Comunidades rurais do Nordeste enfrentam desafios causados por parques eólicos

No Nordeste, parques eólicos têm gerado sujeira, ruído e afetado a subsistência das comunidades locais.

Muitos moradores afirmam que os responsáveis pelo projeto não os consultaram adequadamente antes de construir estradas, infraestruturas e turbinas na região.

A energia eólica é considerada uma fonte de energia limpa no Brasil, o que qualifica os desenvolvedores para acesso facilitado a financiamento e licenciamento, muitas vezes às custas de conflitos com as comunidades locais.

Da perda de meios de subsistência às casas danificadas, esta investigação do Marco Zero mostra como o modelo de desenvolvimento adotado pelo Brasil para a expansão da energia eólica teve um custo elevado para as comunidades rurais.

Antônio Acelino de Moura, 65 anos, diz que imaginou que o futuro finalmente havia chegado à sua comunidade no Nordeste quando, em 2012, ouviu a notícia de que um parque eólico seria construído em sua comunidade no sertão potiguar. Moura, um agricultor de pele bronzeada e envelhecida, testemunha de anos de trabalho no campo, observava ansiosamente do seu terraço, rodeado de plantações de mandioca e milho, os primeiros reboques que se aproximavam do vilarejo transportando enormes turbinas e hélices. Ele nunca tinha visto máquinas tão grandes antes.

Os caminhões entravam e saíam diversas vezes ao dia, mudando a rotina de uma comunidade que antes raramente via carros passando. O nome do vilarejo de Moura, Recanto, no município de Cerro Corá, sugere um lugar sossegado. Mas a realidade aqui está longe de ser idílica. A vila é formada por uma única fileira de casas construídas ao longo de um trecho de terra da rodovia estadual RN-310. A paisagem é típica da Caatinga. Moura estava animado; parecia que o tão esperado progresso estava chegando.

Moura estava convencido de que a rodovia seria rapidamente modernizada para atender aos caminhões que transportam equipamentos tão caros, seguidos por engenheiros e técnicos. Ele também esperava que suas contas de energia ficassem mais baratas à medida que as turbinas eólicas começassem a girar.

Nenhum de seus sonhos se tornou realidade. As contas mensais de energia continuaram a subir. A estrada permaneceu inalterada, com cada caminhão que passava apenas adicionando mais uma camada de poeira ao vilarejo. A construção do complexo eólico Santa Rosa Mundo Novo (SRMN), propriedade da EDP Renováveis, uma subsidiária sediada na Espanha da gigante portuguesa de serviços públicos EDP, tornou o ar ainda mais sujo para os residentes da comunidade. Como resultado, as janelas e portas de Recanto permanecem fechadas dia e noite, apesar das temperaturas ultrapassarem os 30 °C.

Explosões na construção de um parque eólico no município de Cerro Corá (RN) causaram rachaduras na casa de Antônio Acelino de Moura. No início, ele ficou entusiasmado com o novo projeto, mas logo sua empolgação desapareceu.

Moura e seus vizinhos resignaram-se ao pó, mas seus problemas não pararam aí. Para montar as torres das turbinas, os funcionários do complexo eólico usaram dinamite para explodir rochas e nivelar o terreno. As explosões provocaram fissuras nas paredes de Moura.

“As explosões eram muito fortes, as telhas só faltavam voar”, diz Moura. “Eles faziam três explosões de uma vez e a poeira tomava conta do povoado por horas, a gente nem conseguia ver o horizonte”, acrescenta, apontando para as rachaduras em sua parede.

Os representantes da EDP Renováveis garantiram que implementariam melhorias na comunidade como compensação pelos danos causados pela instalação de suas turbinas. Mas estas promessas não foram cumpridas, deixando aos residentes a responsabilidade de reparar os danos causados pelas explosões.

“Eles disseram que as rachaduras não tinham sido causadas pelas explosões e eu mesmo tive que comprar o material e mandar cobrir tudo. Se fosse esperar por eles, a casa tinha caído”, diz Moura.

Ele remendou as rachaduras com cimento, mas a poeira implacável persiste. Consequentemente, Moura tomou a decisão de abandonar a vida em Recanto. Ele agora aluga uma casa no município de Lajes e faz o deslocamento diário de 23 quilômetros para cuidar de suas plantações de milho, feijão e mandioca em Recanto, sua única fonte de sustento.

