Civilização perdida de 2,5 mil anos é descoberta na Amazônia

Uma densa rede de cidades interconectadas foi descoberta por arqueólogos na Amazônia, no Vale Upano do Equador. Os assentamentos têm pelo menos 2,5 mil anos e são mais de mil anos mais antigos do que qualquer outra sociedade amazônica complexa conhecida.

A pesquisa foi publicada na quinta-feira (11) na revista Science e revela “mais de 6 mil plataformas de terra distribuídas em um padrão geométrico conectadas por estradas e entrelaçadas com paisagens agrícolas e drenagens fluviais no Vale Upano”.

A área fica próxima a um vulcão, o que tornou o solo rico, mas que também pode ter levado à destruição da sociedade que um dia existiu no local.

Embora soubéssemos da existência de cidades estabelecidas nas terras altas da América do Sul, como Machu Picchu no Peru, acreditava-se que, nas altitudes baixas da Amazônia, as pessoas só viviam de forma nômade ou em pequenos assentamentos.

A descoberta da maior e mais antiga rede urbana de características construídas e escavadas na Amazônia até agora foi o resultado de mais de duas décadas de investigações na região por uma equipe de estudiosos da França, Alemanha, Equador e Porto Rico.

“Esse é mais antigo do que qualquer outro sítio que conhecemos na Amazônia. Temos uma visão eurocêntrica da civilização, mas isso mostra que temos que mudar nossa ideia sobre o que é cultura e civilização”, diz o Prof. Stephen Rostain, diretor de investigação do Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS) na França, que liderou a pesquisa.

“Isso muda a maneira como vemos as culturas amazônicas. A maioria das pessoas imagina pequenos grupos, provavelmente nus, vivendo em cabanas e limpando a terra – isso mostra que as pessoas antigas viviam em complexas sociedades urbanas”, diz Antoine Dorison, co-autor da pesquisa.

A cidade foi construída há cerca de 2.500 anos, e foi ocupada por até 1.000 anos, segundo os arqueólogos.

Stéphen Rostain, começou as escavações no vale quase 30 anos atrás. Sua equipe explorou grandes assentamentos, chamados Sangay e Kilamope, e achou montes organizados em torno de praças centrais, cerâmica decorada com tinta e linhas incisas, e grandes jarras contendo os restos da tradicional cerveja de milho, a chicha.

As datas de radiocarbono indicam que os sítios do Upano foram ocupados por volta de 500 a.C. até entre 300 d.C. e 600 d.C.. “Eu sabia que tínhamos muitos montes, muitas estruturas”, disse Rostain à Science. “Mas eu não tinha uma visão completa da região.”

‘Engenharia avançada’

Em 2015, essa situação mudou: o Instituto Nacional de Patrimônio Cultural do Equador financiou um levantamento do vale com uma tecnologia de mapeamento a laser chamada Lidar. O rastreio envolveu aviões que emitiram pulsos de laser na floresta e mediram o caminho de retorno, revelando características topográficas invisíveis sob as árvores.

Graças à tecnologia, os pesquisadores identificaram cinco grandes assentamentos e dez menores em uma área de 300 km², sendo que todos eram densamente povoados com residências e estruturas para cerimônias. Intercalando as cidades, haviam campos agrícolas retangulares e terraços nas encostas onde existiu plantio de milho, mandioca e batata-doce, encontrados em escavações passadas.

“A rede rodoviária é muito sofisticada. Estende-se por uma vasta distância, tudo está conectado. E há ângulos retos, o que é muito impressionante”, diz ele, explicando que é muito mais difícil construir uma estrada reta do que uma que se encaixa na paisagem.

Estradas largas e retas, além de ruas entre casas e bairros, conectavam as cidades. As maiores estradas tinham 10 metros de largura e se estendiam por 10 a 20 km. “Estamos falando de urbanismo”, ressaltou o coautor do estudo, Fernando Mejía, arqueólogo da Pontifícia Universidade Católica do Equador.

“Esse é mais antigo do que qualquer outro sítio que conhecemos na Amazônia. Temos uma visão eurocêntrica da civilização, mas isso mostra que temos que mudar nossa ideia sobre o que é cultura e civilização”, diz o Prof. Stephen Rostain, que liderou a pesquisa.

“Isso muda a maneira como vemos as culturas amazônicas. A maioria das pessoas imagina pequenos grupos, provavelmente nus, vivendo em cabanas e limpando a terra – isso mostra que as pessoas antigas viviam em complexas sociedades urbanas”, diz Antoine Dorison, co-autor da pesquisa.

Os pesquisadores não sabem exatamente quantas pessoas viviam no Vale Upano, mas estimam que o local tenha abrigado pelo menos 10 mil habitantes — talvez até 15 mil ou 30 mil em seu auge, como o arqueólogo Antoine Dorison, outro coautor do estudo, afirmou em entrevista ao jornal britânico The Guardian.

Por esse motivo, chamo isso de cidades-jardins”, disse Rostain. “É uma revolução completa em nosso paradigma sobre a Amazônia”.

Segundo o estudo, a extensão da modificação da paisagem de Upano rivaliza até com as “cidades-jardim” da civilização maia clássica. E os assentamentos são mil anos mais antigos do que outras sociedades complexas amazônicas, incluindo Llanos de Mojos, um sistema urbano antigo descoberto recentemente na Bolívia.

“Sempre houve uma incrível diversidade de pessoas e assentamentos na Amazônia, não apenas uma forma de viver. Estamos apenas aprendendo mais sobre eles””, concluiu Rostain..

“Temos que pensar que todos os indígenas da floresta tropical não eram tribos seminômades perdidas na floresta em busca de alimento. São uma grande variedade, diversidade de casos e alguns também tiveram um sistema urbanístico, com uma sociedade estratificada”, disse.

A organização geral das cidades sugere “a existência de engenharia avançada” na época, de acordo com os autores do estudo, que concluíram que o urbanismo de jardins do Vale do Upano “fornece mais uma prova de que a Amazônia não é uma floresta intocada como já foi retratada”.

Rostain disse que as pessoas devem imaginar a Amazônia pré-colombiana “como um ninho de formigas”, com todos ocupados com atividades.

Lugares semelhantes encontrados nas Américas

Esta rede urbana recentemente descoberta alinha-se estreitamente com outros locais que foram encontrados nas florestas tropicais do Panamá, Guatemala, Belize, Brasil e México, de acordo com o arqueólogo paisagista Carlos Morales-Aguilar, pós-doutorado na Universidade do Texas, em Austin, que não esteve envolvido no estudo.

Ele chamou o estudo de “inovador”, dizendo à CNN que não apenas “fornece evidências concretas do planejamento urbano avançado e inicial na Amazônia, mas também contribui significativamente para a nossa compreensão do legado cultural e ambiental das sociedades indígenas nesta região”.

O próximo passo para os pesquisadores é entender o que há numa área adjacente de 300 km quadrados ainda não pesquisada.

Fontes: BBC, Revista Galileu, CNN, Olhar Digital

Foto: Antoine Dorison e Stéphen Rostain.