Cerca de três a cada quatro brasileiros – 73% da população – vivem nos municípios mais suscetíveis a passar por algum episódio de alagamento, inundação, enxurrada ou deslizamento de terra. Esses são os tipos de desastres relacionados a eventos extremos de chuvas, como as que atingiram o Rio Grande do Sul nesse mês e causaram a maior tragédia ambiental da história do Brasil em termos de infraestrutura e áreas afetadas.
Esses municípios, 1.942 no total, representam um terço (34,9%) das cidades brasileiras. Os dados são de um levantamento do governo federal, publicado em outubro de 2023, ao qual a Agência Pública teve acesso.
O estudo foi produzido sob a coordenação da Casa Civil da Presidência da República para orientar, entre outras ações, a escolha das cidades a receberem recursos do Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), uma das bandeiras do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O programa tem o critério “prevenção de riscos”, no qual é prevista a construção de contenção de encostas, sistema de macrodrenagem, barragens de regularização de vazões e controle de cheias, entre outros.
Essa não é a primeira vez que o governo federal desenvolve uma lista do tipo. Uma primeira versão foi feita em 2012, durante o primeiro mandato de Dilma Rousseff (PT), no âmbito da segunda edição do PAC. Na ocasião, foram identificados 821 municípios críticos a serem priorizados. Do primeiro levantamento para o segundo, mais que dobrou a quantidade de cidades mais suscetíveis a casos de alagamento, inundação, enxurrada ou deslizamento de terra.
Por que isso importa?
Além do Rio Grande do Sul, que enfrenta tragédia sem precedentes em decorrência das chuvas, outras regiões do país apresentam histórico preocupante de alagamentos, inundações, enxurradas e deslizamentos de terra
O estudo mais recente detectou 142 municípios vulneráveis no Rio Grande do Sul. O número coloca o estado como o quarto com mais municípios listados, atrás de Minas Gerais (283), Santa Catarina (207) e São Paulo (172).
Em termos de população afetada, o Rio Grande do Sul ocupa a 12ª posição entre 27 estados, com 4,1% de seus habitantes vivendo em áreas de risco para desastres.
O percentual é calculado com base na quantidade de pessoas morando nesses locais em cada cidade, mas o dado está disponível para apenas 825 das 1.942 listadas. À medida que a estimativa para feita para novos municípios, as proporções estaduais podem ser alteradas.
Regina Alvalá, diretora do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), órgão vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação que ajudou a elaborar o levantamento, explicou à Pública que a metodologia foi construída com base na combinação de séries históricas de diferentes indicadores – como registros de desastres e óbitos e desalojamentos relacionados a desastres – referentes ao período de 1991 a 2022. Por isso, precisa ser constantemente atualizada, já que as mudanças do clima aumentam de modo progressivo a frequência e intensidade de eventos extremos, como as chuvas que assolaram o estado gaúcho.
Após a tragédia sem precedentes ainda em curso, é provável que aumentem os números de pessoas vivendo em municípios de risco no estado.
“O Rio Grande do Sul não era tão afetado [por desastres associados a eventos extremos] quanto passou a ser, os números do estado não eram tão ruins quanto os de outros”, destaca. “Havia histórico de desastres, mas não tão alarmantes quanto o de agora. E, nesta década, os eventos extremos estão realmente mais frequentes e intensos, por isso, acabam causando mais desastres.”
Quando os governos não se preparam para enfrentar os efeitos desses eventos – ao adaptar a sua infraestrutura, por exemplo –, a vulnerabilidade de seus territórios vai sendo ampliada. De acordo com Alvalá, esse pode ser considerado o caso do Rio Grande do Sul: nota técnica do próprio Cemaden demonstra que, de 2016 a 2024, pelo menos cinco estudos indicaram o estado como região crítica para inundações e enxurradas quando considerados cenários futuros de aquecimento do planeta.
Diante da velocidade na transformação dos padrões climáticos imposta pelas mudanças climáticas, é necessário um monitoramento ininterrupto das áreas mais expostas aos desastres, diz. O estado e suas cidades mais afetadas pela tragédia serão detidamente estudados a partir de agora e podem ser incluídos numa atualização da lista, de acordo com a pesquisadora.
Ministério quer criar “UTI climática” para municípios vulneráveis
Com base na lista dos 1.942 municípios mais suscetíveis a alagamentos, inundações, enxurradas e deslizamentos de terra, o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima está preparando um plano de prevenção e enfrentamento dos eventos climáticos extremos.
A estratégia começou a ser gestada pela pasta em fevereiro de 2023, quando chuvas destruíram o município de São Sebastião, no litoral norte paulista, e deixaram um rastro de 64 mortes. De acordo com a ministra Marina Silva, desde então o plano está sendo construído em conjunto com outros ministérios. Sua promessa é, em breve, levar uma proposta à análise do presidente Lula.
A ideia, conforme Marina Silva, é viabilizar uma ação contínua de prevenção de desastres nas cidades mais vulneráveis, uma espécie de “UTI climática”, como tem dito em entrevistas. Isso deve envolver um conjunto de medidas, como liberação de recursos específicos com esse fim para os municípios, assistência técnica e novos marcos regulatórios que permitam, por exemplo, a liberação mais ágil de verbas sem prejudicar a fiscalização.
O plano deve funcionar como um acelerador para o desenvolvimento de planos de adaptação dos municípios às mudanças climáticas, relatou Regina Alvalá, que tem participado das discussões. A pauta é constantemente escanteada por outros problemas considerados mais urgentes diante das limitações de orçamento.
Fonte: Agência Pública.
Foto: Miguel Noronha/Enquadrar/Estadão Conteúdo.