Caatinga desmatada para instalação de painéis solares mobiliza comunidade na Bahia

No centro-norte da Bahia, empresa norueguesa recebeu autorização para desmatar cerca de 1.500 hectares de caatinga arbórea – cerca de 1.500 campos de futebol – no topo das serras situadas entre as cidades de Uibaí e Ibipeba, no centro-norte da Bahia. O objetivo era a instalação de 1.384.240 painéis de placas solares.

A área a ser desmatada possui centenas de espécies animais e vegetais da Caatinga, algumas ameaçadas de extinção, além de nascentes que alimentam afluentes do Rio São Francisco.

A comunidade local argumenta que o desmatamento é desnecessário, pois já há áreas degradadas na região que poderiam receber o complexo solar.

Segundo estudo publicado pelo próprio Inema (Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos), a área diretamente afetada possui 230 espécies de plantas, das quais 15 estão ameaçadas de extinção, e outras 200 espécies animais do bioma Caatinga, sendo que 64 espécies não sobrevivem fora do ambiente de floresta. As águas também são impactadas pelo empreendimento, pois a área serve de recarga para os rios Verde e Jacaré, afluentes do Rio São Francisco. Do total desmatado, 441 hectares são áreas de preservação permanente (APPs). Mesmo assim, o relatório técnico considerou o empreendimento de baixo impacto ambiental e o Inema concedeu a licença.

Vale lembrar que a mesma Statkraft já está instalada na região com o Complexo Eólico Ventos de Santa Eugênia, onde 14 parques eólicos, totalizando 91 turbinas, constituem o maior empreendimento da empresa fora da Europa.

Segundo Edimário Oliveira Machado, uma das principais lideranças contra a instalação do parque solar, o desmatamento autorizado pelo Inema é “inadmissível”: diz ele que, a poucos metros das áreas licenciadas, há terrenos em abundância, já desmatados, com condições para acolher o empreendimento e ainda gerar receitas de arrendamento para a agricultura familiar local.

Isso numa região que já tem mais de 90% de sua caatinga desmatada na área agricultável. “Nós precisamos da Caatinga lá do alto da serra para manter o equilíbrio do ambiente. Sem a vegetação, não teremos água para alimentar os aquíferos nem o ambiente necessário para a reprodução da fauna”, diz Edimário.

Willianilson Pessoa da Silva, mestre em Zoologia pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), confirma a fala de Edimário, sustentando que a recomendação é que os parques solares sejam feitos em áreas já desmatadas. “Já que vai precisar fazer terraplanagem, o correto é procurar uma área já degradada, e na Caatinga existem muitas áreas desertificadas. E o melhor é que a instalação do parque solar não necessita de altitude, como os eólicos, por causa do vento. O mesmo sol que bate lá em cima chega aqui embaixo”, ele explica.

Edimário é presidente da Umbu (União Municipal em Benefício de Uibaí) e coordenador do Colegiado de Desenvolvimento Territorial de Irecê (Codeter). Foi através dessas representações, e em parceria com o Sindicato dos Produtores Rurais de Irecê e o Comitê das Bacias Hidrográficas dos Rios Verde e Jacaré, que Edimário ingressou com mandado de segurança pleiteando uma ordem judicial liminar suspendendo as licenças ambientais que autorizam o desmatamento de reservas de caatinga nas serras dos municípios de Uibaí e Ibipeba. O pedido de socorro ao Judiciário se deu porque o Inema adotou postura inflexível em relação às ponderações da sociedade civil, encaminhadas em dezembro de 2023 através de seis representações formais.

“A licença está cheia de vícios, erros e irregularidades”, diz Edimário, argumentando que, em uma reunião em Salvador com a diretoria do Inema, o diretor de fiscalização do próprio órgão reconheceu que um licenciamento desse porte jamais poderia ser feito sem analisar ao menos três alternativas locacionais. “E não houve nenhuma alternativa analisada, somente a que foi apresentada pelo empreendedor. E nós sabemos que, em um raio de 1 quilômetro, existem áreas sem vegetação, planas e com o mesmo nível de insolação, o que permite que o complexo solar seja híbrido.”

Quem também esteve presente nessa reunião foi a educadora ambiental Marilza Pereira da Silva, conhecida como Índia Catingueira, que levou à equipe da Mongabay a conhecer a área onde estão acontecendo as obras para a instalação do complexo solar. Ali, declarou que “é doloroso assistir máquinas e caçambas depositando o que sobrou da vegetação retorcida no solo. Mais doloroso ainda é visualizar, durante o caminho, as placas de boa intenção da empresa com o meio ambiente, sinalizando as nascentes, as cachoeiras. Mas não há de fato uma consciência. Eles colocam essas placas como um ato de reparação, mas sem plantar uma árvore. Nós visitamos o Riacho do Garapa após a chuva e não havia água porque a nascente está soterrada.”

A batalha judicial

Diante das irregularidades verificadas no licenciamento, no dia 29 de novembro de 2024 o Tribunal de Justiça da Bahia acolheu o pedido do Ministério Público e suspendeu a instalação do complexo solar. No entanto, no dia 20 de dezembro, Statkraft conseguiu a suspensão, por 90 dias, dessa decisão de primeira instância. O prazo de 90 dias é o tempo suficiente para que seja finalizada o desmatamento. Quem requereu essa decisão ao Tribunal foi o Estado da Bahia.

Em resposta à retomada das atividades, no dia 6 de janeiro de 2025 uma grande mobilização foi montada: o “Grito da Caatinga”, que reuniu em Uibaí representantes de 68 instituições locais, unidas em protesto para exigir o imediato cancelamento da licença ambiental. A manifestação foi realizada na estrada e teve forte adesão da população local, com faixas, carros de som e gritos de ordem. Os trabalhadores da empresa escutaram as reivindicações dos manifestantes até as 9:30, quando a manifestação se dissipou.

Um vídeo da fala de Edimário durante a manifestação circula na internet e faz a pressão sobre a empresa crescer dentro da Noruega. O ministério  norueguês da Indústria e da Pesca, responsável pela empresa Statkraft, está sofrendo questionamentos de reportagens locais sobre a forma como a empresa vem se posicionando em relação ao desmatamento em áreas desertificadas no Brasil.

Fonte: Mongabay.

Foto: Rafael Martins.