Enquanto famílias de elite utilizam grande parte da água para lazer, grupos de baixa renda não têm acesso a recursos hídricos para tomar banho ou se hidratar
Nas últimas duas décadas, inúmeras cidades metropolitanas em todo o mundo enfrentaram escassez severa de água devido às secas e ao uso insustentável da água. As projeções futuras são ainda mais preocupantes, pois agora, além das mudanças climáticas e do crescimento das populações urbanas, a crescente desigualdade social também é um fator para que as crises hídricas se agravem.
Enquanto a elite utiliza muitos recursos hídricos para lazer, uma outra parcela da população não tem acesso à água para para disfrutar do básico, como beber e tomar banho. Essa distribuição desigual, que prejudica mais aqueles que são social, econômica e politicamente desfavorecidos, foi explorada em um artigo publicado na Nature Sustainability, na quarta-feira (10).
Os especialistas avaliam que estudos científicos tendem a explicar o aumento da demanda hídrica como consequência da expansão das áreas urbanizadas e do crescimento populacional. As mudanças climáticas, na maioria das vezes, são consideradas a paraça que compromete a disponibilidade dos recursos hídricos. Porém, essas análises falham em reconhecer como o poder social e a heterogeneidade na sociedade moldam a forma como as crises hídricas urbanas se desenrolam e quem é vulnerável a elas.
Por meio de uma abordagem interdisciplinar, o estudo observou o uso doméstico de água desigual nos espaços urbanos e estimou as tendências de consumo de água para diferentes grupos sociais. O resultado revelou que as elites urbanas consomem água em excesso para tarefas como encher suas piscinas, regar seus jardins ou lavar seus carros.
“Mais de 80 grandes cidades em todo o mundo sofreram com a escassez de água nos últimos 20 anos, nossas projeções mostram que a situação pode piorar à medida que a distância entre ricos e pobres aumenta em muitas partes do mundo”, alerta Hannah Cloke, hidróloga da Universidade de Reading, em comunicado. “Isso mostra os vínculos estreitos entre a desigualdade social, econômica e ambiental. Todos sofrerão as consequências, a menos que desenvolvamos formas mais justas de compartilhar a água nas cidades”, completa.
Distribuição desigual
A pesquisa, liderada por Elisa Savelli da Universidade de Uppsala, Suécia, contou com colaboradores da Vrije Universiteit Amsterdam, na Holanda, e das Universidades de Reading e de Manchester, ambas no Reino Unido. A equipe utilizou um modelo para analisar o uso doméstico de água de residentes urbanos na Cidade do Cabo, África do Sul.
Essa cidade foi destacada pois a crise hídrica lá deixa muitas pessoas carentes com as torneiras vazias, sendo obrigadas a limitar o uso da água para beber e se higienizar. No entanto, eles também observaram questões semelhantes em 80 cidades em todo o mundo, incluindo Londres, Miami, Barcelona, Tóquio, Istambul, Cairo, Sydney, São Paulo, Cidade do México e Roma.
Neste estudo, os pesquisadores identificaram cinco grupos sociais, que vão desde a “elite” (pessoas que moram em casas espaçosas com grandes jardins e piscinas) até os “moradores informais” (pessoas que costumam morar em barracos na periferia da cidade).
Famílias de elite e de renda média alta representam menos de 14% da população da Cidade do Cabo, mas usam mais da metade (51%) da água consumida por toda a cidade. Famílias informais e de baixa renda respondem por 62% da população da cidade, mas consomem apenas 27% da água do município.
Atualmente, os pesquisadores destacam que os esforços para gerenciar o abastecimento de água em cidades com escassez de água se concentram principalmente em soluções técnicas, como o desenvolvimento de infraestrutura hídrica mais eficiente. Contudo, a pesquisa indica que essa estratégia não é tão boa e sugere uma abordagem mais proativa, destinada a reduzir o consumo insustentável de água entre as elites.
Fonte: Revista Galileu, Um Só Planeta.
Foto: Reprodução/Tuca Vieira.