Conferência dos oceanos tenta impedir declínio da saúde do mar

Desde a semana passada, Portugal tem sido o centro mundial das discussões sobre a economia do mar. O primeiro marco desses debates foi a realização do Global Innovation Summit, na semana passada, no Estoril Convention Center, a 25 km de Lisboa. O festival reuniu líderes, empresários, investidores e pesquisadores para tentar desenhar um futuro mais sustentável para o planeta.

Responsável por cobrir mais de 70% da área do planeta, o oceano é essencial para a manutenção da vida na Terra, mas sua saúde está em perigo – e quem faz esse alerta é a Organização das Nações Unidas (ONU), que promove a partir desta segunda-feira (27) a 2ª edição da Conferência dos Oceanos das Nações Unidas 2022. O encontro, que segue até a próxima sexta-feira, é uma realização dos governos de Portugal e do Quênia em Lisboa.

São esperados mais de 7 mil participantes de mais 140 países, além de 38 agências e organizações especializadas. Aguarda-se a presença de pelo menos 16 chefes de Estado, incluindo os de Angola, Colômbia, Líbia, Mônaco e Noruega. Emmanuel Macron, chefe de Estado de França, comparecerá ao encontro, segundo a embaixada francesa.

O governo americano mandou cinco pessoas, entre elas John Kerry, o enviado especial do presidente Joe Biden para o clima, e Monica Medina, responsável pelos Oceanos e Assuntos Ambientais Departamento de Estado. Mas de 100 outros países enviarão ministros – incluindo China, Índia e Brasil.

O objetivo principal da conferência é promover o desenvolvimento de ações concretas, tanto de países como de instituições privadas, para que as metas da Agenda 2030, também conhecidas como Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), sejam atingidas. No caso do oceano, o foco é o ODS 14, Vida no Mar, que inclui compromissos como a de reduzir a poluição marinha até 2025.

Os pesquisadores destacaram a importância da conservação oceânica para a sobrevivência humana. Só a pesca marinha, uma das atividades que ocorre no mar, gera 57 milhões de empregos em todo o mundo e fornece a principal fonte de proteína para mais de 50% da população de países em desenvolvimento, segundo dados da ONU.

Mas, além de fornecer alimento e trabalho, o oceano também tem um papel fundamental na regulação climática do planeta: é ele que garante que a temperatura da Terra fique em níveis adequados para a sobrevivência de diversas espécies, inclusive o homem.

E é por conta da ação humana que os mares têm sofrido diversos desafios, que passam pelo aumento da poluição, causada principalmente por plásticos, e também pela elevação da acidez da água, provocada pela alta nas emissões de carbono na atmosfera.

Para o professor Alexandre Turra, do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IO-USP), um dos focos da conferência deve ser comunicar os desafios do oceano para o grande público.

“É a promoção de cultura oceânica, que é fazer com que o oceano chegue na cabeça, no coração e na alma das pessoas. Mais de 70 milhões de brasileiros nunca viram o mar, por exemplo. Então a gente tem um desafio enorme que é levar a importância do mar até essas pessoas também”, explicou Turra, que também é coordenador da Cátedra UNESCO para a Sustentabilidade do Oceano.

Entenda abaixo os principais desafios para o oceano e por que eles são importantes:

Poluição por plásticos

Há diversos tipos de poluentes que afetam os mares: vazamentos de óleo, resíduos de agrotóxicos, esgoto não tratado e lixo são alguns deles. Mas, para os pesquisadores ouvidos pelo g1, o poluente que mais preocupa atualmente é o plástico, por conta do volume e também da permanência deste material no meio ambiente.

De acordo com uma estimativa do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, cerca de 11 milhões de toneladas de plástico são jogados no oceano todos os anos, o que gera um prejuízo global de US$ 13 bilhões por ano com custos de limpeza e perdas financeiras na pesca e outras indústrias.

Segundo a ONU, 89% do lixo plástico encontrado no fundo do mar vem de itens de uso único, como sacolas de plástico e embalagens. Mais de 800 espécies marinhas e costeiras são afetadas por esses plásticos, seja pelo risco de emaranhamento no lixo, seja por mudanças no seu habitat.

Além disso, este tipo de dejeto também pode ter um tamanho muito reduzido, como é o caso do microplástico, composto por partículas de menos de 5 milímetros de diâmetro. Nesses casos, o maior risco para as espécies é a ingestão desse material, inclusive por humanos.

