Uma rachadura de 56 quilômetros de comprimento no deserto da Etiópia é a primeira pista de algo muito maior que está acontecendo sob o continente africano: três placas tectônicas estão, lentamente, se separando – num processo que dividirá a África em duas criando uma nova bacia oceânica daqui a milhões de anos.
Em 2018, um abismo com cerca de 15 metros de largura surgiu de um dia para o outro como uma visão aterrorizante no Grande Vale da do Rifte, uma falha tectônica localizada ao sul do Quênia, logo após alguns tremores e chuvas torrenciais. A abertura alarmou os aldeões e provocou certo rebuliço em alguns meios de comunicação. Há quem diga que o continente africano está se partindo em dois pedaços.
A rachadura na terra é um aviso de que a Terra é um planeta em movimento. A superfície terrestre está trincada como um velho quadro, dividida em placas tectônicas que, ao se atritarem, provocam fenômenos como terremotos e erupções vulcânicas, levantam montanhas e abrem vales.
Esse mesmo movimento faz com que cada placa também seja instável. Para chegar a essa conclusão, o estudante de doutorado da Universidade de Leeds Christopher Moore vem utilizando medições de satélite para monitorar a atividade vulcânica da África Oriental. “Este é o único lugar na Terra onde você pode estudar como a fenda continental se torna uma fenda oceânica”, explica Moore.
Como há 138 milhões de anos, quando o Brasil começou a se afastar do continente africano, a região conhecida como Chifre da África deve daqui algumas dezenas de milhões de anos, formar um novo continente.
Apesar de haver divergências sobre o que está causando a rachadura, o mais provável é que as fortes chuvas que caíram sobre o país em março de 2018 tenham provocado uma atividade geológica que faz com que as camadas mais macias do subsolo fiquem sob pressão e colapsem.
Esses processos geológicos são lentos para a cronologia humana. “Às vezes se separam alguns milímetros, e em muitas outras a fratura ocorre no interior, sem que a vejamos”, explica o geólogo. Em outras, como desta vez, a rachadura é superficial e com vários metros de largura. “O chamativo é o comprimento desta”, acrescenta. Embora seja preciso confirmar, acredita-se que as chuvas teriam alargado a voçoroca.
A região é o Triângulo de Afar, conhecido como o lugar mais quente do planeta graças aos seus numerosos vulcões ativos. Moore estudou as características geofísicas do armazenamento de magma em um desses vulcões, Erta Ale, que apontam para a conversão da região em um centro de expansão oceânica. Alguns pesquisadores, porém, questionam se as colisões tectônicas em curso no norte e leste da África impedirão que essa transição ocorra.
A região de Afar abriga uma junção tripla nos limites de três placas tectônicas: a Núbia, a Somali e a Arábica. Todas elas se encontram perto de Djibuti e Eritreia, formando um “Y” de fendas: o Grande Vale do Rift se abre para o sul, alcançando mais de 6 mil quilômetros para dentro da África. A fenda do Mar Vermelho se estende para o noroeste até encontrar a Península do Sinai. A leste, a cordilheira de Ridge se divide em sete segmentos, cada um com um comprimento entre 10 e 40 quilômetros.
Por 30 milhões de anos, a placa da Somália vem se afastando do resto do continente a uma velocidade de pouco mais de um centímetro por ano. Ao mesmo tempo, a placa árabe também se afasta a uma taxa de cerca de 2,5 cm por ano – até colidir com a placa da Eurásia, no que hoje é o Irã, fechando o Golfo Pérsico e se tornando parte da Eurásia. Nos últimos anos, os instrumentos GPS revolucionaram esse campo de pesquisa, permitindo que os cientistas façam medições precisas de como o solo se move ao longo do tempo.
Segundo Cynthia Ebinger, geofísica da Universidade de Tulane, em Nova Orleans, a fenda gigante que se abriu no deserto da Etiópia em 2005 foi equivalente a várias centenas de anos de movimentação de placas tectônicas em apenas alguns dias. A pesquisadora acredita que a pressão acumulada pelo aumento do magma na área pode estar desencadeando os eventos mais explosivos.
Cada limite de placa na região Afar está se espalhando em velocidades diferentes, mas as paraças combinadas dessas placas estão criando um sistema de cordilheiras no fundo do mar, onde eventualmente um novo oceano se formará. “O Golfo de Áden e o Mar Vermelho inundarão a região de Afar e o vale do Rift na África Oriental, e se tornarão um novo oceano – e essa parte da África Oriental se tornará seu pequeno continente separado”, avalia Ken Macdonald, geofísico marinho e professor emérito da Universidade da Califórnia, em Santa Barbara.
Fonte: Olhar digital, Revista Galileu, El País, Megacurioso.
Foto: Thomas Mukoya (Reuters).