O gás carbônico (CO²) é amplamente conhecido como um dos principais causadores do efeito estufa, fenômeno natural acelerado pela ação humana que tem levado ao aumento da temperatura do planeta e, consequentemente, à emergência climática que o planeta vive.
O CO² é produzido por uma série de processos naturais, mas o grande aumento de sua concentração na atmosfera nos últimos 170 anos é resultado da ação humana, principalmente por meio da queima de combustíveis fósseis.
Mas ele não é o único gás por trás do efeito estufa. Menos falados e centenas de vezes mais nocivos, os poluentes climáticos de vida curta, ou “superpoluentes”, são gases que também provocam o aquecimento do planeta.
Eles são produzidos em menor escala do que o CO², mas seus efeitos no aquecimento global são muito mais intensos — e, embora tenham um tempo menor de permanência na atmosfera, também são produzidos de forma constante pela humanidade.
Os principais superpoluentes são o metano (CH4), o carbono negro (fuligem), o ozônio troposférico (O³) e os hidrofluorcarbonos (HFCs).
O metano é produzido principalmente pela queima de combustíveis fósseis, pela atividade agrícola e pecuária e por aterros de lixo.
Já o O³ é resultado de reações químicas na atmosfera com subprodutos da atividade industrial e de veículos.
Os HFCs são substitutos dos clorofluorcarbonetos (CFCs), que estavam contribuindo para a destruição da camada de ozônio, e usados em aparelhos de ar condicionado, na refrigeração, em retardadores de chamas, aerossois e solventes.
E o carbono negro é resultado da combustão incompleta de biomassa (por exemplo, queimadas florestais), de carvão ou diesel.
Uma análise do Instituto de Governança e Desenvolvimento Sustentável (IGSD), uma organização sem fins lucrativos de Washington, nos Estados Unidos, publicada em junho, mostra que o combate aos superpoluentes pode evitar um aumento de até 0,6ºC até 2050.
Sendo que estratégias focadas apenas no combate ao CO² podem evitar o aumento somente em 0,2ºC, de acordo com o estudo da IGSD — isso se a humanidade tiver sucesso em zerar a produção de gás carbônico até essa data.
Baseado em dados do Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), órgão das Nações Unidas, a análise científica do IGSD mostra também que o potencial de prevenção de aumento da temperatura é ainda maior na América Latina, onde a redução de temperatura pode ser de até 0,9ºC.
A temperatura média do planeta já aumentou 1,2ºC desde o período pré-industrial (1850), uma mudança muito grande em muito pouco tempo e considerada por especialistas como anormal em relação aos fenômenos naturais de mudança de temperatura.
Cientistas alertam que é preciso impedir que o aumento da temperatura média chegue a 1,5ºC até 2100 para evitar os piores cenários de emergência climática previstos.
De acordo com Durwood Zaelke, presidente do IGSD, o combate aos superpoluentes tem o potencial de ajudar muito na luta contra o aumento de temperatura no curto prazo, justamente pela curta meia-vida desses gases na atmosfera.
“Se pararmos de produzir esses gases, em poucas semanas, sua concentração na atmosfera vai cair muito. Enquanto isso, o combate ao CO² é uma ação de mais longo prazo, porque ele pode ficar entre cem e mil anos na atmosfera”, explica Zaelke à BBC News Brasil.
Isso não significa que podemos diminuir os esforços no combate à produção de CO², diz Zaelke, mas que é preciso pôr em prática também estratégias para diminuir os superpoluentes para evitar um aumento maior de temperatura no curto prazo.
“Se olharmos para os causadores do efeito estufa, o dióxido de carbono é a maior parte, 55%. Os outros, incluindo os superpoluentes, são 45%, segundo o IPCC”, afirma Zaelke.
“Quando você olha para a frente, o que é ainda mais importante, você vê que cortar os superpoluentes de curta duração pode diminuir o aquecimento muito mais rápido do que apenas combatendo o CO².”
Pesquisadores apontam que o combate aos superpoluentes pode ajudar a humanidade a ganhar tempo para fazer a transição energética.
Zaelke compara a situação com duas competições: uma corrida de cem metros e uma maratona.
“O combate ao CO² é a maratona, enquanto o combate aos superpoluentes é a corrida de cem metros. Temos que ganhar as duas”, diz ele.
“Mas estamos preocupados com o aquecimento atual, com o que podemos fazer no curto prazo. Hoje, já está muito quente. E estamos vendo com maior frequência inundações no Brasil matando pessoas, ondas de calor na Índia matando pessoas, incêndios no Canadá e na Califórnia”, afirma.
“Ainda é assim que os impactos climáticos ocorrem no mundo, em lugares diferentes, em momentos diferentes. Mas, muito em breve, esses fenômenos climáticos extremos vão acontecer com uma frequência ainda maior, em todos os lugares e ao mesmo tempo. Então, precisamos fazer algo no curto prazo.”
“Enquanto o CO² não é tóxico nas concentrações ambientais, poluentes como o ozônio troposférico e o carbono negro fazem mal à saúde humana e causam danos à flora e à fauna”, explica David Tsai, diretor do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), do Observatório do Clima. “Por isso também são considerados poluentes atmosféricos.”
