O sol se pôs e a escuridão toma conta da maior floresta tropical do mundo. Aos poucos, os sentidos vão se tornando mais aguçados. A umidade gruda na pele e os sons dos animais começam a se tornar mais distintos para os ouvidos. Os olhos vão se ajustando à falta de luz e os pés vão caminhando cuidadosamente pelo terreno irregular. Mas quando o flash da câmera é acionado, um novo mundo, pulsante e colorido, se descortina frente aos pesquisadores brasileiros da expedição Amazônia do Poente à Aurora.
Realizada em outubro de 2021, com financiamento da National Geographic Society e apoio do Museu Emílio Goeldi, a expedição colaborativa liderada pela equipe do Projeto Mantis na Floresta Nacional de Caxiuanã, no Delta do Amazonas, no Pará, teve duração de um mês.
Entre seus principais objetivos estava não apenas buscar novas espécies de louva-a-deus e estudar o comportamento desses insetos — principal foco do projeto —, mas também revelar a deslumbrante vida noturna da Floresta Amazônica e utilizar metodologias de forma inovadora para documentar novos aspectos da biodiversidade.
“As noites são mais frescas e calmas. Caminhando devagar, vamos aos poucos revelando a floresta à nossa volta com as lanternas. A sinfonia de anfíbios e insetos é incrível. Há mistério e eletricidade no ar. Nunca se sabe o que nos espera ao longo da trilha”, diz Lvcas Fiat, diretor criativo do Mantis.
“Costumamos dizer que deixar de visitar os ecossistemas à noite é como fechar os olhos a 50% das belezas do nosso planeta. Poucos sabem, mas é à noite que a floresta tropical é mais viva, com abundância de seres, de insetos a grandes mamíferos. Cores, formas, sons espetaculares que raramente se vê de dia”.
Ciência, arte e tecnologia em prol da conservação
A lente das câmeras do Projeto Mantis não está voltada para os grandes animais da Amazônia, aqueles com os quais em geral o grande público está mais familiarizado. O foco aqui são os de menor porte, que, justamente por esta razão, muitas vezes passam despercebidos pelo olhar e pelas políticas de conservação.
Um close-up de altíssima qualidade pode revelar, por exemplo, a disposição de características do animal — como fileiras de espinhos, algo essencial na documentação científica e que pode acelerar e tornar mais fácil o processo de descrição de novas espécies, que em geral pode levar anos e requer ainda análises em laboratórios.
É o caso da técnica da fotografia de luz ultravioleta, usada durante a exploração noturna na Floresta Nacional de Caxiuanã, que evidencia tanto novas cores como detalhes muito mais minuciosos do animais.
Do Poente à Aurora é a terceira grande expedição dos pesquisadores do Projeto Mantis desbravando a escuridão. A primeira delas foi a Mabán, que ocorreu na Amazônia peruana em 2019, também com financiamento da National Geographic. E no ano passado houve ainda a Austral, na Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Cristalino, ao norte do Mato Grosso, que contou com o apoio do Greenpeace Brasil.
“Nos últimos anos temos nos voltado à Amazônia, um caminho que surgiu naturalmente. Afinal, é a maior floresta tropical do mundo. Na busca por novas espécies de louva-a-deus, era natural que fôssemos parar lá, e nos apaixonamos”, revela o biólogo Leo Lanna, fundador do projeto.
A fluorescência é um fenômeno de emissão de luz (que se manifesta como cor) quando um ser ou material é exposto a determinado comprimento de onda. “Seres humanos não enxergam o ultravioleta, mas tem se descoberto mais e mais animais que enxergam. Então, quando estudamos o comportamento desses animais, como interação entre presas e predadores, corte de acasalamento e basicamente qualquer comunicação entre seres que tenha o fator visual, é preciso considerar que não existe apenas o espectro de luz que vemos”, explica Lanna.
Aproximando a ciência do público leigo
Em abril de 2022, após um hiato de dois anos por causa da pandemia de covid, foi realizado novamente o grande evento global TED Conference, agora em Vancouver, no Canadá. Com o tema “A New Era — Possibilidades extraordinárias com as quais não poderíamos sonhar e que já são uma realidade”, entre os quase 70 palestrantes, que contavam com nomes como Bill Gates, Al Gore e Elon Musk, estavam os brasileiros do Projeto Mantis, também convidados a participar.
Durante os dez minutos da apresentação, eles levaram para o palco do TED fotos impressionantes da Floresta Amazônica e de sua fauna noturna. Ressaltaram também a importância do uso da imagem para tornar a ciência mais didática e aproximá-la dos leigos.
É muito comum no meio científico que se fale sobre um bicho descoberto, mas, pela falta de boas imagens, os leigos não consigam fazer ideia de como ele é, ou então possuam apenas uma vaga referência sobre ele. Ou ainda, por causa de algum estereótipo, tenham medo dele sem que haja necessidade.
“Uma boa imagem imprime característica e personalidade ao animal, muda a atmosfera e é capaz de gerar transformação. Acontece muito de termos pessoas com grande aversão a cobras que aos poucos vão perdendo esse medo ao observar imagens bem feitas, com uma boa narrativa, mostrando o lado belo desses animais”, diz Fiat.
Para 2023, o Projeto Mantis planeja uma nova expedição, chamada Amazônia Atlântica, que desbravará a Reserva Biológica de Sooretama, no Espírito Santo, uma região do bioma Mata Atlântica que se suspeita abrigar espécies de louva-a-deus típicas da Amazônia. Lá, os pesquisadores pretendem encontrar prováveis espécies novas, originárias das linhagens amazônicas que ocuparam a costa quando as duas florestas foram conectadas há milhares de anos.
Para o ano que vem, a expectativa é o lançamento do Relicário da Amazônia, que está sendo desenvolvido pelos biólogos documentaristas da ECO360, com entrevistas, histórias, fotografias, vídeos e descobertas feita na expedição à Floresta Nacional de Caxiuanã.
Entretanto, apesar de toda a beleza revelada pelo Mantis, os profissionais alertam sobre a devastação em curso na Amazônia e, ao engajar mais e mais pessoas na luta pela preservação, sonham em dar um basta na destruição.
“Cada hectare devastado, cada árvore que cai, está levando junto uma biodiversidade que não se pode recuperar”, alerta Lanna.
Fonte: Mongabay.
Foto: Projeto Mantis.