No Brasil, 2,3 milhões de toneladas de plástico têm alto risco de chegar ao mar

A bióloga marinha Diva Amon, de Trinidad e Tobago, embarcou em uma expedição de 20 dias para o arquipélago de São Paulo e São Pedro. A missão, a bordo do navio Alucia e com dois submarinos, consistia em explorar o mar profundo dos ilhéus brasileiros, situados no meio do Oceano Atlântico, no estado de Pernambuco, e a quase 1 mil quilômetros da costa de Natal, capital do Rio Grande do Norte.

Os pesquisadores queriam estudar o que havia naquele canto do oceano onde o solo rochoso era exposto ao manto da Terra – uma característica reservada a poucos lugares no planeta. A expectativa inicial girava em torno de encontrar fontes hidrotermais, o que não ocorreu. Depararam com um ecossistema que se mantinha ao redor de belos corais. Mas essa não foi a descoberta mais impactante da bióloga marinha, que roda o mundo explorando esses ambientes mais remotos do oceano – locais que podem chegar a 6 mil metros de profundidade.

“Foi a maior quantidade de lixo que vi na minha vida inteira. Tinha lixo em todo lugar e de tudo, de livros a materiais de isolamento doméstico”, recorda Amon. “Onde fomos, não conseguimos explorar sem encontrar evidências de humanos pelo lixo. E eu não tinha ideia do porquê havia tanto, foi extremamente chocante.”

Para Amon, muitas pessoas olham para o plástico – que pode demorar cinco séculos para se decompor no oceano – e pensam que o problema está apenas no canudo que enrosca na narina da tartaruga, fragmentos encontrados no organismo dos peixes, ou um pedaço de material que sufoca um leão-marinho. “Na verdade, a maior parte do lixo plástico termina em lugares onde não conseguimos ver”, reflete a bióloga caribenha, eleita a Exploradora emergente de 2020 pela National Geographic. O mais assustador, continua Amon, é que o lixo visível no oceano se fragmenta em pequenas partículas. “Encontramos microplásticos em todo lugar em que vamos no mar profundo.”

As cenas da poluição marinha presenciadas por Amon em 2017, nas águas profundas do arquipélago brasileiro, revelam um problema crônico do país identificado em um trabalho recente.

No Brasil, 3,44 milhões de toneladas de plástico potencialmente chegam ao meio ambiente a cada ano – um terço da quantidade consumida no país. Desse total, 67% estão concentrados nas bacias hidrográficas com maior risco de entrada no oceano, com potencial “muito alto” de chegar ao mar pelas regiões de foz dos rios Amazonas (AP e PA), Tocantins (PA) e Paraíba do Sul (RJ), a Baía de Guanabara (RJ) e a Lagoa dos Patos (RS). Ou seja, pelo menos 2,3 milhões de toneladas de plástico podem alcançar o oceano pelo Brasil por ano.

Anualmente, um brasileiro descarta em média 16 quilos de lixo plástico com potencial de escape para o ambiente e, consequentemente, para o mar. A situação se agrava em pequenas cidades costeiras.

Os dados são fruto de um estudo do projeto Blue Keepers, do Pacto Global da ONU no Brasil, e foram divulgados no final de junho durante a Conferência dos Oceanos da ONU, em Lisboa, Portugal. Em agosto, um sumário-executivo será lançado com as informações completas da fase diagnóstica, que visa dar a dimensão territorial do problema.

Com esse diagnóstico, a segunda etapa do projeto consiste em ir a campo, para identificar os tipos de plásticos que mais param no mar e seus estados de decomposição. A princípio, alguns já se destacam, como hastes flexíveis, fragmentos de plástico e tampas de garrafa.

Ao mesmo tempo, os pesquisadores almejam realizar inicialmente acordos de cooperação técnica com 10 municípios mais críticos, tendo em vista o desenvolvimento de ações executivas em torno do plástico, visitas técnicas para entender a infraestrutura de esgotamento sanitário e a identificação de pontos de escape dos resíduos para o oceano.

“O lixo que está no mar não necessariamente vem da costa. Quando olhamos para dentro, percebemos que é algo muito maior do que um canudinho ou uma bituca de cigarro. São problemas enraizados de cobertura de coleta de lixo, saneamento básico, segurança e saúde”, reflete Gabriela Otero, coordenadora do Blue Keepers.

“Falamos de lixo no mar há dez anos e parece que só piora. Então, estamos criando ciência. Precisamos achar formas inteligentes, mais descentralizadas e com os poderes público e privado, além de recursos.”

A meta do Blue Keepers é reduzir em 30% o lixo plástico que entra no oceano pelo Brasil até 2030. Para isso, o projeto pretende estabelecer nesse período parcerias com as 100 principais cidades do país na questão do lixo plástico, a fim de desenvolver soluções preventivas por meio de parcerias público-privadas, além de estimular que as empresas responsáveis pela produção dos itens mais encontrados os redesenhem ou os sujeitem a sistemas circulares.

Fonte: National Geographic.

Foto: Fernando Frazão /Agência Brasil.