Como a produção de alimentos compromete o ar que respiramos

Até chegar à nossa mesa, os alimentos que consumimos percorrem um longo caminho. O que não costumamos considerar é que todo esse processo – que envolve cultivo, transporte e distribuição – gera gases do efeito estufa, responsáveis por acelerar as mudanças climáticas.

Um estudo publicado na revista científica Nature Food em 2021 aponta que cerca de um terço de todas as emissões de gases de efeito estufa causadas pela humanidade estão ligadas ao processo de produção de alimentos.

Os principais gases do efeito estufa liberados na atmosfera pelo setor são o metano, óxido nitroso e dióxido de carbono. A origem mais comum desses gases, em ordem de importância, é a seguinte:

– do processo digestivo do gado e da consequente emissão de metano;

– do óxido nitroso de fertilizantes usados para a produção agrícola;

– do transporte e refrigeração dos produtos;

– de outras emissões agrícolas, como manejo de estercos, queima de resíduos de culturas e uso de combustível nas fazendas.

“Durante todo o processo de produção de um alimento, acontecem emissões de gases do efeito estufa”, explica à GALILEU Kamyla Borges, especialista em uso da terra e agricultura sustentável Instituto Clima e Sociedade (iCS). “Se destacarmos apenas a carne, isso já começa na fazenda quando o boi emite metano – um poderoso gás de efeito estufa – pelo arroto e ao soltar gases”. Um estudo de 2023 estimou que só o consumo de carne represente 86% da pegada de carbono na dieta dos brasileiros.

Essas emissões de gases do efeito estufa continuam quando os alimentos são transportados. Pelo fato de o Brasil ser um país no qual boa parte dos produtos são transportados por caminhões, a queima de combustíveis fósseis durante o trajeto aumenta a pegada de emissões dos alimentos.

“Por fim, também é comum alto índices de emissões de gases do efeito estufa no próprio fim do ciclo do alimento, quando este é desperdiçado”, diz Borges. Estima-se que o desperdício, por si só, seja responsável por 3 bilhões de toneladas de gases que causam o efeito estufa.

Alimentos campeões em emissões

Na lista de alimentos cuja cadeia produtiva mais emite gases do efeito estufa, os de origem animal, especialmente carne vermelha, laticínios e camarão, são os campeões. Isso ocorre porque a produção de carne, em regra, requer pastagens extensas, as quais muitas vezes são criadas pelo corte de árvores, liberando dióxido de carbono armazenado nas florestas. Além disso, vacas, bois e ovelhas emitem metano à medida que digerem grama e plantas.

No caso das fazendas de camarões, grande parte das emissões advém do fato dessas propriedades ocuparem terras costeiras anteriormente cobertas por manguezais. Assim, quando esses manguezais são cortados para criar fazendas de camarão ocorre uma grande liberação de carbono na atmosfera.

Por outro lado, alimentos à base de plantas – como frutas e verduras – também emitem gases do efeito estufa, mas em menor quantidade, visto usarem menos energia, terra e água no seu processo produtivo.

“Com mais gases – metano e dióxido de carbono, por exemplo –, sendo emitidos na atmosfera durante o processo produtivo dos alimentos, temos como consequência um aumento da temperatura devido o efeito estufa. Com isso, sofremos um efeito dominó, porque as estiagens passam a ficar mais prologadas e os eventos climáticos extremos, como ondas de muito frio e calor, mais corriqueiros”, destacou Aline Martins de Carvalho, professora da Faculdade de Saúde Pública da USP.

Quais são as alternativas?

Alexandre Berndt, chefe-geral da Embrapa Pecuária Sudeste, em São Carlos (SP) aponta que um caminho para reduzir a emissão de gases do efeito estufa durante a produção de alimentos é o de usar tecnologias para melhorar a nutrição dos bovinos, para diminuir a fermentação (emissão de metano) produzida pelos animais.

“Similarmente, investir em sistemas de integração lavoura-pecuária-floresta, que são os sistemas com maior potencial para compensação das emissões da pecuária, é outra medida importante. Pois, tudo que o bovino emite de metano devido o seu processo digestivo pode ser compensado e sequestrado pela floresta da propriedade”, explicou Berndt.

Por sua vez, Kamyla Borges, aponta que não apenas o produtor, mas a população também deve adotar medidas para diminuir os impactos climáticos dos alimentos.

Nesse sentido, mudar os sistemas alimentares para dietas mais ricas em vegetais, com mais proteínas vegetais (como feijão, grão de bico, lentilhas, nozes e grãos), uma quantidade reduzida de alimentos de origem animal (carne e laticínios) e menos gorduras saturadas (manteiga, leite, queijo, carne, óleo de coco e óleo de palma) podem também ser aliados.

Fonte: Revista Galileu.

Foto: Etienne Girardet/ Unsplash.