Biscoitos maisena e bolinhos industrializados podem não fazer parte da dieta de brasileiros preocupados com a saúde. Mas mesmo alimentos congelados à base de plantas e grãos, chamados de plant based, supostamente mais saudáveis, possuem traços de agrotóxicos.
É o que aponta o levantamento do 3º relatório “Tem veneno nesse pacote”, divulgado anualmente pelo Idec (Instituto de Defesa de Consumidores) e que analisa a presença dos compostos em ultraprocessados.
Os testes avaliaram resíduos de até 563 agrotóxicos diferentes.
Outros alimentos populares com traços das substâncias são os macarrões instantâneos da marca Nissin (o famoso miojo), o bolinho Ana Maria sabor chocolate e bebidas lácteas.
Foram avaliados mais de 24 produtos de oito categorias diferentes. De acordo com o estudo, metade dos alimentos avaliados apresentou resíduos de agrotóxicos. Os industrializados selecionados foram aqueles mais consumidos entre os brasileiros.
O principal agrotóxico encontrado nos produtos pesquisados foi o herbicida glifosato, o mais utilizado no mundo. De acordo com a Iarc (Agência Internacional para a Pesquisa Sobre Câncer), da Organização Mundial da Saúde, o herbicida já foi, inclusive, proibido em diversos países.
Nutricionista e professora da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), Daniella Canela explica que a farinha de trigo utilizada nos ultraprocessados contém agrotóxicos. “É um ingrediente comum de se utilizar agrotóxico na produção, assim como no açúcar que vem da cana ou no milho”, diz.
A farinha de trigo, também presente na massa dos empanados e no macarrão instantâneo, o amido de milho e o açúcar são alguns dos principais ingredientes do biscoito maisena. Segundo o relatório, foram detectados quatro tipos diferentes de agrotóxicos nos biscoitos maisena das marcas Marilan e Triunfo.
A imagem de “mocinho” do biscoito preferido dos brasileiros pode estar atrelada à tradição, diz Canela. “Por muito tempo, o biscoito maisena foi utilizado até mesmo em dietas para perda de peso, mas isso mudou após a discussão de ultraprocessados”, diz Daniella Canela.
Canela se refere à mudança, em 2014, da cadeia alimentar nacional com a publicação do Guia Alimentar para a População Brasileira, que divide os alimentos em ultraprocessados (como bolachas e salgadinhos, bolos, refrigerantes, macarrões instantâneos, bebidas açucaradas e congelados), processados (como óleos, azeites e gorduras usadas para cozinhar), minimamente processados (como carnes e legumes curados ou em processos de fermentação) e in natura ou naturais (como frutas, verduras, legumes, grãos e proteínas), e preconiza que o consumo de ultraprocessados deve ser evitado.
No caso dos produtos à base de plantas, como hambúrgueres sabor carne e empanado sabor frango, o congelado da Sadia apresentou dois resquícios de agrotóxicos a mais do que a mesma versão de origem animal. O mesmo ocorreu com o empanado vegetal, em terceiro lugar na lista dos produtos com mais substâncias. “Essas empresas monitoram o perfil do consumidor, que vem mudando em relação ao consumo de carne”, diz a pesquisadora.
Leonardo Pillon, advogado do programa de alimentação saudável e sustentável do Idec, diz que as políticas sobre agrotóxicos da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) não são claras. “Nesse último estudo passamos a exigir uma rastreabilidade da cadeia produtiva de ultraprocessados para a agência para que se identifique de qual etapa vem aquele agrotóxico”, afirma.
Pillon avalia que agência deveria ser tão rígida com o alimento industrializado como o é com os alimentos naturais. “Para esses alimentos, existe um programa de análise de resíduo e a Anvisa precisa incluir nesse programa os alimentos e produtos ultraprocessados”, afirma.
À Folha, a Anvisa disse que alimentos industrializados não recebem aplicação direta de agrotóxicos no campo, mas podem conter resíduos decorrentes da matéria-prima utilizada. Nesses casos, são adotados os mesmos valores de limite estabelecidos para alimentos naturais, exceto nos casos de concentração ou desidratação do alimento.
“O chamado LMR (Limite Máximo de Resíduo) define a quantidade permitida de agrotóxicos nos produtos de origem vegetal que compõem os industrializados e é baseado nas boas práticas agrícolas, não extrapolando os parâmetros de segurança à saúde”, disse a agência.
Em nota, a Marilan, responsável pelo biscoito maisena, a Nissin, do miojo, a Selmi, da marca de macarrão Renata e a Bimbo, dos bolinhos Ana Maria, disseram que seguem a conformidade da Anvisa para agrotóxicos.
A Bagley, da marca Triunfo, disse ainda que todas as matérias-primas utilizadas na fabricação do biscoito não possuem “a menor possibilidade” da presença de qualquer resquício de substâncias tóxicas.
A Selmi e a Nissin disseram fazer a análise contínua e monitoramento das farinhas utilizadas na produção e que não constataram resultados não previstos em legislação.
Já a Bimbo disse que não há nenhum lote dos bolinhos Ana Maria à venda que apresente riscos à saúde e segurança do consumidor.
A JBS, companhia que controla a Seara, afirma que todos os produtos da marca respeitam os parâmetros tanto da Anvisa quanto do Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), além de possuir laboratório dedicado à pesquisa de contaminantes.
Já a BRF (antiga Brasil Foods), detentora da Sadia, diz que a produção dos alimentos é fiscalizada por órgãos competentes e que os níveis apontados pelo estudo estão abaixo dos padrões previstos em legislação.
Em nota, a Abia (Associação Brasileira da Indústria de Alimentos) afirma que estudos sobre a presença de agrotóxicos em alimentos devem ser sempre baseados em informações completas e precisas, e que o referente estudo apresenta “resultados de resíduos de agrotóxicos sem mencionar que existem limites seguros estabelecidos pela legislação sanitária”, o que pode confundir o consumidor. Diz, ainda, que “não há regulação sobre a quantidade máxima de resíduos [agrotóxicos] em alimentos processados”.
A associação cita ainda que as “indústrias brasileiras de alimentos trabalham com alto nível de responsabilidade em seus insumos e matérias-primas” e que “atende à legislação brasileira, assim como de 190 países para os quais exporta”.
A Anvisa possui um artigo na RDC nº 4, de 2012, que estabelece o LMR para alimentos processados similar ao de alimentos in natura.
Fontes: Folha SP, Idec.
Foto: Eduardo Knapp/Folhapres.