Mata Atlântica tem 65% das espécies de árvores com ameaça de extinção

Na Mata Atlântica, o bicho da extinção é mais feio do que o descrito até agora em livros e trabalhos científicos. Do total de 4.950 espécies de árvores encontradas no bioma – algumas também existem no Cerrado ou na Amazônia, por exemplo – 65% estão ameaçadas de extinção. Quando se foca somente nas 2.025 espécies endêmicas (exclusivas), o percentual sobe para 82%, revelou o mais completo levantamento das espécies nativas do bioma que deu berço e identidade ao Brasil. O estudo foi publicado hoje na revista Science, uma das mais importantes do mundo.

Entre as espécies em risco de se tornarem apenas retratos do passado estão algumas das mais conhecidas, como pau-brasil, araucária, jequitibá-rosa, jacarandá-da-Bahia, palmito-juçara, angico, imbuia, peroba, canela-sassafrás, cabreúva, braúna e o abacateiro selvagem.

A Mata Atlântica é o bioma mais devastado do Brasil e não causa surpresa que muitas de suas espécies estejam ameaçadas, mas a dimensão da destruição chocou os cientistas. Extinção não tem volta, é patrimônio natural perdido para sempre. Não se restaura aquilo que já não existe em parte alguma.

Levamos um susto. Não esperávamos que tantas espécies estivessem fragilizadas ao ponto de serem classificadas nas categorias mais extremas de risco de desaparecer — afirma o coordenador do estudo, Renato Lima, professor do Departamento de Ciências Biológicas do campus Piracicaba (ESALQ) da Universidade de São Paulo (USP).

O cenário foi classificado como muito grave porque foram consideradas apenas ameaças já ocorridas, causadas pelo desmatamento. O impacto das mudanças climáticas, que ameaçam a sobrevivência de muitas espécies de plantas e animais, não foi considerado na análise.

Antes desse trabalho, sequer havia dados bem estabelecidos sobre o estado de conservação das árvores da Floresta Atlântica.

E 13 espécies endêmicas estão possivelmente extintas, pois não são encontradas há pelo menos 50 anos. Meio século de desaparecimento é muito numa mata estraçalhada, onde é quase impossível se esconder.

O estudo traz uma boa notícia. Cinco espécies consideradas extintas foram redescobertas. Três delas são exclusivas do estado do Rio de Janeiro. As outras duas ocorrem no Rio e em estados do Nordeste. O Rio tem rica flora endêmica e também é um dos estados mais estudados do Brasil, o que facilitou a redescoberta.

Esse tipo de estudo não é uma mera lista, mas um instrumento para orientar medidas de conservação.

Além da USP, o trabalho reuniu cientistas do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro responsável pela elaboração da Lista Vermelha Oficial da Flora do Brasil; da PUC-RJ; da Universidade Regional de Blumenau, do Naturalis Biodiversity Center (Holanda) e da Universidade de e Montpellier (França).

No total, foram investigados mais de 3 milhões de registros em herbários e inventários florestais. Os pesquisadores também se pautaram por dados sobre biologia, ecologia e uso de espécies. Para a análise foi considerada uma abordagem mais ampla dos critérios da União Internacional de Proteção da Natureza (IUCN).

Os pesquisadores estudaram dados relativos a três gerações de uma árvore. Um período que varia – porque a floresta resiste e ainda guarda extraordinária diversidade – de três décadas a um século e meio, a depender da espécie.

No artigo da Science, advertem que “o estado de conservação das florestas tropicais é pior do que o previamente reportado”.

Uma floresta é bem mais do que árvores, mas elas constituem a base de sua estrutura e sua mais reconhecível face. Desmatada e superexplorada, a mata em cujo domínio vivem 70% dos brasileiros, está desfigurada.

As áreas mais críticas para a extinção são as do interior, nos estados de Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina e Goiás (onde há alguns remanescentes do bioma).

Dia a dia, a beleza das grandes árvores dá lugar a cicatrizes na floresta. Gigantes viram um punhado de folhas secas em herbários.

A ameaça à existência de numerosas espécies era esperada dada a devastação da Mata Atlântica. Somados todos os retalhos de floresta, inclusive os quase quintais com mais de 1 hectare (um campo de futebol), restam 24% do bioma. Porém, considerados apenas os fragmentos com mais de 3 hectares (matinhas do tamanho de três campos de futebol), os remanescentes somam 12,4%.

Segundo o MapBiomas, a floresta está partida em 2,8 milhões de fragmentos, e mais da metade (53,3%) medem até 10 hectares.

Floresta contínua, aquela que remotamente lembra a encontrada pelos conquistadores europeus, não passa de 7%, que é o percentual de fragmentos com mais de 100 hectares.

São nos fragmentos isolados que definham gigantes. Grandes árvores, como jequitibás e jacarandás, muitas vezes perderam seus polinizadores, não têm quem disperse suas sementes.

São fantasmas das antigas florestas, gigantes centenários sem descendência, que levarão consigo todo o patrimônio de sua espécie e o papel que ela exercia na manutenção do bioma — lamenta Lima.

Ele explica que o estudo distinguiu espécies que são naturalmente raras e podem não estar tão ameaçadas de outras que até parecem numerosas em alguns pontos, mas não tem mais para onde se dispersar, perderam habitat.

No campus da Esalq temos centenas de paus-brasis, todos plantados. Mas na natureza, a espécie está fragmentada — acrescenta o cientista.

O fundamental é que a espécie exista no bioma, onde tem um papel ecológico, com uma série de interações. Caso também do abacateiro, muito cultivado, mas praticamente inexistente na mata.

Nosso desafio é imenso. Temos um número muito grande de espécies que podem desaparecer para sempre, com impacto imensurável para o bioma e a nossa própria existência — destaca Lima.

Redescoberta

As cinco espécies redescobertas. Elas são muito raras, há décadas não eram coletadas e foram encontradas em pontos isolados.

Campomanesia lundiana, uma árvore que só existe no Rio de Janeiro, sem nome popular. Nem a cor do fruto é conhecida.

Chrysophyllum januariense, bapeba-veludo, arvoredo nativo das matas litorâneas do RJ, ES e BA.

Myrcia neocambessedeana, outra espécie fluminense, sem nome popular.

Pouteria stenophylla, a pouteria-do-Rio-de-Janeiro, mais uma endêmica do estado, dada como desaparecida e agora reencontrada.

Pradosia glaziovii, com ocorrência no Nordeste e no Rio de Janeiro.

Fonte: O Globo.

Foto: Márcia Foletto/Agência O Globo.