Incêndio no Havaí é o mais mortal em mais de um século nos EUA e causado por mudanças climáticas, diz autoridade

O incêndio florestal em Lahaina, no Havaí, é o mais mortal em mais de 100 anos, de acordo com a administradora de incêndios dos Estados Unidos, Lori Moore-Merrell.

“Ele ultrapassou o incêndio florestal que devastou o condado de Butte, no norte da Califórnia, em novembro de 2018, matou 96 pessoas, queimando um total de 62.052 hectares”, disse Merrell durante uma coletiva de imprensa no sábado (12).

Enquanto o número confirmado de mortos chega a 96 e o de desaparecidos pode superar mil pessoas, sobreviventes da onda devastadora de incêndios que varre parte do Havaí, os moradores e turistas tentam se recuperar do trauma do contato próximo com o fogo.

Os incêndios atingiram os carros das pessoas que tentavam fugir e a única opção de continuar vivos era entrarem no mar.

Inúmeras pessoas ficaram na água por quase quatro horas e  famílias inteiras sofreram queimaduras.

Esse é o desastre natural mais mortal na história do estado, superando as 61 mortes confirmadas em um tsunami em Hilo, em 1960. No entanto, antes de o Havaí se tornar um estado, em 1959, as ilhas sofreram um tsunami devastador que matou 158 pessoas, em 1946.

Segundo especialistas destacaram ao The Guardian, o aquecimento global e a seca alimentaram as chamas e a destruição foi agravada por fortes ventos de um ciclone próximo. Estudos mostram que Incêndios florestais no Havaí estão queimando quatro vezes mais do que décadas anteriores

Os incêndios dos últimos dias no Havaí seriam chocantes em qualquer lugar — num dos mais letais na história moderna dos Estados Unidos. Mas a devastação é especialmente impressionante por causa do local onde ocorreu: um estado americano conhecido por sua vegetação exuberante, muito diferente da paisagem seca normalmente associada a ameaças de incêndio.

A explicação é tão direta quanto preocupante: à medida que o planeta esquenta, nenhum lugar está a salvo de desastres.

A história do incêndio desta semana provavelmente teve início décadas atrás, quando o Havaí começou a sofrer uma redução progressiva na precipitação média anual de chuvas. Desde 1990, a precipitação em locais de monitoramento selecionados foi 31% menor na estação chuvosa e 6% menor na estação seca, segundo um trabalho publicado em 2015 por pesquisadores da Universidade do Havaí e da Universidade do Colorado.

Existem várias razões para essa mudança, segundo Abby Frazier, climatologista da Universidade Clark que pesquisou o Havaí.

Um fator é La Niña, um padrão climático que geralmente provoca chuvas significativas, mas começou a produzi-las em menor volume a partir dos anos 1980.

Outra mudança: à medida que as temperaturas aumentam, as nuvens sobre o Havaí ficam mais finas, disse ela. E a menor cobertura de nuvens significa menor precipitação

Essas três mudanças provavelmente estão relacionadas ao aumento das temperaturas globais, disse Frazier. “É provável que haja um sinal da mudança climática em tudo o que estamos vendo”, disse ela.

Quase 16% do condado de Maui, onde os incêndios florestais estão ardendo, sofrem seca severa, de acordo com dados divulgados pelo Monitor de Secas dos EUA na quinta-feira (10); outros 20% da área estão com seca moderada.

Como a precipitação média anual vem diminuindo, as temperaturas médias no Havaí aumentaram, como em outras partes do mundo, secando ainda mais a vegetação.

Num artigo publicado em 2019, pesquisadores da Universidade do Havaí escreveram que 2016 foi mais quente do que a média de cem anos em 0,92°C, e as temperaturas subiram 0,19°C por década no Observatório Mauna Loa.

A paisagem do Havaí está mudando de outras maneiras, além de ficar mais seca. À medida que os incêndios florestais se tornam mais comuns, parte da vegetação nativa, mal adaptada ao fogo, foi destruída. Em outros lugares, incluindo a área ao redor de Lahaina, antigas fazendas de cana-de-açúcar pararam de operar por volta dos anos 1990 e, com isso, a terra deixou de ser irrigada.

