O aumento de dez dias com temperaturas acima de 25ºC no ano letivo pode levar as crianças brasileiras a perderem rendimento escolar em matemática e português. A projeção, obtida com exclusividade pela Folha, foi feita por economistas do Banco Mundial, considerando a nota média dos estudantes na Prova Brasil, principal avaliação da educação básica do país.
Os economistas calcularam como o aumento de dias com temperaturas extremas afeta a média das notas dos estudantes de 5º e 9º, considerando os padrões de resultados nas edições da prova de 2011 a 2019. Eles identificaram que, quando há o registro de até 37 dias (o que representa quase 20% do ano letivo) com termômetros acima de 25ºC, o desvio padrão da nota é reduzido a quase dois pontos percentuais.
“Temos pouca literatura e pesquisa hoje no mundo sobre o impacto do aumento de temperatura na educação. Nossos cálculos conseguiram identificar um desvio negativo e significativo no desempenho dos alunos brasileiros com a maior incidência de dias de alta temperatura”, diz Joana Silva, economista sênior do Banco Mundial e uma das responsáveis pelo estudo.
Apesar de as ondas de calor atingirem a todos, são as crianças mais pobres quem devem ser mais prejudicadas por contarem com menos recursos para aliviar as repercussões das temperaturas intensas. Sem medidas para mitigar esse efeito das mudanças climáticas, o resultado será um aprofundamento ainda maior das desigualdades educacionais no país.
Para os economistas do Banco Mundial, a principal alternativa para reduzir os efeitos do calor na educação é a melhoria na climatização das escolas, como a instalação de ar-condicionado.
As projeções de queda no desempenho escolar feitas pelo Banco Mundial, no entanto, consideram apenas um dos eventos extremos provocados pela crise climática. Outros desastres tendem a prejudicar ainda mais a trajetória escolar das crianças, tendo mais uma vez os mais pobres como os mais afetados.
João Arthur de Lemos tinha quatro anos quando perdeu a casa em que morava com os pais e o irmão mais velho, em um deslizamento que atingiu Petrópolis, no Rio de Janeiro, em fevereiro do ano passado. Com mais de 4.000 desabrigados na cidade, a escola onde o menino estudava virou um dos abrigos para as vítimas e ele ficou quase um mês sem aula.
“Ele ficou muito impactado com aquele dia, porque a gente teve que deixar a casa no meio do temporal de madrugada para escapar do deslizamento. Foi um pesadelo para todos nós, mas ele ficou muito mexido e, desde então, passou a não querer mais ir para a escola”, conta Sabrina Gonçalves, 34, mãe do menino.
Agora, aos seis anos, João Arthur tem aceitado ir para a escola, exceto nos dias de chuvas. “Ele tem muito medo de chuva, é só ver o céu preto ou escutar um trovão que começa a chorar ou se esconde no quarto. Então, quando chove, eu prefiro que ele fique perto de mim, para se sentir mais seguro.”
Com o trauma do dia do deslizamento e os dias perdidos de aula, João Arthur não tem acompanhado o desempenho do restante dos colegas e está com dificuldade para aprender a ler e escrever. “Parece que cada dia mais, a gente vê novas consequências desse desastre nas nossas vidas. Me preocupa muito ver que ele não acompanha a turma e temo que isso o prejudique mais para frente”, conta a mãe.
Nós já estamos vivenciando desastres climáticos em sequência, e o país não tem sequer um mapeamento das vulnerabilidades das escolas
A interrupção de aulas por choques climáticos também agrava o desempenho escolar dos estudantes. Segundo dados do último Censo Escolar, feito pelo Inep, 13% das escolas públicas do país tiveram que suspender atividades letivas em 2021 por inundações, desmoronamentos e outros eventos extremos.
Foi o que ocorreu em Manaus no início de outubro deste ano. Por causa da seca extrema, a prefeitura teve que antecipar em dez dias o término do ano letivo das escolas ribeirinhas localizadas no rio Negro.
Historicamente, o calendário letivo dessas unidades escolares é diferente do restante por considerar a cheia e a vazante dos rios. Neste ano, com a seca histórica, os alunos e professores passaram a não conseguir chegar às escolas antes do período esperado para a queda de vazão do rio.
“Nós já estamos vivenciando desastres climáticos em sequência, e o país não tem sequer um mapeamento das vulnerabilidades das escolas. Sem saber quais escolas estão mais vulneráveis a ondas de calor, quais estão em áreas de risco para deslizamento, inundações e seca, como adotar medidas para mitigar as perdas aos estudantes?”, diz JP Amaral, gerente de meio ambiente e clima do Instituto Alana.
O Brasil conta com apenas um levantamento sobre escolas em áreas de risco. Publicado em 2018 por pesquisadores do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais), o estudo identificou 2.443 escolas em áreas de risco hidrológico ou geológico — o que significa mais de 3 milhões de pessoas frequentando equipamentos escolares sob risco.
Além de antigo, o estudo só conseguiu monitorar escolas de 957 municípios brasileiros. Para a pesquisadora Rachel Trajber, uma das responsáveis pelo levantamento, o número de unidades em área de risco tende a ser muito maior. Segundo ela, o centro conseguiu neste ano financiamento para atualizar e aperfeiçoar o monitoramento.
O PNA (Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima), instituído em 2016 para orientar iniciativas para a gestão e diminuição do risco climático, não faz nenhuma menção de ações para mitigar os prejuízos a crianças, adolescentes ou até mesmo aos espaços escolares.
Em nota, o MMA (Ministério do Meio Ambiente) disse que, em janeiro, o presidente Luiz Inácio Lula (PT) determinou a retomada da governança climática no país. Segundo a pasta, grupos de trabalho foram formados para aperfeiçoar o PNA, já com a previsão da inclusão de pontos a serem trabalhados na área da educação.
O MEC (Ministério da Educação) afirmou que este é um tema “cujo regramento ocorre em nível subnacional”, ou seja, está a cargo dos estados e municípios. A pasta acrescentou que os entes federados podem cadastrar as demandas para aquisição de ventiladores e aparelhos de ar condicionado para as escolas por meio do PAR (Plano de Ações Articuladas) — a iniciativa atende a todo tipo de demanda, como a compra de materiais didáticos e todo tipo de material para a infraestrutura das escolas.
Em nota, a Secretaria Municipal de Educação do Rio declarou que tem priorizado a ampliação da climatização nas escolas, que já alcança 90% das 1.550 unidades do município. Segundo a pasta, o objetivo é que toda a rede conte com salas com ar condicionado, mas afirmou que algumas escolas precisam de obras de grande porte para a reestruturação completa da rede elétrica para suportar a instalação dos aparelhos.
Fonte: Folha SP.
Foto: Eduardo Anizelli/Folhapress.