Dias ficam mais longos devido a mudanças climáticas

Os impactos das alterações climáticas causadas pelo homem são tão devastadores que na verdade estão interferindo no tempo, de acordo com uma nova pesquisa.

As mudanças climáticas têm causado um aumento na duração do dia e alterado o eixo de rotação da Terra, sugerem dois estudos divulgados na segunda-feira passada, 15. Ambas as alterações são causadas pelo derretimento do gelo na Groenlândia e Antártida.

Esse derretimento das calotas polares faz com que o planeta gire mais lentamente, aumentando a duração dos dias. Apesar de mínimo, esse aumento tem potencial para interferir no tráfego da internet, em transações financeiras e em navegação por GPS – processos que dependem de uma cronometragem precisa.

Segundo um dos estudos publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences, esse excesso de água da Groenlândia e Antártida flui em direção à zona equatorial, tornando a Terra mais achatada, ou mais gorda. Esse deslocamento de massas afeta a rotação do planeta.

O coautor do estudo Benedikt Soja, do Instituto Federal de Tecnologia de Zurique (ETH), explica que o processo é semelhante ao que ocorre quando uma patinadora faz uma pirueta, primeiro com os braços próximos ao corpo e depois abertos. A rotação incialmente rápida se torna mais lenta porque as massas se afastam do eixo, aumentando a inércia física. A diminuição da velocidade de rotação da Terra faz com que os dias se tornem mais longos.

Durante milênios, a duração do dia aumentou gradualmente em alguns milissegundos (ms) por século em grande parte devido à atração gravitacional da Lua, que retarda a rotação da Terra. No entanto, de acordo com o estudo, o derretimento das calotas de gelo impulsionou esse aumento desde 1900.

É mais um sinal do enorme impacto que os humanos estão tendo no planeta. “Esta é uma prova da gravidade das mudanças climáticas em curso”, disse Surendra Adhikari, geofísico do Laboratório de Propulsão a Jato da NASA e autor do relatório.

O número de horas, minutos e segundos que compõem cada dia na Terra é ditado pela velocidade de rotação da Terra, que é influenciada por um complexo conjunto de fatores. Estes incluem processos no núcleo fluido do planeta, o impacto contínuo do derretimento de enormes geleiras após a última era glacial, bem como o derretimento do gelo polar devido às alterações climáticas.

Os cientistas já fizeram ligações entre o derretimento do gelo polar e os dias mais longos, mas a nova investigação sugere que o aquecimento global tem uma influência maior no tempo do que estudos recentes demonstraram.

No passado, o impacto das alterações climáticas no tempo “não foi tão dramático”, disse Benedikt Soja, autor do estudo e professor assistente de geodesia espacial na universidade suíça ETH Zurich.

Mas isso pode estar mudando. Se o mundo continuar a produzir poluição que aquece o planeta, “as alterações climáticas poderão tornar-se o novo fator dominante”, ultrapassando o papel da Lua, disse ele à CNN.

Funciona assim: à medida que os humanos aquecem o mundo, as geleiras e as camadas de gelo derretem, e a água do degelo flui dos polos em direção ao equador. Isto altera a forma do planeta – achatando-o nos polos e tornando-o mais saliente no meio – atrasando a sua rotação.

O processo é frequentemente comparado a um patinador no gelo. Quando o patinador puxa os braços em direção ao corpo, ele gira mais rápido. Mas se moverem os braços para fora, longe do corpo, o giro fica mais lento.

A equipe de cientistas internacionais analisou um período de 200 anos, entre 1900 e 2100, utilizando dados observacionais e modelos climáticos para compreender como as alterações climáticas afetaram a duração do dia no passado e para projetar o seu papel no futuro.

Eles descobriram que o impacto das mudanças climáticas na duração do dia aumentou significativamente.

O aumento do nível do mar, alimentado pelas alterações climáticas, fez com que a duração de um dia variasse entre 0,3 e 1 milissegundo no século XX. Nas últimas duas décadas, contudo, os cientistas calcularam um aumento na duração do dia de 1,33 milissegundos por século, “significativamente maior do que em qualquer altura do século XX”, segundo o relatório.

Se a poluição que provoca o aquecimento do planeta continuar a aumentar, aquecendo os oceanos e acelerando a perda de gelo na Gronelândia e na Antártida, a taxa de mudança deverá aumentar, concluiu o relatório. Se o mundo não conseguir controlar as emissões, as alterações climáticas poderão aumentar a duração de um dia em 2,62 milissegundos até ao final do século – ultrapassando os impactos naturais da Lua.

“Em apenas 200 anos, teremos alterado tanto o sistema climático da Terra que estamos testemunhando o seu impacto na própria forma como a Terra gira”, disse Adhikari à CNN.

Alguns milissegundos de tempo adicional por dia podem ser imperceptíveis para os humanos, mas têm impacto na tecnologia.

A cronometragem precisa é vital para o GPS, presentes em todos os smartphones, bem como para outros sistemas de comunicação e navegação. Eles usam tempo atômico altamente preciso, com base na frequência de certos átomos.

A partir do final da década de 1960, o mundo começou a usar o tempo universal coordenado (UTC) para definir fusos horários. O UTC depende de relógios atômicos, mas ainda acompanha a rotação do planeta. Isso significa que em algum momento será necessário adicionar ou subtrair “segundos bissextos” para manter o alinhamento com a rotação da Terra.

Alguns estudos também sugeriram uma correlação entre o aumento da duração do dia e o aumento dos terremotos, disse Mostafa Kiani Shahvandi, autor do estudo e geocientista da ETH Zurique. Mas a ligação ainda é especulativa e é necessário fazer muito mais pesquisas para estabelecer qualquer ligação clara, disse ele à CNN.

Um artigo sobre o mesmo tema publicado em março concluiu que, embora as alterações climáticas estivessem desacelerando cada vez mais a rotação da Terra, os processos no núcleo da Terra poderiam ser mais importantes e, na verdade, acelerá-la, encurtando a duração do dia.

“O que fizemos foi ir um pouco mais longe e reestimar estas tendências”, disse Shahvandi. Eles descobriram que qualquer influência do núcleo derretido foi compensada pela das mudanças climáticas.

É uma conclusão preocupante, disse Soja, da ETH Zurique. “Temos que considerar que agora estamos influenciando tanto a orientação da Terra no espaço que estamos dominando os efeitos que estão em ação há bilhões de anos.

“Nós, humanos, temos um impacto maior em nosso planeta do que imaginamos. E isso naturalmente coloca grande responsabilidade sobre nós pelo futuro de nosso planeta”, enfatizou Soja.

Reportagem do The Guardian salienta que a mudança na duração do dia, apesar de ser da ordem de milissegundos, é suficiente para potencialmente interromper o tráfego da internet, as transações financeiras e a navegação por GPS, todos processos que dependem de cronometragem precisa.

Leis físicas combinadas com inteligência artificial

Para o estudo sobre o movimento polar, os pesquisadores usaram o que é conhecido como redes neurais informadas pela física. Esses são novos métodos de inteligência artificial nos quais são aplicadas às leis e aos princípios da física para desenvolver algoritmos para aprendizado de máquina.

Fontes: DW, Um Só Planeta, Revista Planeta, CNN.

Foto: Cigdem Simsek/Zoonar/picture aliance.