório do Observatório do Clima avalia que o texto aprovado na CCJ “elimina a proteção de todos os campos nativos e outras formações não florestais”. Isso teria o impacto de “deixar completamente desprotegidos cerca de 48 milhões de hectares de campos nativos em todo o país, o que significa desproteger 50% do Pantanal (7,4 milhões de hectares), 32% dos Pampas (6,3 milhões de hectares) e 7% do Cerrado (13,9 milhões de hectares), além de quase 15 milhões de hectares na Amazônia”.

Ao criticar a proposta, o advogado Mauricio Guetta, consultor jurídico do Instituto Socioambiental (ISA), ressalta a importância de proteger os diferentes tipos de vegetação.

“Existem biomas no Brasil predominantemente florestais, como Amazônia e a Mata Atlântica, mas os demais biomas também devem ser preservados. O Cerrado, por exemplo, é o berço das águas do Brasil”, afirma, em referência a nascentes e rios da região que abastecem importantes bacias hidrográficas de todo o país, como os rios Xingu, Araguaia, Tocantins, São Francisco e Paraná.

“A sua vegetação (do Cerrado) tem grande importância na saúde dos rios, tanto na qualidade quanto na quantidade de água que abastece a população, o próprio agronegócio e a indústria. Então, estamos falando de vegetação essencial. Não é porque não é florestal que não tem importância”, disse ainda.

Área maior que SP sob ameaça na Amazônia

Uma das propostas que mais preocupa o ambientalista é a tentativa de reduzir a área de proteção da Amazônia, cujo desmatamento aumenta a emissão de gases causadores do aquecimento global e afeta o regime de chuvas em diferentes partes do país.

O PL 3334/2023 do senador Jaime Bagattoli (PL-RO) estava previsto para ser votado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado Federal do Brasil na quarta-feira (8/5), mas teve sua apreciação adiada.

O projeto de lei tenta reduzir a reserva legal (área de preservação obrigatória) em propriedades na Amazônia de 80% para até 50%.

Segundo nota técnica do Ministério do Meio Ambiente, a proposta tem potencial de retirar a proteção de 28,17 milhões de hectares de floresta (281.661 km²), uma área maior do que o estado de São Paulo (248.219 km²).

Para o senador Jaime Bagattoli, a exigência de proteger um percentual elevado das propriedades é injusta e impede o desenvolvimento da região.

“Esse ônus (de preservação) é imposto de maneira desigual entre as regiões do País. Para um proprietário rural de área localizada fora da Amazônia Legal, basta manter 20% da propriedade como Reserva Legal para cumprir a determinação da lei, enquanto que na Amazônia Legal, se a propriedade para coberta com floresta, a legislação exige que a reserva seja de 80%”, crítica, na justificativa da proposta.

Marcio Astrini, do Observatório do Clima (OC), argumenta que a necessidade de preservar a Amazônia vem de sua grande importância para o equilíbrio ambiental de diferentes regiões. A própria região Norte atravessou uma seca severa em 2023.

“A Amazônia é importantíssima porque a Amazônia distribui chuva para o resto do país. Então, boa parte da plantação que tem no centro-oeste, no sudeste, no sul, ela depende de chuvas que vêm direto da Amazônia”, ressalta.

Para Mauricio Guetta, do Instituto Socio Ambiental, as chances da proposta avançar “são reais”. A votação da última quarta-feira foi adiada devido a uma licença médica do relator do PL, senador Márcio Bittar (União Brasil-AC).

“Esses projetos do “novo pacote da destruição” não estão sendo discutidos com calma, com audiências públicas. São projetos que têm sido aprovados no tratoraço”, ressalta.

“O projeto que reduz a reserva legal da Amazônia estava na pauta da CCJ do Senado nesta semana, mesmo diante da tragédia climática do Rio Grande do Sul. Então, há um ímpeto que nem a emergência climática, nem o desastre do Rio Grande do Sul parecem ter paraça suficiente para compelir esses parlamentares a estabelecer uma moratória nesses projetos de retrocesso”, continuou.

Fonte: BBC News.

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