“A gente está vivo, a gente está lutando e o nosso Rio Grande do Norte está se movimentando”. É assim que Itajone Morais (Tatá Morais) define a luta do Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais. Nos dias 21 e 22 de novembro, um grupo de pescadores e pescadoras artesanais de 18 estados esteve em Brasília para realização do 12º Grito da Pesca Artesanal. Na pauta, a discussão de projetos que ameaçam seu modo de vida e a urgência da votação do Projeto de Lei 131/2020, que assegura a comunidades pesqueiras tradicionais a preferência para acessar e utilizar os recursos naturais presentes no território onde vivem. A proposta tramita na Câmara dos Deputados desde 2020.
Com o tema “Por Justiça socioambiental, soberania alimentar e pela demarcação dos territórios pesqueiros”, a 12ª edição do Grito da Pesca Artesanal teve início com uma audiência na Câmara Federal. O manifesto das “Vozes dos Territórios por uma transição energética justa e popular” foi lido e entregue à presidenta da Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial da Câmara dos Deputados, a deputada Luizianne Lins (PT-CE).
“Em nosso manifesto pedimos que tenhamos uma energia justa e responsável, porque as energias renováveis chegaram ao nosso estado sem nenhuma conversa, desrespeitando leis e, principalmente, a vivência, nossa história”, afirma Tata Morais, que faz parte da Associação de pescadores artesanais de Guamaré.
O documento foi redigido e aprovado durante o seminário “Vozes dos Territórios por uma Transição Energética Justa e Popular”. O encontro ocorreu entre os dias 25 e 27 de outubro, na sede da FETARN, no bairro do Tirol, Zona Leste da capital potiguar, e reuniu representantes dos territórios, movimentos sociais, organizações não governamentais, universidades, igreja, poder público e representantes do Rio Grande do Norte, da Paraíba e do Ceará para criação de um movimento das comunidades, populações e pessoas atingidas pelas energias renováveis. Uma representação em cada território potiguar foi escolhida para fazer a articulação do movimento em nível estadual e com os demais Estados onde a transição energética tem causado conflitos.
“Em nosso manifesto falamos sobre as audiências que precisam acontecer antes dos parques serem instalados. Fala também da forma que ela chega, acabando com as famílias, dando empregos temporários, o abuso dos corpos das mulheres de nossos territórios. É por isso que eu tive que entregar aquele manifesto, mostrar para a presidente da Comissão de Direitos que a gente está vivo”, avalia Tatá.
A produção de energia eólica é alvo de protestos de comunidades tradicionais da pesca por todo o litoral do Nordeste brasileiro, especialmente no Ceará e Rio Grande do Norte. Os impactos ambientais e sociais ocasionados pela implantação destes empreendimentos estão sendo levantados por grupos de pescadores e pescadoras que se organizam para denunciar aspectos que não são levados em conta quando se afirma ser uma energia limpa.
Hoje, uma das maiores críticas ao modelo de transição energética que vem sendo adotado no Brasil, especialmente na região Nordeste, é o fato que, muitas vezes, as comunidades locais são deixadas de fora das discussões sobre o planejamento e o zoneamento de áreas costeiras e marinhas.
“A ameaça que a gente vai ter é muito grande se essas torres eólicas forem implantadas no mar. Nosso pescador não vai ter acesso a essa parte porque a distância de uma torre para outra é de 500 metros, e ele não pode passar entre essas torres porque corre um risco muito grande de acidentes. A própria atração do cabo de transmissão atrai para perto. Então assim, é um risco muito grande. Ele não vai ter como pescar, sair de sua casa em busca de sua alimentação. Vai acabar a segurança alimentar que ele tem dentro de casa, que é sair, trabalhar e ganhar seu próprio sustento. Então é isso, é não às energias renováveis”, alerta Tatá Morais.
No Estado que é líder no Brasil e na América Latina da produção de energia eólica, com mais de 250 usinas em operação e patamar de capacidade produtiva superior a 8 Gigawatts (GW), as comunidades tradicionais reclamam que a autossuficiência foi conquistada por meio da retirada dos vários grupos humanos de seus espaços, deslocando as pessoas ou submetendo-as ao interesse de grupos que não são de pescadores, agricultores ou ribeirinhos.
Para o do Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais, é preciso discutir a reserva extrativista marinha e costeira como modelo capaz de trazer segurança para as comunidades pesqueiras diante dos conflitos da terra, das ameaças que sofrem de despejos, demolições, com a pesca predatória, das grandes embarcações, e agora essa questão da eólica offshore. Isso porque, o Rio Grande do Norte pode se tornar em breve o primeiro estado do país a ter produção de energia eólica offshore.
O Governo do Estado já assinou memorando de entendimento com a Internacional Energias Renováveis (IER) para implantação de projetos de geração de energia eólica offshore e produção de hidrogênio verde. A decisão é vista com preocupação pelas comunidades que dependem das áreas para sobreviverem e por pesquisadores que alegam a falta de estudos de impacto ambiental e de diálogo.
“Esse movimento precisa crescer mais ainda. Esse movimento poderia ser a nível estadual e nacional. Começar com assembleias dentro dos estados para depois vir para um grande evento nacional. Mas, assim, é ótimo ter essa pauta dentro do governo para se discutir, mobilizar as pessoas para vir, principalmente, esses pescadores que saem dos seus estados e vêm para uma causa única e coletiva”, avalia Tatá Morais.
Fonte: Saiba Mais.
Foto: Joédson Alves/Agência Brasil.