No lugar dessas lavouras e da vegetação nativa, espalharam-se gramíneas secas e invasoras. Essas gramíneas são mais capazes de brotar novamente após um incêndio, mas também são rápidas para inflamar. Isso contribuiu para que os incêndios se espalhassem mais rapidamente.

“A paisagem está coberta de material inflamável”, disse Ryan Longman, pesquisador do East-West Center, uma instituição educacional. “Todas as condições simplesmente se juntaram.”

O ressecamento da paisagem do Havaí faz parte de uma tendência que afeta as florestas tropicais em todo o mundo.

As florestas tropicais são altamente sensíveis a mudanças na precipitação. Temperaturas mais altas, secas e mudanças nos padrões de chuva estressam as árvores. Seus troncos secam e suas folhas caem. A perda das copas das árvores permite que os raios solares atinjam o solo, fazendo com que ele seque rapidamente.

Ao longo de décadas, a seca, o calor, o fogo e o desmatamento podem paraçar uma floresta tropical a se transformar em pastagens secas ou savanas.

Partes da floresta amazônica, a maior do mundo, estão se aproximando rapidamente dessa transição, um ponto sem volta quando o ecossistema úmido mudaria para sempre.

Florestas degradadas e mudanças nos padrões climáticos se combinam para criar condições perfeitas para que pequenos incêndios, muitas vezes iniciados pela atividade humana, se transformem em chamas enormes e incontroláveis. Nas florestas tropicais, a perda de árvores por causa do fogo cresceu em média 5% a cada ano nos últimos 20 anos, conforme pesquisas recentes.

Essas ameaças subjacentes foram amplificadas no Havaí esta semana por uma causa diferente: o furacão Dora, que passou ao sul do Havaí como uma tempestade de categoria 4 na terça (8). Embora a tempestade estivesse a centenas de quilômetros da costa de Maui, ela contribuiu para ventos de mais de 96 km/h, ajudando o fogo a se espalhar numa velocidade terrível.

Além disso, a Justiça do Havai, nos EUA, recebeu uma ação coletiva que acusa a maior distribuidora de eletricidade do arquipélago, a Hawaiian Electric, de ter causado os incêndios.

“A destruição poderia ter sido evitada se os réus tivessem ouvido os avisos do Serviço Nacional de Meteorologia [norte-americano] e desligado a energia das suas linhas elétricas durante o evento de vento forte que era esperado” vários dias antes do início dos incêndios, afirma o processo.

A prática de desligar as linhas de energia por motivos de segurança pública é comum em partes do oeste dos Estados Unidos durante condições de alto risco de incêndio, já que estas linhas foram a causa de vários incêndios, especialmente na Califórnia.

É difícil atribuir diretamente um furacão à mudança climática. Mas, ao aumentar as temperaturas do ar e do oceano, as condições de aquecimento aumentam a probabilidade de que grandes tempestades ganhem paraça.

“Os fortes ventos secos provocaram esse incêndio”, disse Josh Stanbro, que atuou como diretor de resiliência em Honolulu. “Isso faz parte de uma tendência de longo prazo que está diretamente relacionada às mudanças climáticas e a seus impactos nas ilhas.”

Dois dos três incêndios de Maui ainda estão ativos, segundo o último balanço feito no domingo pelo condado, que até agora apenas conseguiu verificar a identidade de duas das 96 vítimas confirmadas.

A polícia local sublinhou que o processo será moroso, uma vez que é necessária uma verificação genética ou dentária.

As entidades oficiais preveem que, à medida que as buscas prosseguem nas zonas devastadas, mais vítimas vão ser encontradas.

O governador do Havai, Josh Green, estimou as perdas materiais, com cerca de 2.200 estruturas destruídas e perdas “aproximando-se de US$ 6 bilhões”.

Estes incêndios são os mais mortíferos nos EUA em mais de 100 anos.

Fontes: Folha SP, The New York Times, The Guardian, CNN, BBC News, O Observador

Foto: Justin Sullivan/Getty Images via AFP.