Mais da metade das espécies de aves do mundo está em declínio populacional

O mundo enfrenta duas crises: a climática e a de perda de biodiversidade. Esse cenário foi ressaltado com os dados da atualização da Lista Vermelha (Red List) de Espécies Ameaçadas, produzida pela União Internacional pela Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês). A nova avaliação revela que 61% das espécies de aves do mundo sofrem com o declínio populacional. Ou seja, suas populações estão cada vez menores e mais vulneráveis. As principais causas por trás desse encolhimento são a perda e degradação de habitat, movidas principalmente pela expansão agrícola e a exploração de madeira. A lista destaca ainda o impacto cada vez maior das mudanças climáticas sobre animais, plantas e fungos.

A atualização da lista foi feita na sexta-feira (10) durante o Congresso Mundial de Conservação da IUCN, realizado em Abu Dhabi, Emirados Árabes Unidos, entre os dias 9 e 15 de outubro. O evento marcou o 60º aniversário da Lista Vermelha Internacional, que há décadas monitora o estado de conservação das espécies.

Ao todo, foram avaliadas 172.620 espécies da fauna, flora e fungos – mais de 3.300 delas pela primeira vez. E 48.646 delas, quase 30%, estão sob algum grau de ameaça: Vulnerável, Em Perigo ou Criticamente Em Perigo, este último o nível mais severo de risco de extinção. Há ainda as espécies Extintas na Natureza, aquelas que sobrevivem apenas sob cuidados humanos, em zoológicos, criadouros ou jardins botânicos.

Outras dez espécies foram avaliadas como Extintas. Ou seja, perdidas para sempre. Entre elas uma ave migratória costeira, o maçarico-de-bico-fino (Numenius tenuirostris), registrado pela última vez no Marrocos em 1995.

O trabalho avaliou – pela 8ª vez desde 1998 – todas as espécies de aves conhecidas no mundo, num esforço de nove anos que envolveu milhares de especialistas, liderado junto ao BirdLife International. Das 11.185 espécies de aves, 1.256 (11,5%) estão sob algum grau de ameaça no planeta.

O que mais chamou atenção entre os especialistas, entretanto, foi identificar um aumento preocupante nas espécies com populações em declínio. Na última avaliação das aves, feita em 2016, esse número era de 44%. Menos de uma década depois, saltou para 61%.

Ou seja, que mesmo espécies que ainda não são classificadas como ameaçadas, estão cada vez mais vulneráveis.

“O fato de que três em cada cinco espécies de aves do mundo apresentarem populações em declínio mostra o quão profunda se tornou a crise da biodiversidade e quão urgente é que os governos tomem as medidas com as quais se comprometeram em várias convenções e acordos”, afirma Ian Burfield, coordenador Científico Global da BirdLife e coordenador da Lista Vermelha de Aves.

O alerta dos cientistas destacou a perda acelerada de florestas tropicais em Madagascar, no oeste da África e na América Central.

No Brasil, das mais de 1.816 espécies, 138 estão ameaçadas e outras duas – o mutum-do-nordeste e a ararinha-azul aparecem como Extintas na Natureza.

Também no Brasil, assim como no resto do mundo, a perda e degradação de habitat são as principais causas que assombram a avifauna.

“As aves são excelentes indicadores da qualidade do ambiente e respondem de forma muito rápida à degradação ambiental. Um declínio populacional das aves pode ser reflexo de uma perda geral da saúde dos ecossistemas no mundo. Em grande parte pelo desmatamento, mas também por espécies invasoras, caça e pelas próprias mudanças climáticas”, contextualiza Alice Reisfeld, diretora de Conservação da SAVE Brasil, organização parceira da BirdLife International no país.

E a Lista Vermelha ajuda a orientar a priorização dos esforços de conservação, acrescenta Alice, e até na captação de recursos.

A diretora explica que enquanto algumas espécies de aves são mais generalistas, como as que vemos mais facilmente em cidades, por exemplo, e conseguem se adaptar melhor às mudanças, outras tantas são mais sensíveis e exigentes com relação à qualidade do ambiente em que vivem. Estas são as primeiras vítimas de alterações no habitat, seja pela mão direta do homem ou pelos efeitos indiretos do clima, como o aumento da temperatura.

“Não existem soluções climáticas sem biodiversidade”, resume a diretora da SAVE Brasil.

A Mata Atlântica, bioma historicamente mais desmatado do país, ilustra essa relação, e abriga a maior quantidade de espécies criticamente ameaçadas de aves. Como é o caso do bicudinho-do-brejo-paulista (Formicivora paludicola), lembra Alice, que ocorre apenas em seis municípios do estado de São Paulo, cinco deles dentro da Região Metropolitana da capital.

“Um dos principais motivos para ele ser criticamente ameaçado é a perda de habitat, porque é um animal que vive em brejos, que historicamente foram convertidos em área para agricultura e mais recentemente em loteamento e urbanização. Mas esse não é um problema só na Mata Atlântica, as aves enfrentam a perda de habitat em todos os biomas do país”, reforça.

No Pampa, onde o desmatamento avança em uma velocidade acelerada nos últimos anos, espécies como o pássaro veste-amarela (Xanthopsar flavus) também têm perdido espaço. A espécie é classificada como Em Perigo pela Lista Vermelha da IUCN pela conversão dos campos nativos para cultivos e pastagens com gramíneas exóticas invasoras.

“No Cerrado temos o icônico caso da rolinha-do-planalto [Columbina cyanopis], que chegou a ser considerada extinta. E um dos motivos que acreditamos que levou a espécie a esse ponto, onde ela ocorre em um único lugar, foi a perda de habitat, porque as coletas históricas da rolinha são todas de lugares em que não existem mais áreas naturais, como o centro de Cuiabá [Mato Grosso] ou áreas represadas”, explica a diretora.

Redescoberta em 2015, após quase 75 anos sem registros, a rolinha-do-planalto está restrita em uma única localidade, no município de Botumirim, Minas Gerais, com uma população estimada em menos de 15 indivíduos. Uma iniciativa de conservação, liderada pela própria SAVE Brasil, investe na reprodução da rolinha sob cuidados humanos. Em agosto, nasceram os primeiros filhotes, que renovam a esperança sobre o futuro da espécie.

Fonte: ((O))eco.

Foto: Eduardo Chiarani/SALVE.

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