A energia solar baseada no espaço pode parecer uma ideia selvagem e futurista, mas não é nova. Já em 1941, foi descrita em um conto pelo escritor de ficção científica Isaac Asimov. Nas décadas seguintes, países como EUA, China e Japão exploraram a ideia, mas por anos ela foi descartada. “A economia simplesmente não fechava”, disse Martin Soltau, CEO da empresa britânica Space Solar.
Isso pode estar mudando agora, à medida que o custo de lançar satélites cai acentuadamente, a tecnologia solar e robótica avança rapidamente e a necessidade de abundante energia limpa para substituir os combustíveis fósseis que aquecem o planeta se torna mais urgente.
Há uma “convergência de diferentes tecnologias agora, justamente quando precisamos”, disse Craig Underwood, professor emérito de engenharia de espaçonaves na Universidade de Surrey, no Reino Unido.
Os maiores inimigos dos painéis solares, todo mundo sabe, são as nuvens, que uma hora ou outra acabam se metendo no caminho. Para resolver esse e outro problema – o fato de que uma hora o sol se põe –, a Agência Espacial Europeia propôs uma solução que lembra ficção científica: instalar placas fotovoltaicas acima das nuvens, mais exatamente no espaço.
Ali Hajimiri, professor de engenharia elétrica do Caltech, passou uma década pesquisando como colocar painéis solares no espaço e transmitir a energia de volta à Terra. No entanto, quando o professor de engenharia elétrica do Caltech fala sobre seu trabalho, as pessoas sempre têm três perguntas, geralmente nesta ordem: Por que não simplesmente colocar painéis solares na Terra? Você vai fritar pássaros no céu? Você está construindo uma Estrela da Morte?
Originalmente cético em relação à energia solar espacial, o interesse de Hajimiri foi despertado quando começou a examinar mais de perto a ideia. “Em média, você obtém cerca de oito vezes mais energia no espaço” em comparação com a energia solar na Terra, disse ele à CNN. O feixe também não matará animais. E quanto à Estrela da Morte? O feixe não será poderoso o suficiente para ser usado como arma, acrescentou.
No ano passado, Agência Espacial Europeia, anunciou um programa batizado de Solaris, cujo objetivo é determinar se é economicamente viável, além de tecnologicamente possível, colocar estruturas solares em órbita – e utilizá-las para captar a energia solar e enviá-la para a Terra. Em tese, a iniciativa poderia ajudar a suprir a demanda aqui embaixo já na próxima década. E representar de 10% a 15% do consumo energético da União Europeia, contribuindo com a meta do bloco de atingir a neutralidade de carbono até 2050.
No topo da atmosfera, como é de imaginar, a luz solar é bem mais intensa – dez vezes mais do que na superfície da Terra. E lá no alto – estamos falando de uma altitude de mais de 35 mil quilômetros – daria para capturar os raios solares continuamente graças à mobilidade das estruturas idealizadas, similares às dos satélites. Daí bastaria direcionar a energia capturada para a nossa rede elétrica.
Como fazer isso? A ideia em discussão é transmiti-la na forma de radiação de micro-ondas para estações receptoras que precisariam ser construídas no solo terrestre. Estas converteriam a energia novamente em eletricidade e alimentariam nossas tomadas. Para dar certo, porém, seria preciso investir valores estratosféricos, que ainda estão sendo calculados. Isso porque tanto as estações receptoras quanto as que estão previstas para entrar em órbita são enormes.
O equipamento lá de cima precisaria ter cerca de 1,7 quilômetro de comprimento. Para efeito de comparação, o edifício mais alto do mundo, o Burj Khalifa, em Dubai, tem 828 metros de altura. Já a Estação Espacial Internacional tem 109 metros de comprimento. “Seria a maior estrutura colocada em órbita pela humanidade”, declarou Sanjay Vijendran, que chefia o programa Solaris, para a revista Wired UK.
Ele está incumbido de comprovar a viabilidade do projeto para a União Europeia até 2025. Caso o bloco dê aval para o programa avançar, a equipe de Vijendran estaria liberada para demonstrar em órbita o funcionamento da tecnologia proposta – o lançamento é estimado para meados de 2030. O passo seguinte? Montar no espaço, na mesma década, uma pequena usina solar, que, dando tudo certo, seria significativamente ampliada nos anos seguintes.
“A ideia da energia solar baseada no espaço não é mais ficção científica”, Vijendran afirmou à rede BBC. “O potencial existe, mas agora precisamos realmente entender os caminhos tecnológicos possíveis antes que uma decisão relacionada à construção de algo no espaço possa ser tomada.”
Um único satélite de energia solar na escala planejada geraria cerca de 2 gigawatts, o equivalente a uma central nuclear convencional, capaz de abastecer mais de 1 milhão de residências. São necessários mais de 6 milhões de painéis solares na superfície da Terra para gerar essa mesma quantidade.
Diretor-executivo da Agência Espacial Europeia, Josef Aschbacher defende que a coleta de energia solar no espaço poderá ser estratégica no futuro. “Precisamos de economias neutras em carbono e reduzir o uso dos combustíveis fósseis para produzir energia”, disse ele, também à BBC. “Se der para fazer isso no espaço – digo ‘se’ porque ainda não chegamos lá –, será absolutamente fantástico, porque resolveria muitos problemas.”
A China também demonstrou interesse em capturar energia solar mais perto da fonte. A gigante de energia solar Longi Green Energy, localizada em Xian, apresentou um projeto para estudar o uso de seus equipamentos em ambientes hostis, avaliando adequá-los para programas espaciais. Nos Estados Unidos, a ideia já foi discutida pela Nasa nos anos 1970, e descartada em razão dos custos e dos desafios tecnológicos.
Já o departamento de engenharia elétrica do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech) está debruçado sobre o tema com entusiasmo – o advento dos foguetes reutilizáveis e da produção de satélites mais econômicos, além da queda nos custos de lançamentos, explicam o otimismo.
A pesquisa do Caltech começou a ganhar fôlego em 2017, quando o instituto demonstrou a viabilidade da transmissão sem fio de energia solar. Em janeiro, o departamento lançou um protótipo para o espaço, acoplado a um foguete da SpaceX. O equipamento inclui diferentes tipos de painéis solares, que estão sendo testados a mais de 482 quilômetros de altitude.
O objetivo é descobrir qual opção funcionaria melhor em uma estação espacial. O sistema de automontagem e os testes solares ainda não produziram resultados. Já o componente de transferência funcionou, transmitindo com sucesso um raio de energia para a Terra. “Agora sabemos que ele sobrevive à viagem”, disse Ali Hajimiri, diretor do projeto. O problema é que apenas uma pequena fração da energia planejada chegou. Painéis solares, por enquanto, só aqui embaixo mesmo.
Fontes: Um Só Planeta, Época Negócios, CNN.
Imagem: Divulgação/Space Solar.