China domina 51% da aquicultura mundial e produz 66 milhões de toneladas de peixe por ano

Durante muito tempo, o mundo acreditou que a pesca seria o único caminho para abastecer populações crescentes. Mas nas últimas duas décadas, uma transformação silenciosa, industrial e imensa mudou completamente a origem da proteína aquática global. Quem comandou essa virada não foi apenas um país com tradição milenar, mas um verdadeiro gigante logístico e produtivo: a China.

Segundo o relatório oficial The State of World Fisheries and Aquaculture 2024, da FAO (ONU), a China alcançou a impressionante marca de 66,1 milhões de toneladas de pescado cultivado por ano, concentrando nada menos que 51,4% de toda a aquicultura mundial. Em outras palavras, metade de todos os peixes cultivados no planeta saem de um único país. A escala é tão monumental que nenhum outro produtor, seja Brasil, Índia, Vietnã, Chile ou Estados Unidos, consegue sequer se aproximar.

Essa liderança, porém, não nasceu da hegemonia momentânea: ela foi construída estrategicamente sobre infraestrutura, ciência, cultura e uma operação industrial que faz qualquer outra parecer artesanal. A China não opera fazendas. Ela opera ecossistemas produtivos inteiros.

Para compreender a dimensão dessa liderança, é preciso visualizar o cenário real: milhares de hectares conectados por canais artificiais, tanques escavados que se estendem por quilômetros, estruturas de recirculação de água com automação completa e parques aquícolas tão grandes que lembram complexos industriais vistos de cima.

Em regiões como Guangdong, Hubei, Jiangsu, Guangxi e Sichuan, a aquicultura substituiu paisagens rurais por um mosaico contínuo de tanques.

São áreas onde não existe pausa. O cultivo funciona em ciclos sincronizados, com equipes que trabalham dia e noite, alimentando, monitorando e renovando lotes de peixes sem interrupção. A água é continuamente tratada e recirculada.

A oxigenação é automatizada. Sensores de pH, amônia, nitrato e temperatura enviam alertas em tempo real. Sistemas mecânicos puxam aeração constante para tanques que comportam milhares de toneladas vivas.

É a vida aquática convertida em indústria — organizada, replicável e gigantesca.

E é assim que o país lidera espécies como carpa comum, carpa prateada, carpa capim, tilápia, pangasius, camarão de água doce, macroalgas e moluscos, muitas delas com volumes tão grandes que superam a produção anual de continentes inteiros.

Por que nenhum outro país alcança essa escala?

A resposta não está apenas na mão de obra, mas na combinação perfeita entre geografia, incentivo público, tradição cultural e tecnologia aplicada como política de Estado.

Infraestrutura desenhada para produzir proteína

A China possui regiões inteiras dedicadas ao cultivo intensivo. São corredores produtivos que conectam áreas rurais, centros de processamento, frigoríficos, fábricas de ração e portos especializados. Em alguns polos, a mesma estrada que leva o caminhão com ração traz de volta o caminhão de filé congelado pronto para exportação. O ciclo é fechado, eficiente e pensado para escala.

Tradição milenar transformada em biotecnologia moderna

Se o Ocidente produz tilápia há poucas décadas, os chineses cultivam carpas há milhares de anos. Hoje, essa herança cultural se mistura a laboratórios que desenvolvem linhagens mais resistentes, melhoram conversão alimentar e reduzem mortalidade.

O resultado não é apenas produtividade, mas previsibilidade — algo que nenhum outro país consegue replicar com tanta precisão

A FAO aponta que parte do crescimento chinês é sustentado por incentivos diretos:

– financiamento para modernização,

– apoio técnico,

– pesquisas genéticas,

– investimento em RAS (sistemas de recirculação em ambiente urbano),

– subsídios para inovação.

É o modelo de “industrialização com escala populacional”.

Uma rede logística que nenhum concorrente possui

A China combina ferrovias, hidrovias, portos refrigerados e uma frota gigantesca de caminhões com cold storage. Isso permite que toneladas de peixes cultivados em regiões internas cheguem frescos às áreas costeiras para exportação.

O impacto direto no mercado mundial de pescado

Essa capacidade faz com que o país influencie preços globais. Quando a China amplia a produção de tilápia, o mercado internacional reage.

Quando reduz exportações de pangasius, frigoríficos europeus ajustam suas cadeias. É um poder que vai muito além da proteína: é influência geoeconômica.

Para comparação objetiva:

China – 66,1 milhões de toneladas

Índia – 14 milhões

Indonésia – ~5 milhões

Vietnã – ~5 milhões

Brasil – 887 mil toneladas (MAPA 2023)

Nenhum deles ultrapassa sequer 25% da produção chinesa.

E o futuro indica que a liderança vai crescer ainda mais

A FAO descreve a China como “o centro gravitacional da aquicultura mundial” e essa condição tende a se aprofundar. O país já investe em megagaiolas oceânicas, parques marinhos em águas profundas, RAS urbanos de alta densidade e expansão do cultivo de espécies nobres.

Essas tecnologias podem empurrar a produção chinesa para a marca de 70 milhões de toneladas antes de 2030, um número que parece ficção científica quando comparado à realidade de qualquer outro país.

O que isso revela sobre o futuro da proteína no planeta?

A resposta é simples: se a produção mundial de alimentos precisar crescer, é quase certo que a China continuará sendo o eixo estrutural da proteína aquática.

A demanda global aumenta, mas apenas o modelo altamente integrado, automatizado e gigantesco da aquicultura chinesa consegue responder a esse salto com velocidade e volume.

A pergunta que fica é: será que algum país conseguirá alcançar essa escala um dia ou estamos olhando para um domínio absoluto e irreversível?

Fonte: CPG – Click Petróleo e Gás.

Foto: Reprodução.

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