As constantes ondas de calor decorrentes das mudanças climáticas associadas à urbanização incompleta e à grande circulação de pessoas em determinadas áreas estão favorecendo a expansão da dengue para o interior brasileiro.
A dengue vem se espalhando pelas regiões Sul e Centro-Oeste, onde a doença não era tão comum, principalmente em razão das constantes ondas de calor causadas pelas mudanças climáticas associadas à urbanização incompleta e à grande circulação de pessoas em determinadas áreas, afirma estudo Mudanças climáticas, anomalias térmicas e a recente progressão da dengue no Brasil, publicado recentemente no portal Scientific Reports da Nature.
“No interior do Paraná, Goiás, Distrito Federal e Mato Grosso do Sul, o aumento de temperaturas está se tornando quase permanente. A gente tinha cinco dias de anomalia de calor, agora são 20, 30 dias de calor acima da média ao longo do verão. Isso dispara o processo de transmissão de dengue, tanto por causa [da reprodução acelerada] do mosquito quanto pela circulação de pessoas”, de acordo com o estudo do pesquisador Christovam Barcellos, do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz).
Segundo o artigo, a expansão da doença nessas regiões está diretamente associada à frequência cada vez maior de eventos climáticos extremos, como secas e inundações. O autor também cita a degradação ambiental, especialmente no cerrado, como importante influência.
Já existem evidências que o aquecimento global, causado pela atividade humana, tem causado um aumento de doenças infecciosas em todo o mundo, em especial as arboviroses, transmitidas por mosquito. Os registros de casos autóctones (que ocorrem no local e não são trazidos de fora) de dengue em alguns países da Europa, como no sul da França, Espanha e Itália, estão ligados diretamente à mudança climática, segundo pesquisadores da OMS (Organização Mundial da Saúde).
É o mesmo caso do Brasil, onde especialistas ainda colocam na conta o crescimento desordenado das cidades e a precariedade de serviços e de infraestrutura básica, como saneamento e limpeza urbana.
“Nessas regiões que estão sofrendo com altas de temperatura, também temos visto um desmatamento muito acelerado. E dentro do cerrado brasileiro há as cidades que já têm ilhas de calor, áreas de subúrbio ou periferias com péssimas condições de saneamento, tornando mais difícil combater o mosquito”, acrescenta Barcellos.
Estufa de mosquito
Em condições normais de temperatura e chuva, o ciclo de vida do Aedes aegypti, da colocação dos ovos até a formação do mosquito, é de sete a dez dias, explica o coordenador de vigilância em saúde da capital paulista, Luiz Artur Caldeira.
“Se a condição para, por exemplo, de muito calor intenso, esse período pode baixar para até quatro dias, dobrando assim o número de mosquitos em relação ao ciclo normal”, alerta. “Isso é algo que vem ocorrendo em boa parte do país desde pelo menos setembro do ano passado, muito por conta do El Niño”, afirma, referindo-se ao fenômeno caracterizado pelo aquecimento anormal e persistente da superfície do Oceano Pacífico na região da Linha do Equador.
Com o calor dos últimos meses, os brasileiros vêm sentindo na própria saúde essa explosão da proliferação dos mosquitos. Em todo o país, o número de casos confirmados ou sob suspeita de dengue já passa de 653 mil — ou um infectado a cada 347 mil brasileiros. No mesmo período de 2023, o número de casos não chegava a 130 mil. Trata-se de um aumento de 294% de um ano para o outro, e que já provocou 113 mortes, enquanto 438 estão sendo investigadas.
Pelos dados do Ministério da Saúde, o avanço da dengue nunca foi tão rápido no Brasil, e o país pode chegar a 4,2 milhões de casos até o fim do ano.
“A taxa de letalidade da população como um todo varia de 3 a 7 por mil, ou seja, 0,3% a 0,7%. Quando eu falo que a taxa de letalidade da dengue é de cerca de 1%, o pessoal fala ‘puxa, é pouco’, mas não é! É o dobro do que é esperado sem a doença”, ressalta Lotufo.
O estudo utilizou técnicas de mineração de dados para avaliar a associação entre anomalias térmicas, fatores demográficos e mudanças nos padrões de incidência de dengue ao longo de um período de 21 anos (2000 a 2020) nas microrregiões do Brasil.
Fonte: Fundação Oswaldo Cruz, DW, Folha SP, G1.
Foto: ThamKC/Envato/Canaltech.