Fezes humanas são alternativa para fertilizantes poluentes

Utilizar dejetos de animais como adubos e fertilizantes já é algo comum na agricultura. Os mais conhecidos, como fezes de gado, possuem uma grande quantidade de fósforo, nitrogênio e potássio, que são bons nutrientes para o solo. Alguns desses compostos também são encontrados na urina e fezes humanas, abrindo a possibilidade de transformar excrementos humanos em fertilizantes de reciclagem.

A ideia foi estudada a fundo por uma equipe de pesquisadores que mostrou que reciclar nossos próprios resíduos corporais pode ser uma alternativa para substituir fertilizantes poluentes, enfrentar a crise climática e a perda de biodiversidade. Desde que não haja micróbios ou algum resíduo maléfico que possa ir diretamente para o alimento cultivado.

Uma análise publicada na revista científica Frontiers in Environmental Science nesta segunda-feira (16) mostrou que produtos modernos “verdes” reciclados de excrementos humanos são fertilizantes excelentes e seguros para a agricultura.

A urina, por exemplo, além de possuir nitrogênio e potássio, contém traços de metais como boro, zinco e ferro. Já as fezes poderiam, em teoria, fornecer outros nutrientes, como fósforo, cálcio e magnésio ou carbono orgânico, valioso para os solos.

Novos fertilizantes

Para entender melhor o potencial fertilizante e o valor de nitrogênio dos excretos humanos, três novos e seguros produtos de reciclagem foram avaliados em um experimento de campo. Dois fertilizantes nitrificados de urina (Nufs) e um composto fecal foram aplicados sozinhos ou em combinação, e comparados com o fertilizante orgânico comercial.

Os Nufs são produtos sintetizados a partir da urina humana que foram coletados separadamente das fezes, nos quais compostos contendo nitrogênio são convertidos por micróbios em amônia e nitrato.

Franziska Häfner, estudante da Universidade de Hohenheim, na Alemanha, explica em comunicado que os produtos derivados da reciclagem de urina e fezes humanas são fertilizantes nitrogenados viáveis ​​e seguros para o cultivo de repolho, que foi o alimento escolhido para o experimento.

“Os fertilizantes de urina humana nitrificada deram rendimentos semelhantes aos de um fertilizante convencional, e não apresentou nenhum risco em relação à transmissão de patógenos ou produtos farmacêuticos”, contou a pesquisadora. “A aplicação combinada de fertilizantes nitrificados de urina e composto fecal levou a rendimentos ligeiramente mais baixos, mas pode aumentar o teor de carbono do solo a longo prazo, promovendo a produção de alimentos resilientes ao clima.”

O repolho foi cultivado entre junho e outubro de 2019 em três tipos de solos diferentes: arenoso, argiloso ou siltoso enriquecido com quatro fertilizantes reciclados, aplicados gradualmente ao longo da estação de crescimento. Como fertilizante de referência, os pesquisadores usaram vinhaça orgânica disponível comercialmente, produzida por meio da fermentação de resíduos de biomassa da produção de bioetanol.

Sistemas ecológicos

O primeiro Nuf utilizado foi o Aurin, recentemente aprovado para uso na agricultura humana na Suíça, em Liechtenstein e na Áustria. O segundo, que ainda está em desenvolvimento, foi a produção combinada de alimentos orgânicos regenerativos (CROP, sigla em inglês), desenvolvido pelo Instituto de Medicina Aeroespacial do Centro Aeroespacial Alemão.

Os efeitos dos Nufs no crescimento do repolho foram testados tanto quando aplicados separadamente no solo quanto em combinação com composto fecal.

Observou-se que o rendimento comercializável variou entre 35 a 72 toneladas métricas por hectare. Este rendimento foi maior para parcelas fertilizadas por Aurin, CROP ou vinhaça, e entre 20% e 45% menor dependendo do solo, para parcelas fertilizadas apenas com composto fecal e intermediário para composto fecal aumentado com Nufs.

Quanto aos resquícios de fármacos, foi detectada a presença de 310 produtos químicos no composto fecal, desde produtos farmacêuticos a aditivos de borracha, filtros UV, inibidores de corrosão e repelentes de insetos.

Apenas 6,5% destes estavam presentes acima do limite de detecção no composto, embora em baixas concentrações, incluindo 11 fármacos. Entre estes últimos, apenas o analgésico ibuprofeno e o anticonvulsivante e estabilizador do humor carbamazepina.

De acordo com o estudo, isso não apresenta nenhum risco para saúde já que as concentrações eram tão baixas que para alcançar uma quantidade significativa no organismo era necessário comer mais de meio milhão de cabeças de repolho.

“Os resultados do nosso estudo demonstram que os fertilizantes de urina nitrificada, como Aurin e CROP, têm um enorme potencial como fertilizante na agricultura. Eles argumentam para uma maior utilização destes produtos reciclados no futuro”, destacou Ariane Krause, cientista do Instituto Leibniz de Vegetais e Culturas Ornamentais em Großbeeren, na Alemanha.

Ela ressaltou que, se bem produzido, até 25% dos fertilizantes minerais sintéticos convencionais na Alemanha poderiam ser substituídos pela reciclagem de fertilizantes de urina e fezes humanas. Isso minimizaria, por exemplo, o consumo de gás natural fóssil.

Fonte: Revista Galileu.

Foto: Reprodução/Unsplash.