O planeta chegou a 8 bilhões de habitantes neste ano, calcula a Organização das Nações Unidas (ONU). Reflexo do avanço da medicina e da ciência nas últimas décadas, esse marco também aumenta os desafios no combate às mudanças climáticas. O crescimento populacional, mais veloz em países pobres, eleva a demanda global por alimentos, energia e a pressão sobre recursos naturais, como florestas e cursos d’água.
“É uma ocasião para celebrarmos a diversidade e os avanços, enquanto consideramos a responsabilidade compartilhada da humanidade com o planeta”, disse António Guterres, secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU).
Representante do fundo de população da ONU (UNFPA) no Brasil, a antropóloga e socióloga Astrid Bant explica ao Estadão que esse aumento populacional é consequência do avanço em tecnologia e acesso à saúde e deve ser celebrado. “O mundo, de alguma maneira está cuidando melhor da sua população. Isso dá esperança também para o meio ambiente”, afirma.
“Problemas graves de meio ambiente são complexos e podemos tê-los ou não. A concepção da UNFPA e da ONU é a de nos assegurarmos que esses 8 bilhões tenham boa qualidade de vida”, aponta. “Uma tendência demográfica não é só boa ou má, tudo depende dos nossos esforços.”
Colaboração
Todos concordam que uma cooperação internacional firme e efetiva é a única saída, mas as ações para chegar até lá ainda estão aquém do esperado. “Ainda é uma cooperação muito frágil”, avalia o climatologista Carlos Nobre, uma das maiores referências no mundo em aquecimento global. “Realmente, para vencermos os maiores desafios da humanidade e chegarmos à meta do Acordo de Paris estamos indo em uma direção de forma lenta e é importante a colaboração dos países.”
Em 2015, o Acordo de Paris estabeleceu como meta cortar as emissões de gases poluentes e impedir que a temperatura média do planeta aumentasse mais de 2ºC – e, idealmente, ficasse em até 1 5ºC. Mas cientistas já avisaram que será difícil cumprir o prometido.
Para ele, o tamanho da população nem é o maior problema. “A questão principal não é ter 8 bilhões, mas o nível de desigualdade social e econômica e de consumo dos recursos naturais pelas pessoas mais ricas do planeta. O problema é muito mais de desigualdade do que do número absoluto de pessoas”, diz.
Consumo e alimentação
É unanimidade que o meio ambiente não consegue sustentar as demandas da humanidade, se ela continuar crescendo exponencialmente e se comportando da mesma forma, sem medidas enérgicas para frear as mudanças climáticas. A previsão da ONU é de que a população mundial ultrapasse a casa dos 10 bilhões nos próximos 50 anos, aumento que será impulsionado principalmente por países de baixa ou média renda na Ásia e na África.
Na prática, esse crescimento populacional significa mais demanda de recursos, energia, alimento, território, mais poluição no ar, na água e uma série de problemas que afetam desde a biodiversidade da Amazônia à qualidade do ar na Índia. “É uma preocupação grande, porque 2 bilhões de habitantes a mais significa um aumento ainda maior do consumo”, destaca Nobre.
“O risco desse crescimento populacional é muito grande”, continua ele. “A não ser que haja uma mudança radical no consumo que pode ser muito mais sustentável. Você pode migrar rapidamente para energias renováveis, por exemplo, e consumir muito menos. Não podemos caminhar para uma sociedade consumista, como tem sido a tendência global há mais de 100 anos”, alerta o pesquisador.
Segundo a ONU, uma das formas de garantir que o crescimento populacional aconteça de forma sustentável é mudar como nos alimentamos. “Os sistemas de alimentação precisam incorporar práticas mais sustentáveis, enquanto garantem acesso a comida segura, suficiente, acessível e nutritiva, além do aproveitamento de uma dieta diversificada, balanceada e saudável para todos”, diz a organização em um relatório oficial sobre a marca dos 8 bilhões.
Rafael Rioja Arantes Sustentável do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) observa que além de os cidadãos mudarem hábitos de vestuário, alimentação e transporte, é preciso, principalmente, ter mudanças legislativas e estruturais que incentivem produções e consumos sustentáveis. “Precisamos direcionar políticas públicas e leis para um conjunto de incentivos fiscais que propiciem a produção de alimentos saudáveis, como frutas, hortaliças e outros substitutos para a carne, e para energias mais limpas”, aponta.
“A estrutura das relações de produção e consumo precisa ser alterada de forma urgente, significativa e imediata. É o que todos os estudos apontam”, afirma ele.
Protagonismo brasileiro
“O Brasil tem grandes chances de se tornar um protagonista mundial na adoção de novas práticas, produtos e tecnologias sustentáveis. Não só na alimentação, mas também na produção de energia, biodiversidade e conhecimento”, aponta Carlos Nobre.
O primeiro passo para isso é zerar o desmatamento dos nossos biomas, que tem crescido nos últimos anos e isolado o Brasil nos debates ambientais internacionais. “Um grande protagonismo que o Brasil pode ter é também um enorme desafio: podemos nos tornar a primeira potência ambiental da sociobiodiversidade, baseada na proteção do ambiente, dos biomas, das florestas, das populações originárias e na nossa riqueza imensa. Temos a maior biodiversidade do planeta”, diz Nobre.
Se um caminho aponta para o combate ao desmatamento, o investimento em uma agricultura cada vez mais sustentável e a aceleração em energias renováveis como a eólica e a solar são outras oportunidades para o protagonismo.
Equilíbrio
São muitas as possibilidades de colapso do meio ambiente nas próximas décadas e, sim, o aumento populacional pode contribuir para isso, mesmo que a ONU ainda mantenha a projeção de que ele deve desacelerar no próximo século. Ainda assim, as chances de consertarmos esse problema antes que ele saia de controle também são amplas.
“No geral, acho que todo o mundo está em busca de encontrar o equilíbrio da população e do meio ambiente”, afirma Astrid. “Por meio da inventividade e da ciência, nós vamos encontrar soluções.”
Fonte: Estadão.
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