A EDP Renováveis não respondeu a vários pedidos da reportagem para comentar as reclamações da comunidade. Em seu site, a empresa afirma que a sua principal prioridade é “promover os direitos humanos e as boas práticas de trabalho ao longo de toda a cadeia de valor.

Embora as vantagens da energia eólica sobre os combustíveis fósseis sejam bem conhecidos, o caso de Moura e de muitos outros no Nordeste mostram que a geração de energia limpa também pode ter um impacto negativo nas comunidades vizinhas se os parques eólicos forem construídos sem levar em conta os seus impactos ambientais e sociais.

Renovável, mas não inofensiva

O Brasil possui 953 parques eólicos, sendo 261 deles somente no Rio Grande do Norte. Embora em segundo lugar em número de parques, depois da Bahia, o estado é o maior produtor nacional desse tipo de energia: produz 30% dos 26,92 gigawatts totais, segundo o Mapa de Energias Renováveis.

“Não há energia limpa se você está desmatando, poluindo nascentes e mudando a vida das pessoas efetivamente ao tirá-las de suas casas”, afirma Heitor Scalambrini Costa, professor de Física e especialista em Política Energética da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Até que ponto a energia eólica é “limpa” é uma questão crucial – uma questão, segundo Costa, com impactos na reputação das empresas que a desenvolvem, mas também com consequências jurídicas e financeiras. “O fato de chamarmos a energia eólica de energia limpa implica, do ponto de vista da legislação ambiental, que elas são de baixo impacto ambiental, e isso exime as empresas de energia eólica da obrigação de apresentar o Estudo de Impacto Ambiental [EIA] e o Relatório de Impacto do Meio Ambiente [Rima], que são dois mecanismos fundamentais para fiscalizar a implantação de projetos e empreendimentos que afetam o meio ambiente.”

O quadro regulamentar para estes projetos pode ser complicado. Pela legislação brasileira, o licenciamento e a fiscalização dos projetos de energia eólica em operação no país são de responsabilidade de cada estado. Assim, embora as regulamentações sejam federais, estabelecidas por meio de leis aprovadas pelo Congresso e aplicáveis em todo o país, é o órgão ambiental de cada estado que analisa, licencia e autoriza a operação de parques eólicos privados.

Um geoparque global em risco

A principal preocupação dos ambientalistas é o impacto do complexo no Geoparque Seridó, nomeado Geoparque Global da Unesco em abril de 2022. O local é um santuário para papagaios, araras e periquitos, incluindo o quase ameaçado maracanã-verdadeiro (Primolius maracana). Apenas 30 indivíduos dessa espécie foram identificados até o momento no parque, segundo o movimento Seridó Vivo. A construção de parques eólicos perto de habitats de aves representa uma ameaça não só pelo risco de colisão com as hélices das turbinas, mas também pelo impacto da construção na vegetação de que as aves necessitam para sobreviver.

Outra preocupação em especial é o potencial de danos ou destruição de sítios arqueológicos no Seridó, que abrigam pinturas rupestres, cemitérios e habitações de antigas culturas indígenas. Só na região dos córregos Olho d’Água e Bojo já foram catalogados 20 sítios desse tipo, todos podendo ser danificados em explosões como a que rachou o muro da casa de Moura.

Segundo o Seridó Vivo, o EIA e o Rima apresentados pela Casa dos Ventos para obter sua licença apresentavam falhas. “Não há um zoneamento ecológico e faltam estudos técnicos para avaliar os impactos negativos dos empreendimentos sobre a biodiversidade, o patrimônio histórico-cultural e a vida humana nos entornos dos parques”, afirmou o movimento em comunicado.

O Seridó Vivo acrescenta ainda que a empresa pode ter omitido ou minimizado impactos como o desmatamento de grande área de vegetação de Caatinga, aumento da desertificação, degradação de sítios arqueológicos e mudanças no modo de vida de comunidades e populações tradicionais.

A Caatinga é um tipo de bioma semiárido no qual a vegetação persiste apesar da falta de chuvas. Vários parques eólicos foram implementados na região.

Fonte: Mongabay.

Foto: Arnaldo Sete/MZ.