Enquanto as negociações na ONU sobre um tratado de preservação da biodiversidade em alto mar se arrastam há anos, uma iniciativa paralela visa impulsionar avanços pela proteção e a regeneração dos oceanos. O One Ocean Summit ocorreu na semana passada na cidade de Brest, na costa noroeste da França, com a participação de cerca de 20 chefes de Estado e de governo, além de 400 especialistas, cientistas, membros de organizações e representantes de grandes empresas, mas, com a ausência lamentável do Brasil.
O evento de três dias foi uma iniciativa do presidente francês, Emmanuel Macron, que exerce atualmente a presidência rotativa da União Europeia. “Somente uma ação coordenada face aos diferentes desafios marítimos pode nos garantir sucesso neste objetivo, envolvendo clima, biodiversidade, combate às poluições como à pesca ilegal e excessiva, economia azul, conhecimento e governança dos oceanos”, declarou Macron sobre a cúpula.
Cerca de 80 países, representando mais da metade das zonas marítimas mundiais, se comprometeram na sexta-feira (11/02) a aumentar as ações para preservar os ecossistemas marinhos, acabar com a exploração desmedida dos recursos do mar e combater a poluição que degrada os oceanos, em especial por plásticos. Os Compromissos de Brest pelos Oceanos, assinados ao final da One Ocean Summit, na França, visam acelerar as negociações internacionais em curso no âmbito da ONU sobre o tema.
O compromisso encerra a cúpula de três dias, realizada na cidade costeira francesa de Brest na Bretanha, com a participação de chefes de Estado e de Governo, ministros e executivos de grandes companhias internacionais ligadas à exploração econômica dos oceanos, como o turismo e a logística.
O evento contou com presença de 41 líderes políticos, entre os quais a presidente da Comissão Europeia, Ursula van der Leyen, o secretário especial de Meio Ambiente americano, John Kerry, e presidentes de países como Portugal, Egito e Colômbia, o único da América Latina a prestigiar o evento.
Outras lideranças, como o chanceler alemão, Olaf Scholz, o britânico Boris Johnson e o indiano Narendra Modi enviaram mensagens de vídeo para reforçar o compromisso com o tema, assim como secretário-geral da ONU, António Guterrez. O Brasil, embora detenha a 15ª maior costa do mundo, esteve ausente dos debates.
No evento, a Coalisão de Alta Ambição pela Natureza e os Povos, lançada pela França em 2021, ganhou a adesão de mais 30 países, chegando agora a 83. Eles exigem ampliar de 8% para 30% as áreas terrestres e marítimas protegidas, no espaço jurídico dos países.
Em paralelo, os 27 países da União Europeia e mais 13 nações lançaram uma nova coalizão para impulsionar a “alta ambição” também nas negociações internacionais em curso sobre a biodiversidade em alto mar, cuja maior parte é uma “terra de ninguém” e na qual os abusos são a regra. O alto mar representa 45% da superfície da Terra, e uma quarta rodada de negociações da ONU de um acordo sobre a sua exploração está prevista para março, em Nova York.
O apetite do homem pelos oceanos está longe de ser saciado – pelo contrário. A exploração do fundo do mar avança a passos largos, pelo seu papel nas telecomunicações – a internet mundial depende da rede de cabos submarinos dos gigantes digitais – e na prospecção de gás, além da da nova fronteira de riquezas minerais a serem extraídas das profundezas submarinas, que já poderia se iniciar em 2023 e preocupa as organizações ambientalistas.
As mudanças climáticas estão deixando as águas mais quentes, ácidas e com menos oxigênio, com consequências dramáticas que se acentuam ano a ano, como aumento do nível do mar, tempestades mais violentas, perda de biodiversidade e dos recifes de corais, entre outros.
As promessas de combate à pesca ilegal, outro tópico importante do evento, também foram reforçadas. Atualmente, a atividade irregular representa quase um quinto do total, o que abala as tentativas de se estabelecer uma pesca sustentável que não ameace os estoques de peixes. Novos países se comprometeram a ratificar o acordo da Organização Marítima Internacional sobre as normas de segurança dos navios de pesca e a amplificar as operações de fiscalização da atividade ilegal nas suas costas.
Os investimentos na Clean Ocean Initiative, o maior projeto de redução de poluição dos mares por plásticos, foram dobrados, com novos aportes do Banco Europeu de Investimentos, que se uniu à iniciativa. O total agora chega a US$ 4 bilhões de dólares para o financiamento até 2025. O valor bancará ações de prevenção e recolhimento dos dejetos plásticos, que chegam a 9 milhões de toneladas ao ano despejados nos oceanos.
Ao mesmo tempo, 22 atores importantes do setor privado se comprometeram a investir em meios para limitar as emissões de gases de efeito estufa e o barulho submarino dos navios, melhorar a gestão de resíduos e a aumentar a reciclagem das embarcações.
As quatro maiores companhias europeias de transporte marítimo e turismo (CMA-CGM, Maersk, Hapag-lloyd et MSC) concordaram em tomar parte das discussões, para uma definição de contornos mais sustentáveis de uma “economia azul”. A transição energética dos navios, por exemplo, ainda é um tema que exige avanços consideráveis, embora seja responsável por mais de 90% do frete internacional de mercadorias e matérias-primas. O assunto, há muito tempo negligenciado em prol dos debates focados no clima, ganha progressivamente paraça no âmbito internacional.
A próxima reunião será no fim do mês, em Nairobi, e deve chegar a um acordo internacional pela redução dos plásticos. Na sequência, as negociações avançam na ONU, em Nova York, para um tratado sobre o alto mar, antes da COP da Biodiversidade das Nações Unidas, na China, em abril, e outra cúpula específica sobre a governança dos oceanos em Lisboa, em junho.
Contudo, entidades ambientalistas e outras organizações não governamentais realizaram um protesto e denunciaram que o evento não passa de “blue washing”, ou seja, propaganda com belos discursos, mas poucas ações concretas. O Greenpeace, por exemplo, afirma que a França poderia fazer mais pela causa, no papel de detentora do segundo maior domínio marítimo mundial, atrás dos Estados Unidos.
A coalizão Seas at Risk lembrou que golfinhos são “massacrados” nas costas francesas, presos nas redes e aparelhos de pesca, enquanto a ONG France Nature Environnement demonstra preocupação com a exploração do fundo do mar, cobiçado pelas indústrias farmacêutica e cosmética pela riqueza de seus minerais.
Fontes: Folha SP, RFI, UOL, Mar Sem Fim.
Excelente texto, esclarecedor.