Enclave peruano em território brasileiro, construído sobre palafitas, o pequeno povoado de Islândia parece uma Veneza nas profundezas da floresta amazônica. Os membros de uma peculiar mistura religiosa entre o protestantismo adventista e as tradições incas aguardam o fim dos tempos em sua remota “Terra Prometida”.
A comparação com a famosa cidade dos canais pode parecer um pouco audaciosa, mas Islândia, com quase 3.000 habitantes, é de fato “uma cidade sobre a água, sem carros ou motos”, orgulha-se Linda Pimentel Santa Cruz, a secretária municipal.
“É pequena, é bonita, as pessoas gostam de nos visitar. Pouco a pouco, estamos nos desenvolvendo para melhorar”, acrescenta, sorridente.
Na umidade sufocante equatorial, onde os rios Javari (ou Yavarí, em espanhol) e o majestoso Amazonas se encontram, Islândia é um povoado lacustre sobre estacas que se eleva um metro acima da água turva.
Ao longo dos canais, circulam os devotos da congregação Missão Israelita do Novo Pacto Universal: homens de túnicas coloridas e mulheres com véu sobre a cabeça. São camponeses de origem andina que chegam a esta parte da Amazônia desde os anos 1990, convencidos de que este é o melhor refúgio para sobreviver ao fim do mundo.
Esses “israelitas”, como são conhecidos os seguidores, trabalham na terra e produzem muitos dos vegetais consumidos na região. Hoje, ocupam muitos assentamentos nas margens do Javari e desta parte do Amazonas, desempenhando um papel fundamental na economia local e nas rotas comerciais.
Como consequência do progresso e da proibição do uso de madeira, o concreto gradualmente se tornou parte da paisagem. Grandes passarelas de concreto, com parapeitos vermelhos e brancos de aço, cortam a cidade.
Um imponente edifício de concreto ainda em construção, como a proa de um porta-aviões, domina o cais do pequeno porto onde atracam lanchas motorizadas e barcos de pesca. Sob o sol mais ameno do fim da tarde, dezenas de adolescentes mergulham.
“Esta é a piscina dos meninos”, brinca Santa Cruz.
Pesca, comércio e tráfico
Islândia completará 82 anos em junho. A estação seca começa no segundo semestre do ano, quando o rio baixa durante o período seco. Enquanto isso, plásticos e outros lixos flutuam sob as moradias de tábuas, tijolos e latão.
Há uma loja de produtos chineses, um único restaurante para turistas, um mercado de peixes e barracas abertas ao vento, onde se pode ver mães ocupadas na cozinha ou o dono relaxando em sua rede.
“As pessoas vivem da pesca, do comércio, um pouco de tudo (…) E também há funcionários públicos”, explica a secretária da Prefeitura. Ela gostaria que Islândia se tornasse “uma atração turística” e garante que “há segurança”, embora admita que “alguns jovens se envolvam com coisas erradas”.
Islândia está situada no coração da tríplice fronteira da Amazônia, um cruzamento fluvial entre Brasil, Peru e Colômbia.
Em uma área de selvas remotas, uma frente pioneira conquista a natureza densa e se envolve em inúmeros tipos de tráfico: são abundantes os narcotraficantes, garimpeiros de ouro, caçadores furtivos, pescadores e madeireiros ilegais.
Islândia marca a entrada para o misterioso Vale do Javari, o segundo maior território de povos originários do Brasil e lar das últimas comunidades indígenas em isolamento voluntário.
Embora vigiada permanentemente por um grande barco verde-caqui do exército peruano, essa cidade perdida é “um ninho de traficantes de todo tipo”, explica um visitante frequente que pede anonimato.
Fonte: Itatiaia.
Foto: Reprodução/Correio da Amazônia.