Naomi Oreskes renomada historiadora da ciência e professora de Harvard ,publicou com Erik M. Conway, em 2010, um livro que feriu de morte a ideia de uma controvérsia científica legítima em torno do aquecimento global e da influência humana nele: “Merchants of Doubt” (Mercadores de Dúvida). Quatro anos depois a obra virou um documentário de cinema que confirmou a historiadora como celebridade acadêmica.
O subtítulo do livro não deixava margem para dúvida, porém: “Como um punhado de cientistas obscureceu a verdade sobre questões que vão da fumaça de tabaco ao aquecimento global”. Hoje o volume figura com destaque em um campo relativamente novo de estudos, a agnotologia, que se define como a investigação de sistemas de produção e manutenção estruturais da ignorância.
Quando ela escreveu “Merchants of Doubt”, não existiam redes sociais, e os céticos do clima eram pesquisadores de renome que ao menos tentavam argumentar com evidências científicas, por frágeis e distorcidas que fossem. Mesmo refutados, seus argumentos falaciosos sobrevivem na internet como zumbis digitais, reconhece a historiadora, que vê as dificuldades crescerem no combate à desinformação.
Ela entende que a comunidade científica não foi bem na comunicação pública sobre a pandemia de Covid-19, por não antecipar a resistência às vacinas que sobreviria, para ela óbvia. “Não aprenderam nada.”
Em novo livro com Conway, “The Big Myth” (o grande mito), a historiadora se volta contra outra vaca sagrada do capitalismo, uma versão deturpada de Adam Smith que endeusa a desregulamentação e que os autores chamam de fundamentalismo de mercado. Ronald Reagan convenceu os norte-americanos de que isso traria o paraíso, mas hoje eles estão mais infelizes e doentes, em meio à desigualdade galopante, afirma.
Não há dúvida de que a mídia social mudou o cenário para pior. Existem muitos outros canais diferentes de desinformação. A desinformação se espalha muito mais rapidamente, e também é mais difícil agora identificar as fontes.
Quando Eric Conway e eu escrevemos o livro, escrevemos em parte porque encontramos essas pessoas, esses cientistas influentes, que estavam espalhando desinformação sobre a mudança climática. Desde o início da investigação sabíamos quem era o inimigo, por assim dizer, e a pergunta que queríamos responder era: por quê?
Agora sinto que a questão está invertida: sabemos por que eles estão fazendo isso, mas nem sempre sabemos quem está fazendo, porque há muitas fontes de desinformação. Se você vir uma alegação enganosa nas redes sociais que foi republicada, republicada e republicada, não é fácil descobrir de onde ela se originou.
Há acadêmicos trabalhando nisso agora, incluindo meu pós-doutorando Geoffrey Supran. Mas isso requer a contratação de equipes de cientistas da computação e especialistas em inteligência artificial. Há pessoas fazendo esse trabalho, mas não eu.
Naquela época, céticos proeminentes como Fred Singer eram cientistas respeitáveis, e eles estavam pelo menos tentando permanecer no campo da ciência. Podem ter sido evidências falsas, mas eles estavam tentando trazer evidências para a mesa e convencer as pessoas de que a mudança climática não era coisa real. O tempo para esse tipo de negação ainda não acabou.
Uma das coisas que vemos é que — um dos meus parceiros chamou isso de negação zumbi — esses argumentos falsos, essas estratégias retóricas enganosas continuam surgindo em novas formas, novos lugares, novas vozes. Elas nunca desaparecem completamente.
Ainda há pessoas nas mídias sociais e em outros lugares tentando alegar que não sabemos realmente qual é a causa da mudança climática ou que ainda há incerteza.
Há muito mais do que eu chamaria de ataques genéricos à ciência. Uma maneira pela qual a negação das mudanças climáticas funciona agora é se desdobrando em uma desconfiança mais generalizada da ciência, relacionada à Covid e às vacinas. Durante a pandemia vimos muito disso, muitas das mesmas pessoas que eram céticas em relação à ciência climática estavam ativas durante a pandemia, lançando dúvidas sobre a eficácia das máscaras e a segurança da vacinação.
É preciso confiar na ciência, porque funciona. Temos mais de 300 anos de experiência vendo que é muito útil para nos ajudar a entender o mundo e usar esse entendimento para fazer coisas que nos tornam mais felizes, saudáveis e prósperos.
Fonte: Folha SP.
Foto: Jennifer Hayes..