Desmatamento cai pela metade na Amazônia em 2023, mas sobe 43% no Cerrado

O primeiro ano do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi marcado por uma redução de 50% no acumulado de alertas de desmatamento na Amazônia Legal, segundo dados divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) nesta sexta-feira (5). Por outro lado, o Cerrado registrou um aumento anual de 43% em 2023, atingindo o maior índice da série histórica do Deter no bioma. Os índices levam em conta o chamado ano civil, ou seja, o período total de janeiro a dezembro.

Em dados absolutos, foram 5.151 km² e 7.828 km² de área desmatada em cada ecossistema, respectivamente. Os dados são do Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter), do Inpe, e abrangem o ano de 2023 até o dia 29 de dezembro.

Quando somado o desmatamento nos dois biomas, a perda de vegetação chegou a 12.979,8 km². Houve uma queda de 17,5% em comparação a 2022, quando a taxa foi de 15.740,5 km².

É a primeira vez que o sistema Deter, em operação desde 2018, registra uma área desmatada no Cerrado, que ocupa cerca de 22% do território nacional, maior que a devastada na Amazônia, que detém mais de 50% de todo o território brasileiro, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os números também representam o maior patamar de desmatamento do Cerrado já registrado pelo Deter, e o menor da Amazônia.

Queda na Amazônia

A redução no desmatamento na Amazônia Legal ocorre após anos de alta no desmate na região que corresponde a 59% do território brasileiro. O recorde foi registrado em 2022, com 10.278 km². A área é composta por nove estados: Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e uma parte do Maranhão.

O Pará liderou a lista dos estados com mais desmate no ano passado, com quase 2 mil km² (1.903 km²), segundo o Deter. Na sequência vem o Mato Grosso, com 1.408 km², e Amazonas com 894 km².

Divulgado em novembro do ano passado, o relatório do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes), considerado o mais preciso para medir as taxas anuais, já apontava a queda no desmatamento em 2023.

O documento apontou uma redução de 2.593 km² na taxa (22,3%) entre agosto de 2022 e julho de 2023, o menor índice para uma temporada do Prodes desde 2019.

O intervalo que vai do meio de um ano ao meio do ano seguinte é o ano-referência que o Inpe usa para estimar o desmatamento anual. A queda no desmatamento na Amazônia Legal entre agosto de 2022 e julho de 2023 representa baixa de 133 milhões de toneladas de gás carbônico (CO2) que seriam liberados na atmosfera.

Para especialistas, esse resultado da Amazônia foi o grande destaque positivo do ano. Além do reforço na fiscalização, que aumentou o número de autuações, e das operações de inteligência contra os ilícitos ambientais, o governo federal recuperou o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), que havia sido descontinuado na gestão passada.

A Amazônia é um território muito mais difícil do ponto de vista logístico de reversão do desmatamento do que o Cerrado. Há regiões em que o governo tem muitas áreas de conservação, então ele tem mais paraça para agir. Isso não acontece no Cerrado. E ainda outra questão que se impõe que a pequena reserva legal que o proprietário é obrigado a preservar: de 35% em algumas áreas, 20% em outras. Então é um trabalho muito mais penoso, de convencimento da preservação.

Acima de tudo tivemos a retomada das operações de campo e da paraça da fiscalização ambiental, principalmente do Ibama. As equipes, mesmo ainda reduzidas, estão autuando bastante, apreendendo produtos e instrumentos do crime, inclusive apreendendo gado criado em terras proibidas. Isso gerou resultados concretos. A redução do desmatamento é expressiva para o intervalo de um ano — afirma Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima e ex-presidente do Ibama.

Apesar da queda no desmatamento indicar a retomada da governança ambiental na região, o pesquisador do Instituto SocioAmbiental (ISA) Antonio Oviedo avalia que o combate à ilegalidade deve permanecer como um ponto de atenção para a gestão de Lula.

Esses são dados que devemos comemorar, ao mesmo passo que precisamos perseguir a meta de desmatamento zero, especialmente pela emergência climática que temos passado. Viemos de quatro anos em que a ilegalidade correu solta na região. Qualquer ação efetiva de intensificação de fiscalização iria promover uma redução da taxa de desmatamento. Não podemos esquecer que esta é uma questão que ainda precisa ser combatida — pondera o pesquisador.

Um desce, o outro sobe

Já o Cerrado vem registrando alta no desmate desde 2020. No ano passado, o segundo bioma mais predominante do país teve o maior registro de áreas sob alerta de desmatamento desde o começo das medições do Deter. A principal frente está no Matopiba, a região do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.

Os dados do Inpe apontam que o Maranhão foi o estado com a maior área de vegetação nativa suprimida (1.765 km²), seguido por Bahia (1.727 km²), Tocantins (1.604 km²) e Piauí (824 km²).

Do ponto de vista de opinião pública há expectativa em torno da Amazônia que não existe sobre o Cerrado. Então há uma série de pontos que precisam ser tratados quase do zero, principalmente com o agronegócio. O governo precisa discutir mercado de carbono e garantir engajamento do setor privado e de outros setores do próprio governo, como o Ministério da Agricultura — explica Adriana Ramos, secretária executiva do ISA.

Especialistas destacam que as regras do Código Florestal, que permite supressão muito maior em propriedades no Cerrado do que na Amazônia, dificultam a fiscalização e a repressão. Mas frisam que as prioridades da gestão Lula ajudam a explicar os resultados discrepantes.

A lei determina que propriedades rurais no Cerrado tenham até 20% de seu território protegido em área de reserva legal. O limite sobe para 35% em áreas de Cerrado que estejam em estados da Amazônia Legal. Já se o imóvel para no bioma amazônico, a obrigação é de 80% de proteção.

No desmatamento, de forma geral, há uma melhora. Mas o crescimento no Cerrado preocupa, pois trata-se de um bioma fundamental para o equilíbrio das águas. Muitos rios nascem no Cerrado. O equilíbrio entre os biomas está correndo risco. É importante chamar a atenção para essa interdependência. O Brasil tem seis biomas: Amazônia, Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica, Pantanal e Pampa.

O Pampa, quando você olha, parece uma gramínea, mas ele tem uma importância enorme na biodiversidade. De acordo com especialistas a importância da Caatinga é fundamental para o equilíbrio geral. Da Mata Atlântica, que já foi nossa rainha, hoje resta pouco mais de 10%. E havia proposta de avançar nesse desmatamento da Mata Atlântica, aprovado no governo passado, que foi revertido.

O fato é que o Brasil precisa proteger todos os seus biomas, não apenas a Amazônia. E estamos num momento decisivo para o ponto chamado de não retorno, do qual não há reversão possível.

A avalição entre especialistas é que o governo não conseguiu deter o desmatamento ilegal e a maior permissividade legal pode aumentar a sensação de que “vale tudo” no Cerrado.

Todo o processo de licenciamento de supressão precisa melhorar. O governo não pode jogar a toalha sobre o desmatamento do Cerrado, só alegando que o Código Florestal permite. O bioma precisa ter prioridade para que seja investigada quais ações o governo deve tomar e, com isso, a expansão do desmatamento em outras áreas do Cerrado não seja viável ou vantajosa para o produtor — afirma Ane Alencar, diretora de ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) e coordenadora do MapBiomas Cerrado.

Fontes: O Globo, Um Só Planeta, CNN.

Foto: Cristiano Mariz/Agência O Globo 2023 e Mauro Pimentel/APF 2022.