Não é nenhum segredo que as mudanças climáticas afetam a todos, em especial, crianças e grávidas. Um novo estudo reforçou o que já se sabe e destacou a gravidade dos impactos do aquecimento global para este grupo. Segundo pesquisadores da London School of Hygiene & Tropical Medicine (LSHTM), da Inglaterra, o aumento de apenas 1 grau na temperatura média diária pode elevar em mais de 22% o risco de mortalidade infantil. O trabalho foi apresentado nesta terça-feira (29) na Conferência Global sobre Clima e Saúde, em Brasília.
Atualmente, cerca de 1 bilhão de crianças enfrentam “risco extremamente alto” de impactos do clima, com metade delas vivendo em áreas de enchentes e cerca de 160 milhões vivendo em regiões propensas à seca. Desde 2009, só a África tem registado aumentos significativos na mortalidade infantil relacionada com o calor, enquanto um estudo realizado em 29 países de baixo e médio rendimento atribui quase uma em cada três mortes neonatais relacionadas com o calor às alterações climáticas.
Grávidas sofrem mais no calor
Mudanças climáticas também estão relacionadas à questão de gênero. Mulheres e, principalmente, mulheres grávidas, geralmente sofrem mais com os impactos. Elas podem precisar de acesso rápido a unidades de saúde durante complicações no parto — um desafio quando os serviços são interrompidos por ondas de calor, inundações ou furacões.
Riscos para os bebês
Mais de uma dúzia de estudos analisados pelos pesquisadores ligam os dias de calor intenso a até 26% mais risco de parto prematuro. Também há uma associação consistente entre temperaturas elevadas e o nascimento de bebês com baixo peso. Além disso, o calor aumenta as chances de hospitalização de recém-nascidos e bebês.
Cada uma dessas condições aumenta o risco de morte entre os recém-nascidos. Também há uma forte ligação entre temperaturas mais altas e o crescimento no número de natimortos — algo confirmado por mais de uma dúzia de estudos.
Vale destacar que mulheres de classes sociais mais baixas ainda têm o dobro de chance de sofrer um natimorto em comparação com as de classes mais altas. O calor também pode aumentar o risco de malformações, como espinha bífida, problemas nos rins e defeitos no rosto e na cabeça do bebê.
Enchentes e secas
Em todo o mundo, a elevação do nível do mar e o aquecimento dos oceanos estão tornando as tempestades mais intensas, com volumes colossais de chuva. Isso destrói plantações, inunda grandes cidades e ameaça a saúde — de forma visível e também silenciosa. Esses eventos extremos afetam a todos, mas têm um impacto especialmente severo sobre mulheres e crianças. Estudos mostram que as enchentes aumentam as mortes maternas e de recém-nascidos.
Além do afogamento, as tempestades podem provocar uma série de outras consequências. Para mulheres e crianças, as enchentes estão ligadas ao baixo peso ao nascer e a um maior risco de aborto espontâneo, enquanto furacões têm sido associados a partos prematuros.
Já as secas são eventos mais prolongados que também têm um forte impacto no bem-estar das crianças e grávidas. “Poderiam gerar aumento do preço dos alimentos, indisponibilidade de alimentos, falta de água… Tudo isso leva à má nutrição. As crianças e grávidas são as mais suscetíveis a essa consequência”, destaca Júlia Pescarini, pesquisadora associada da LSHTM e pesquisadora colaboradora do Cidacs/Fiocruz.
Efeitos das mudanças climáticas nas famílias brasileiras
O estudo não cita o Brasil diretamente, mas Pescarini afirma que o país se encaixa no contexto de risco para grávidas e bebês. “Existem locais no Brasil que têm ondas de calor grandes, que estão ficando cada vez mais intensas e com um período de duração maior. Com certeza isso pode apresentar um risco exacerbado de mulheres grávidas terem complicações tanto durante a gravidez quanto no bebê após o nascimento”, diz a pesquisadora.
Pescarini também destaca que muitas mulheres brasileiras não têm acesso a serviços de saúde para fazer o pré-natal conforma é esperado durante a gravidez. “Muitas vivem em áreas remotas e, durante a gravidez, enfrentam jornadas extenuantes e continuam trabalhando. Assim, podem estar expostas aos efeitos da temperatura durante a gestação, tanto pelas condições do trabalho, quanto pelas longas jornadas de transporte e pelas próprias condições sociais”, ressalta.
O que pode ser feito?
A pesquisa modelou três cenários de emissões (baixo, médio e alto) para África do Sul e Quênia, mas que podem ser aplicados para o mundo todo. Suas descobertas demonstram que limitar a temperatura média global a um aumento de no máximo 1,5 °C até 2050 é absolutamente crucial para reduzir o sofrimento humano que os impactos climáticos na saúde impõem às crianças.
Segundo Pescarini, é preciso agir agora para mudar o cenário. “Uma questão que temos discutido bastante é a importância de políticas sociais que apoiem as famílias mais minoritárias para que possam se proteger durante as ondas de calor e contar com suporte do Estado”, ressalta.
Os pesquisadores propuseram algumas soluções práticas que podem fazer a diferença para grávidas e crianças. Confira:
Estratégias e políticas voltadas para crianças e grávidas
O estudo defende que mulheres grávidas, puérperas e crianças precisam estar no centro dos planos nacionais de adaptação climática. Isso inclui a criação de estratégias específicas para o calor extremo e políticas locais que combatam a poluição do ar, que já mostraram bons resultados em países como China e Paquistão. Medidas simples, como plantar árvores perto de casas e escolas ou atualizar códigos urbanos para reduzir ilhas de calor, ajudam a proteger essas populações de forma eficaz e acessível.
Monitoramento e planejamento
Sistemas de alerta precoce, como aqueles que avisam sobre ondas de calor, são ferramentas essenciais para salvar vidas, especialmente em comunidades vulneráveis. O estudo também destaca iniciativas de financiamento antecipado para desastres climáticos, permitindo que recursos sejam liberados antes que enchentes ou secas aconteçam. Além disso, é fundamental reforçar a vigilância de doenças ligadas ao clima, como dengue, diarreia e malária, que afetam de forma mais grave gestantes e crianças pequenas.
Adaptação da assistência em saúde
Hospitais e postos de saúde precisam ser adaptados para resistir a enchentes, incêndios e temperaturas extremas. O uso de ventilação natural, telhados brancos e áreas sombreadas pode reduzir significativamente o calor em ambientes de atendimento. O estudo também recomenda treinar profissionais, como parteiras, para reconhecer e lidar com complicações relacionadas ao clima. Tecnologias simples, como ecografias portáteis ou testes rápidos, ajudam a manter o cuidado mesmo em situações de emergência. E, diante do risco crescente de desnutrição, a oferta de suplementos nutricionais para gestantes é apontada como medida eficaz para salvar vidas.
Fontes: Um Só Planeta, g1, CNN.
Foto: JGI/Tom Grill/Getty Images.
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