Caracóis viajam quase cinco mil quilômetros em esforço para salvar espécie

No mês passado, uma caixa de madeira contendo mil caracóis adultos e dois mil caracóis jovens embarcou em uma jornada de quase 5 mil quilômetros de um zoológico no norte da Inglaterra até as Bermudas.

Os caracóis foram cuidadosamente acondicionados dentro da caixa, junto com lenços umedecidos que ajudaram a manter a temperatura durante as sete horas de voo, e feijão verde para refeição a bordo.

A caixa viajou junto com a carga regular, com apenas algumas etiquetas para distinguir seu conteúdo precioso e incomum: “Animais Vivos”, “Este Lado Para Cima” e “Três Mil Caracóis das Bermudas”. Nada indicava que esses animais, quando soltos, pudessem representar o futuro de toda uma espécie.

Os caracóis terrestres das Bermudas, como o nome sugere, são originários do arquipélago no Oceano Atlântico Norte, mas uma série de ameaças nas últimas cinco décadas reduziram significativamente as populações da espécie e agora ela é classificada como criticamente ameaçada.

“Quando iniciamos o programa com os caracóis das Bermudas no zoológico, estávamos à beira da extinção da espécie”, diz Gerardo Garcia, chefe dos ectotérmicos (espécies de sangue frio) do Zoológico de Chester “Hoje, podemos dizer que este é um processo de recuperação, estamos indo na direção certa”.

A soltura recente é a mais nova tentativa de reintroduzir esta espécie diminuta em seu habitat nativo, onde mil caracóis serão liberados em cada uma das ilhas de Bermudas: Trunk, Higg’s e Port. Outras três solturas ocorreram entre 2020 e 2022, e os resultados ainda estão sendo monitorados.

Só o tempo dirá o sucesso da reintrodução, e Garcia suspeita que isso pode acontecer a passos de tartaruga. O ciclo reprodutivo da espécie é longo e seu tamanho dificulta o levantamento, pois são muito pequenos para carregar um rastreador eletrônico. Mas ele e outros cientistas envolvidos estão esperançosos, em parte devido ao sucesso que tiveram na reintrodução do primo maior da espécie: o caramujo-das-Bermudas.

Essa criatura – semelhante em tamanho a uma uva – foi considerada extinta por mais de 40 anos, até que, por acaso, um homem a descobriu em um beco em Hamilton, capital das Bermudas.

“Era 2014 e um membro do público entrou em meu escritório e abriu a mão, e dentro de sua mão havia uma casca de caracol”, lembra Mark Outerbridge, ecologista de vida selvagem do Departamento de Meio Ambiente das Bermudas. “Ele disse: ‘Acho que pode ser uma espécie extinta’”.

A concha solitária levou à descoberta de uma população de relíquias, o que desencadeou um esforço de conservação. Outerbridge abordou Garcia, que já trabalhava nas Bermudas com skinks (um tipo de lagarto), e juntos decidiram enviar 60 dos caracóis para Chester, onde poderiam ser estudados e, por fim, criados.

Desde então, mais de 100 mil caramujos-das-Bermudas foram reintroduzidos em vários locais do arquipélago, que Garcia acredita ser um dos maiores exemplos de reintrodução de uma única espécie.

“Eles estão indo muito bem – vemos que os animais estão estabelecidos, se reproduzindo e se espalhando”, diz ele. Na verdade, a espécie está indo tão bem sozinha que ele acredita que não precisa mais ser criada em um zoológico.

A esperança é que o caracol terrestre menor siga a trilha viscosa do maior. “Temos usado o caramujo-das-Bermudas como substituto de pesquisa, presumindo que, se eles se saírem bem, o caracol terrestre menor das Bermudas também o fará”, diz Outerbridge.

Plantas de pimenta e galinhas assassinas

Mas a recuperação a longo prazo de uma espécie de números tão baixos é complicada. A reprodução não é uma bala de prata e precisa ser feita em conjunto com outras ações de conservação.

Tanto as espécies de caracóis terrestres maiores quanto as menores foram originalmente ameaçadas por predadores como platelmintos, caracóis carnívoros e galinhas selvagens – espécies invasoras que foram introduzidas nas Bermudas por humanos nos últimos 50 anos (alguns de propósito, outros acidentalmente), de acordo com Outerbridge. Para que as populações prosperem novamente, essas ameaças precisam ser reduzidas.

Nos primeiros anos do projeto do caramujo-das-Bermudas, Outerbridge lembra de ter sentido a pressão disso: os caracóis estavam se multiplicando nos laboratórios do Reino Unido, mas não havia nenhum lugar seguro para eles serem soltos. Assim, ele e sua equipe trabalharam duro para criar um ambiente acolhedor nas várias ilhas onde a reintrodução está ocorrendo.

Por exemplo, em Trunk Island, eles se concentraram na erradicação de espécies invasoras, como a pimenta do Brasil, uma planta de jardim introduzida na década de 1950 que superou muitas plantas locais, e replantando espécies nativas, como palmeiras e cedros. Eles também introduziram planos de manejo para lidar com infestações de galinhas.

Uma vez que as ilhas foram restauradas para perto de como eram antes do declínio da espécie, a equipe deu o sinal de positivo para Garcia começar a enviar os caracóis de volta para as ilhas.

Pequenos caracóis, grande impacto

Garcia tem sido um campeão de espécies pequenas. No Zoológico de Chester, ele trabalha em um aglomerado de contêineres escondidos fora das instalações principais, longe dos tigres de Sumatra e dos elefantes asiáticos que os visitantes costumam frequentar.

Os répteis, anfíbios e invertebrados ameaçados mantidos nos contêineres podem não ser tão fascinantes, mas ele insiste que não são menos importantes. Estes são alguns dos grupos de espécies mais ameaçados do planeta, e é aqui que os cientistas estudam a sua biologia, comportamento e hábitos reprodutivos em ambiente controlado, com o objetivo de reintroduzir todas as espécies na natureza.

Quando as pessoas perguntam a Garcia por que ele se esforça tanto para ajudar criaturas tão pequenas quanto os caracóis das Bermudas, sua resposta é: “Por que nos preocupamos com as espécies que temos no planeta?”.

“Cada um, animais e plantas, tem um papel a desempenhar”, diz ele. “Os caracóis têm muitas funções, uma delas é a degradação de materiais. Isso faz parte do ecossistema, e se você remover essa peça [então] o sistema não está funcionando”.

Fonte: CNN.

Foto: Sandy Thin/CNN.