A “Geleira do Apocalipse” da Antártida – apelidada porque seu colapso pode levar a um aumento catastrófico do nível do mar – está derretendo rapidamente de maneiras inesperadas, de acordo com uma nova pesquisa.
A geleira Thwaites é aproximadamente do tamanho da Flórida e está localizada na Antártica Ocidental. Parte do que a mantém no lugar é uma plataforma de gelo que se projeta para a superfície do oceano. A plataforma funciona como uma rolha, mantendo a geleira de volta à terra e fornecendo uma importante defesa contra o aumento do nível do mar.
Mas a plataforma de gelo crucial é altamente vulnerável à medida que o oceano esquenta.
Em dois estudos, publicados na revista Nature na quarta-feira (15), os cientistas revelaram que, embora o ritmo de derretimento sob grande parte da plataforma de gelo seja mais lento do que se pensava, rachaduras profundas e formações de “escadas” no gelo estão derretendo muito mais rápido.
Para entender melhor a remodelação do litoral remoto, uma equipe de cientistas americanos e britânicos da International Thwaites Glacier Collaboration viajou para a geleira no final de 2019.
Usando uma broca de água quente, eles abriram um buraco de quase 600 metros de profundidade no gelo e, durante um período de cinco dias, enviaram vários instrumentos para fazer medições na geleira.
Os resultados da pesquisa revelam “uma imagem muito sutil e complexa”, disse à CNN Peter Davis, oceanógrafo do British Antarctic Survey e principal autor do outro artigo.
Outro estudo realizado por especialistas de universidades dos Estados Unidos (como a Universidade da Califórnia) e Canadá, com apoio da NASA., publicado nesta segunda-feira (20) na Proceedings of the National Academy of Sciences, foram utilizadas imagens de satélite que monitoraram a geleira.
Descobriu-se que ela está se movimentando, empurrada pela água quente do oceano;
Ela está presa no fundo do oceano, mas as marés mais fortes estão levantando-a, permitindo que a água quente entre em sua base por até seis quilômetros;
Dessa forma, a matemática é simples: água quente + geleira = maior possibilidade de derretimento;
E esse é “apenas” um agravante, uma vez que as mudanças climáticas e o aquecimento global já estão afetando a geleira, entre outros fatores.
Christine Dow, professora da Faculdade de Meio Ambiente da Universidade de Waterloo (Bélgica) e coautora do estudo, detalha que a descoberta indica que, além de Thwaites estar mais próxima de derreter por completo, a ação das marés fortes em combinação com o oceano mais quente pode influenciar toda a camada de gelo, resultando no aumento do nível do mar.
Thwaites é o lugar mais instável da Antártica e contém o equivalente a 70 centímetros de aumento do nível do mar. A preocupação é que estejamos subestimando a velocidade na qual a geleira está mudando, o que seria devastador para as comunidades costeiras em todo o mundo, de acordo com Christine Dow,.
À medida que a mudança climática acelera, a geleira Thwaites está mudando rapidamente.
Porém, os pesquisadores não têm certeza sobre a rapidez na qual a geleira pode derreter. Eles esperam que seu estudo auxilie nas previsões sobre o futuro de nossos oceanos.
Por que Thwaites coloca o mundo todo em risco?
Todos os anos, ela despeja bilhões de toneladas de gelo no oceano, contribuindo com cerca de 4% do aumento anual do nível do mar. O derretimento particularmente rápido ocorre no ponto onde a geleira encontra o fundo do mar, que recuou quase 14 quilômetros desde o final dos anos 1990, expondo uma fatia maior de gelo à água relativamente quente do oceano.
O colapso completo da Thwaites poderia levar ao aumento do nível do mar em mais de 70 centímetros, o que seria suficiente para devastar comunidades costeiras em todo o mundo. Mas a Thwaites também está agindo como uma represa natural para o gelo circundante na Antártica Ocidental, e os cientistas estimaram que o nível global do mar poderia subir cerca de 3 metros se a Thwaites entrasse em colapso.
Embora possa levar centenas ou milhares de anos, a plataforma de gelo pode se desintegrar muito mais cedo, provocando um recuo da geleira que é instável e potencialmente irreversível.
Ainda, ilhas do Pacífico podem sumir totalmente e ajudar a encher de água cidades estadunidenses, como Miami e Nova York. Claro que o Brasil não fica de fora: uma análise da NASA aponta que 293 cidades portuárias do mundo serão afetadas pelo derretimento de diversas porções de todas as massas de gelo da Terra.
E por que o Brasil não fica de fora? Porque, nesse estudo, foram citadas as cidades de Rio de Janeiro (RJ), Recife (PE) e Belém (PA).
“Os impactos da permanência baixa do gelo marinho da Antártica durante mais de 20 anos seriam profundos, inclusive no clima local e global”, disse Louise Sime, coautora do estudo, em nota. Os autores também alertam para suas descobertas, no sentido de que elas aumentam as provas de que a região passa por “mudança duradoura de regime”.
O derretimento da Thwaites, no entanto, está longe de ser repentino. Ano após ano ela perde alguns metros de extensão em decorrência do aquecimento global. A diferença é que, entre os novos estudos sobre o tema — um deles publicado na revista Nature Geoscience —, há um dado mais chocante: a “Geleira do Apocalipse” atingiu um recuo de 2,1km por ano, uma velocidade muito mais alta do que o comum.
O recuo, inclusive, é o dobro do que os cientistas comprovaram desde 2010.
Uma mudança drástica em um futuro não tão distante
A velocidade de derretimento da Thwaites implica em algumas mudanças climáticas expressivas. Além do aumento do nível dos oceanos, ela também revela o avanço do aquecimento global do planeta. As consequências da mudança estão para acontecer rápido. Na verdade, em alguns meses.
De acordo com o estudo publicado na Nature Geoscience, uma das cordilheiras mais próximas da Thwaites está se desprendendo e, se sua parte submersa — que a fixa no fundo do oceano — de fato colapsar, os efeitos serão perceptíveis em poucos meses. A água mais quente inclusive já criou buracos e contribui para que a geleira perca território mais rápido.
Se de fato Thwaites colapsar, mais de 40% da população em todo o mundo — dados da ONU para habitação costeira — deve sofrer consequências diretas nas marés. A estimativa dos cientistas é que o nível do mar suba até três metros caso a geleira de fato se desprenda.
As pesquisas podem ajudar a fazer projeções mais precisas sobre o aumento do nível do mar, o que pode ser alimentado em esforços para mitigar as mudanças climáticas e proteger as comunidades costeiras.
“Apesar de ser tão remoto, as consequências do que acontecer com a Thwaites afetarão a todos”, disse Davis.
Fonte: Olhar Digital, CNN, G1, Exame.
Imagem: Derek Oyen/Unsplash.