Pesquisadores realizaram uma expedição inédita em águas mais profundas das Maldivas, um país formado por mais de 1.190 ilhas de corais, divididas em 27 atóis, espalhadas por 90 mil km2 no Oceano Índico. Até então pouco se sabia sobre a vida marinha existente abaixo dos 30 metros, por isso os cientistas da Nekton Maldives Mission embarcaram em veículos submersíveis para descobrir o que se encontra bem mais abaixo da superfície.
Após vários mergulhos feitos durante todo o mês de setembro, o grupo de pesquisadores de mais de dez países mapeou uma área de quase 300 km², e identificou um ecossistema até então desconhecido. Batizado de “trapping zone“, ele está localizado na base dos atóis, numa profundidade a cerca de 500 metros, e é formado por camadas de rocha vulcânica e recifes fossilizados, onde existem falésias verticais e “terraços de prateleiras”.
O nome se deve ao fato de a região criar um oásis que aprisiona pequenos organismos conhecidos como micronektons. Esses seres são conhecidos por conseguirem andar contra a corrente e por realizarem a migração vertical, que consiste em migrar durante a noite do fundo do mar em direção à superfície e depois voltarem para as profundezas ao amanhecer.
A Missão Nekton Maldivas é o primeiro estudo a mapear sistematicamente as águas profundas das Maldivas, uma cadeia de 26 atóis de corais a sudoeste do Sri Lanka e da Índia. Essa empreitada contou com colaboração de diversas entidades, inclusive da Universidade de Oxford, no Reino Unido, e um sistema de câmeras a bordo do submersível Omega Seamaster II.
O novo ecossistema descoberto em torno da montanha do mar profundo ‘Satho Rahaa’, baseia-se no movimento do micronekton. À medida que o Sol nasce a cada dia, esses pequenos organismos começam a nadar para baixo da superfície. Perto da cordilheira afundada, cumes vulcânicos submersos e recifes fossilizados de carbonato formados há 60 milhões de anos impedem que o micronekton mergulhe abaixo dos cerca de 500 metros de profundidade.
Em um submarino de bolha de vidro, conhecido como Omega Seamaster II, os aquanautas da missão observavam como um ecossistema repleto de predadores e presas lutavam nas profundezas. Foi possível ver, não apenas o grande número de peixes, como também a grande diversidade, incluindo espécies raras de tubarões.
A cientista marinha Lucy Woodall, da Universidade de Oxford, ficou encantada com o que viu, principalmente com a potencialidade da descoberta. “Isso nos permitirá entender o oceano profundo em termos muito melhores”, disse a cientista. Provavelmente, não se trata de um caso isolado. Se tal ecossistema existe nas Maldivas, é provável que seja encontrado em outras ilhas oceânicas com estruturas subaquáticas semelhantes.
Entretanto, por conta dos estratos vulcânicos submarinos e dos recifes carbonáticos fossilizados que formam a base dos atóis das Maldivas, é normal que se formem penhascos verticais íngremes. Essas estruturas acabam por aprisionar esses pequenos seres na marca de 500 metros de profundidade.
“Estamos particularmente intrigados com essa profundidade – por que isso está ocorrendo? Isso é algo específico a 500 metros, essa vida é ainda mais profunda, o que é essa transição, o que está lá e por quê? Essa é a pergunta crítica que precisamos fazer a seguir”, comenta em nota Lucy Woodall.
Por conta do aprisionamento dos animais no local, as imagens captadas no vídeo mostram uma zona de predadores, como tubarões e outros peixes grandes, que se alimentam dos micronektons. As análises indicam que existem grandes predadores pelágicos, incluindo cardumes de atuns e outros peixes de águas profundas bem conhecidos. Entre eles estão: tubarões-tigre, tubarões-brancos e tubarões-tigre-de-areia.
Para ser considerado um novo ecossistema é necessário que se tenha topografia e vida oceânica nunca antes catalogada. “Isso tem todas as características de um novo ecossistema distinto”, explica Alex Rogers, professor da Universidade de Oxford, sobre o local.
Os cientistas conseguiram documentar, por exemplo, pela primeira vez, uma imensa diversidade de tubarões no fundo do mar. São tubarões-tigre, tubarões de guelra, tubarões-tigre-de-areia, peixes-cão, tubarões-gulper, tubarões-martelo-recortados, tubarões-seda e o raríssimo tubarão-bramble.
No total foram registradas 186 espécies de peixes e 200 outros organismos
“A descoberta da ‘Trapping Zone’ e do oásis de vida nas profundezas que cercam as Maldivas nos fornece novos conhecimentos críticos que apoiam ainda mais nossos compromissos de conservação e gestão sustentável dos oceanos, incluindo a pesca e o turismo”, ressalta Ibrahim Mohamed Solih, presidente das Maldivas, que acompanhou parte dos trabalhos da expedição.
De acordo com algumas estimativas, o movimento vertical de ida e volta dos peixes através da coluna d’água todos os dias é a maior migração em massa do planeta. Nesse sentido, o zooplâncton e micronekton parecem ser os líderes do bando.
Cabe destacar que a maior parte daquilo que sabemos sobre essas criaturas, no entanto, remonta às décadas de 1960 e 1970. Só recentemente eles começaram a receber mais atenção dos cientistas. O micronekton pode facilmente escapar de redes de pesca, o que limita a caça comercial desse animal. Porém, muitas espécies, como os atuns, dependem do micronekton como fonte de alimento.
Conhecer mais a respeito da zona de aprisionamento, recentemente encontrada nas Maldivas, poderia permitir que os cientistas explorassem esses organismos negligenciados de uma maneira totalmente nova, possivelmente permitindo melhores práticas de conservação dos oceanos.
Acredita-se que as descobertas podem ter implicações importantes para outras ilhas oceânicas e as encostas dos continentes, assim como ajudar na elaboração de políticas públicas para a gestão sustentável da pesca, armazenamento de carbono e, em última análise, mitigação das mudanças climáticas.
Alguns relatórios climáticos recentes já levantaram um sinal de alerta. Alguns micronektons em algumas partes do mundo, como krill na Antártida, não estão lidando bem com a crise do aquecimento global e, se eles desaparecerem, outros peixes, mamíferos e aves provavelmente o seguirão.
Para o presidente das Maldivas, Ibrahim Mohamed Solih, o achado é fascinante. “A descoberta de ‘The Trapping Zone’ e o oásis de vida nas profundezas que cercam as Maldivas nos fornece novos conhecimentos críticos que apoiam ainda mais nossos compromissos de conservação e gestão sustentável dos oceanos, e quase certamente apoiarão a pesca e o turismo”, declarou.
Fonte: Revista Galileu, Um Só Planeta, Mar Sem Fim, Conexão Planeta, Olhar Digital.
Foto: Missão Nekton Maldivas.