Ambos causam danos ao sistema respiratório – o ozônio é especialmente danoso à saúde, podendo gerar danos crônicos.
“O ozônio é um superoxidante, ou seja, ele vai desgantando o sistema respiratório. Embora tenha uma vida muito curta, no pouco tempo em que fica na atmosfera ele já é capaz de afetar nossa saúde.”
A produção de metano e HFCs é monitorada no Brasil, explica Tsai, mas não se sabe com precisão qual o tamanho da poluição por carbono negro e ozônio troposférico.
“O ozônio é um subproduto, ou seja, ele é formado na atmosfera a partir de reações com outros poluentes. Então a forma de saber sua concentração é monitorando a qualidade do ar, mas o Brasil ainda tem muita fragilidade no sistema de gestão da qualidade do ar”, explica Tsai. “É algo que precisa com urgência ser melhor controlado, porque são poluentes críticos para a saúde.”
O pesquisador aponta que há poucas cidades no Brasil onde existe uma rede de monitoramento consistente.
Um estudo recente do IEMA (Instituto de Energia e Meio Ambiente) mostrou que o Brasil precisa de no mínimo mais 46 estações de monitoramento da qualidade do ar.
A situação é crítica principalmente em Brasília (DF), Goiânia (GO) e Manaus (AM), metrópoles com mais de dois milhões de habitantes que não têm nenhuma estação de monitoramento automático.
Segundo Tsai, nos poucos lugares onde a rede é boa e onde conseguimos medir a concentração desses superpoluentes, o resultado não é animador.
“Nos poucos lugares onde se consegue medir, a gente percebe que o ozônio e o carbono negro existem em altas concentrações, principalmente nas cidades”, afirma.
Brasil é grande emissor de metano
O metano, por sua vez, é mais fácil de ser medido – e sua produção é uma das principais preocupações entre os superpoluentes.
A produção de metano no mundo todo chegou a 364 milhões de toneladas em 2020 – o equivalente a 10 bilhões de toneladas de CO². Segundo o IPCC, metade do aumento de temperatura verificado hoje é devido ao metano.
E o Brasil é o quinto maior emissor de metano do mundo, segundo monitoramento do SEEG. O Brasil emite sozinho 5,5% do metano global – enquanto nossa contribuição geral pros gases do efeito estufa é menor, de 3,3%.
Segundo estimativa do SEEG, o Brasil emitiu 21,7 milhões de toneladas de metano em 2020, o que seria equivalente a 565 milhões de toneladas de CO².
A maior parte da emissão brasileira vem do setor de agropecuária, responsável por 71,5% da produção do gás – principalmente do gado, que produz metano em seu sistema digestivo.
Outra grande fonte é o lixo – a decomposição de resíduos também produz metano em alta quantidade.
O que pode ser feito?
Segundo Zaelke, do IGSD, as soluções para o combate aos superpoluentes são conhecidas e só é preciso vontade política para implementá-las.
Parte da resposta é a mesma que precisamos tomar contra o aumento do CO². Ao combater os combustíveis fósseis, que são a principal fonte do gás carbônico, já se diminuiria a produção de alguns desses superpoluentes. Mas não basta, diz Zaelke: é preciso criar políticas específicas contra os superpoluentes.
“É preciso parar imediatamente com o desmatamento e combater queimadas, além de dar um melhor encaminhamento para o lixo – aterros são uma das principais fontes de produção de metano”, afirma.
David Tsai, do SEEG, explica que seria possível reduzir em até 30% as emissões no setor agropecuário brasileiro em dez anos com estratégias de mitigação propostas por um estudo da entidade de 2022. Elas envolvem melhoramento da dieta animal, manejo de dejetos e melhoramento genéticos, entre outras medidas.
Outras soluções globais envolvem o corte na produção dos HFCs — o que poderia evitar sozinho um aumento de até 0,5° C e a implementação do uso de filtros para veículos a diesel, para combater a fuligem.
Zaelke lembra que temos exemplos de ações globais bem-sucedidas na proteção ao meio ambiente, como o Protocolo de Montreal, no qual os países concordaram em parar de produzir CFC’s.
“O Protocolo de Montreal foi bem-sucedido, porque é dividido em 240 setores — é um acordo setorial, com medidas específicas para cada setor. Além disso, ele começou de forma modesta e foi ampliando as metas”, explica.
No Brasil, a produção de HFCs é controlada justamente a partir de uma emenda ao Protocolo de Montreal, explica Tsai. “A previsão é a diminuição da produção e sua substituição.”
Outro ponto importante, diz Zaelke, é que os países têm responsabilidades diferentes — os mais desenvolvidos são mais responsáveis, porque produzem mais poluentes.
“Nem todos os países do mundo são iguais em termos de culpabilidade ou capacidade de resolver os problemas. Isso significa que os países desenvolvidos têm de desenvolver alternativas e, em seguida, têm de reduzir o preço para sua implementação”, afirma.
Fonte: BBC News.
Foto: Getty Images.