Desenvolvimento da economia do mar

Um dos caminhos para evitar a degradação dos mares, segundo os especialistas entrevistados pelo g1, é entender como é possível aproveitar economicamente os seus recursos sem prejudicar o meio ambiente.

O movimento, conhecido como “blue economy” em inglês, visa promover a exploração sustentável do oceano paralelamente à conscientização do público. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) projeta que este mercado vai movimentar US$ 3 trilhões até 2030.

Da exploração de petróleo em alto-mar aos transportes marítimos, passando pelo turismo e pela pesca, uma série de atividades econômicas dependem do oceano. No Brasil, a ideia é criar um indicador para medir como esses setores contribuem para o Produto Interno Bruto (PIB) e desenvolver políticas públicas específicas para a chamada economia do mar. Um grupo técnico comandado pelo Ministério da Economia pretende definir, ainda em 2022, uma metodologia para essa métrica do “PIB do Mar”.

Acidificação do oceano

Os mares absorvem quase 1/4 do gás carbônico emitido pelo homem, o que ajuda a minimizar os impactos das emissões na atmosfera e a retardar os efeitos das mudanças climáticas. No entanto, essa absorção também afeta o mar: a água tem o seu pH reduzido, ou seja, se torna mais ácida, quanto mais dióxido de carbono (CO2) se dissolve nela.

Este processo, chamado de acidificação do oceano, pode causar a extinção de uma série de espécies, por conta da mudança em seu habitat. Além disso, à medida que o pH do oceano diminui, sua capacidade de absorver CO2 da atmosfera também se reduz.

Em um estudo publicado em maio, cientistas da Agência Internacional de Energia Atômica alertaram para o aumento da acidificação do oceano. Eles destacaram que os impactos deste fenômeno foram mal calculados nos últimos anos, e concluíram que 95% da água do mar aberto tornou-se mais ácida desde o final da década de 1980.

Elevação do nível do mar

No ano passado, o aumento do nível do mar também bateu recorde e chegou a uma elevação média de 4,5 milímetros por ano, a partir de 2013. Para os cientistas, este é um dos principais indicadores dos efeitos das mudanças climáticas no oceano, ao lado dos níveis de acidificação e da temperatura média do mar, que também atingiram recordes em 2021.

O cenário é preocupante porque, atualmente, a velocidade da subida dos oceanos é o dobro da que era registrada no século 20, e a parcela da população mundial que vive em áreas próximas do mar nunca foi tão grande.

Em todo o planeta, cerca de 680 milhões de pessoas vivem em zonas costeiras de baixa altitude, ou seja, áreas que estão ameaçadas pela elevação do nível do mar, segundo dados do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês). O grupo estima que esse número deve aumentar para 1 bilhão de pessoas até 2050.

Há um grupo que está em maior risco: 65 milhões de pessoas vivem em Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento, conhecidos como SIDS, na sigla em inglês. Esses países, que incluem lugares como República Dominicana e Maldivas, estão entre os mais vulneráveis às mudanças climáticas, e cerca de um quarto da população deles vive cinco metros ou menos acima do nível do mar.

Pesca predatória

A pesca predatória, também conhecida como “overfishing”, em inglês, ocorre quando a remoção de uma espécie de peixe é feita em uma ritmo maior do que a taxa de reprodução da espécie para repor sua população.

Os efeitos desta sobrepresca no meio ambiente podem levar décadas para serem revertidos. A longo prazo, a pesca predatória diminui as espécies de peixes em níveis biologicamente sustentáveis.

Segundo a ONU, a análise mais recente sobre este tema mostrou que o estoque de peixes em patamares sustentáveis diminuiu de 90% do total, em 1974, para apenas 67% em 2015.

De acordo com a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO, na sigla em inglês), mais de um terço dos cardumes presentes no oceano está sendo pescado em excesso atualmente.

“Em termos de desafios, um dos maiores nesta conferência deve ser a pesca, e um tópico-chave deve ser o fim dos subsídios prejudiciais à pesca. Esses subsídios são feitos de dinheiro público, mais de US$ 22 bilhões todos os anos, montante que é usado para financiar grandes corporações de pesca que põem em perigo não só espécies de peixes, mas também comunidades pesqueiras de todo o planeta”, afirmou Gemma Parkes, coordenadora de comunicação da Friends of the Ocean, iniciativa do Fórum Econômico Mundial para a conservação dos mares.

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Fontes: G1, Um Só Planeta, Época.