O enorme custo ambiental e econômico das espécies invasoras

As espécies invasoras que destroem plantações devastam florestas, disseminam doenças e alteram os ecossistemas estão aumentando cada vez mais rápido em todo o mundo, e a humanidade não tem conseguido contê-las, alertou nesta segunda-feira (4) um órgão científico internacional.

Áreas de pesca sufocadas por jacintos-de-água. Ovos de aves nativas devorados por ratos. Tubulações de usinas elétricas entupidas por mexilhões-zebra. Fios de eletricidade derrubados por cobras marrons.

Esses são alguns exemplos dos problemas causados por espécies invasoras, cuja disseminação em todo o mundo tem custo econômico anual de pelo menos 423 bilhões de dólares (R$ 2 trilhões), cifra que quadruplicou a cada década desde 1970, informaram pesquisadores. Cifra essa equivalente ao PIB da Dinamarca ou da Tailândia, um número provavelmente subestimado, indica a Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES, na sigla em inglês), apoiada pela ONU.

Uma equipe de 86 especialistas de 49 países analisou durante quatro anos os impactos globais de cerca de 3.500 espécies invasoras prejudiciais. O relatório estima que essas espécies desempenham um papel central em 60% das extinções registradas de plantas e animais.

Apesar de algumas espécies terem sido introduzidas em outros ambientes de propósito, com o objetivo de produzirem efeitos benéficos para os humanos, o relatório conclui que muitas têm impactos negativos expressivos para a natureza e para os próprios humanos.

“Esse é um problema que ficará muito, muito pior”, disse a ecologista Helen Roy, copresidente da Plataforma Intergovernamental de Políticas Científicas sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos da ONU (IPBES).

O que são espécies invasoras

Espécies invasoras são plantas ou animais, geralmente deslocados pela atividade humana, que se instalam em um ambiente e provocam efeitos negativos, como a morte da vida selvagem nativa, danos à infraestrutura e ameaças à saúde e aos meios de subsistência humanos, em especial para comunidades tradicionais e povos indígenas.

Os impactos geralmente demoram a se materializar, mas podem ser catastróficos. Os incêndios florestais devastadores no Havaí em agosto foram potencializados por gramíneas invasoras inflamáveis trazidas da África como pasto para o gado.

Existem 37 mil espécies exóticas no mundo, das quais pouco menos de 10% podem ser consideradas invasoras e daninhas devido aos efeitos negativos ou mesmo irremediáveis nos ecossistemas e na qualidade de vida na Terra, segundo o relatório.

Seja por acidente ou propositalmente, quando espécies não nativas acabam no outro lado do mundo a responsabilidade é sempre dos humanos, destacam os cientistas.

A propagação mostra que a rápida expansão da atividade humana alterou radicalmente os sistemas naturais e conduziu a Terra a uma nova época geológica, o Antropoceno, dizem também os especialistas.

Na África, a aguapé, que chegou a cobrir 90% do lago Vitória, paralisando o transporte e sufocando a vida aquática, foi introduzida pelas autoridades coloniais belgas em Ruanda como uma flor ornamental. Na década de 1980, alcançou o rio Kagera.

Outro caso é o de Everglades, na Flórida (Estados Unidos), repleto de descendentes de antigos animais de estimação e plantas domésticas, desde pítons birmanesas de cinco metros até samambaias trepadeiras do Velho Continente.

Colonos ingleses levaram coelhos para a Nova Zelândia no século 19 para caçar e comer. Quando os animais começaram a se multiplicar, importaram arminhos, um pequeno carnívoro, para reduzir o seu número. Porém, os arminhos decidiram atacar aves endêmicas, como o kiwi ou o tarambola caolho (“ngutuparore”, em maori), que foram rapidamente dizimadas.

No entanto, em muitos casos, a chegada de espécies invasoras é um acidente, como no mar Mediterrâneo, cheio de peixes e plantas não nativas, como peixes-leão e algas apelidadas de “assassinas”, vindas do mar Vermelho através do canal de Suez.

Em grande parte devido aos grandes volumes de comércio, a Europa e a América do Norte têm as maiores concentrações mundiais de espécies invasoras, definidas como aquelas que não são nativas, causam danos e aparecem devido à atividade humana, indica o relatório do IPBES.

No Brasil, há preocupação crescente com o peixe-leão, originário do Indo-Pacífico e que vem se alastrando pela costa brasileira, colocando em risco 29 espécies de peixes nativos brasileiros.

Espécies invasoras de mosquitos também podem disseminar doenças como dengue, malária e zika. Em agosto, as autoridades de saúde de Paris fumigaram áreas da capital francesa pela primeira vez para tentar conter a proliferação do Aedes albopictus, o mosquito-tigre-asiático.

“As espécies invasoras estão afetando não apenas a natureza, mas também as pessoas e causando grande perda de vidas”, disse o copresidente do relatório, Anibal Pauchard, do Instituto de Ecologia e Biodiversidade do Chile.

Erradicação é difícil, mas possível

Cerca de três quartos dos impactos negativos causados por espécies invasoras ocorrem em terra, especialmente em florestas, bosques e áreas cultivadas.

Embora os invasores possam se apresentar de várias formas, incluindo micróbios, invertebrados e plantas, os animais geralmente causam o maior impacto ambiental, especialmente os predadores, disse Roy.

É difícil se livrar de espécies invasoras depois que elas se estabelecem. Algumas ilhas da Polinésia Francesa tiveram sucesso na erradicação de ratos e coelhos invasores com armadilhas e envenenamentos. Mas populações maiores que se reproduzem rapidamente podem ser complexas de lidar. E plantas invasoras geralmente deixam suas sementes dormentes no solo por anos.

Segundo os cientistas, as medidas de prevenção por meio de biossegurança nas fronteiras e controles de importação são as mais eficazes. Um exemplo de sucesso é a redução da ocorrência do percevejo-fedorento na Oceania. “Uma das mensagens mais importantes do relatório é que é possível obter progressos ambiciosos ao lidar com espécies invasoras”, disse o professor Peter Stoett, do Canadá.

Em dezembro passado, governos de diversos países do mundo comprometeram-se a reduzir a introdução e o estabelecimento de espécies invasoras prioritárias em pelo menos 50% até 2030, ao assinarem o Marco Global para a Diversidade.

Segundo o relatório apresentado nesta segunda-feira, o desenvolvimento econômico, o crescimento populacional e a mudança climática “aumentarão a frequência e a extensão das invasões biológicas e os impactos das espécies exóticas invasoras”, afirma o documento. 80% dos países têm metas relacionadas ao gerenciamento de espécies invasoras, mas apenas 17% têm leis ou normas específicas para lidar com o tema. Além disso, 45% dos países não destinam recursos para o gerenciamento de espécies invasoras.

Fontes: DW, Folha SP, Euronews.

Foto: Marcus Bosch/Shotshop/picture alliance.