‘Pacote da Destruição’ avança no Congresso enquanto RS é “devorado pelas águas”

Com alarde, os congressistas aprovaram, em 9 de maio, mudanças no Orçamento e na Lei de Diretrizes Orçamentárias para facilitar a liberação de recursos para ajudar o Estado gaúcho. Mas os estragos que mobilizam milhões de brasileiros numa corrente de solidariedade não sensibilizaram, em particular, a bancada ruralista e conservadora.

Em resposta à maior tragédia ambiental do sul do país, esses parlamentares fizeram avançar o chamado Pacote da Destruição. Na surdina, 8 de 25 projetos antiambientais tramitaram no Congresso Nacional nos dias em que o Brasil, atônito, via o Rio Grande do Sul ser devorado pelas águas.

Em 21 de abril, a MetSul Metereologia emitiu os primeiros alertas de chuva intensa no Rio Grande do Sul. A previsão indicava acumulados de até 200 milímetros entre o fim de abril e o começo de maio. Dois dias antes, os deputados federais da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) aprovaram o PL 10.273/2018, de autoria do deputado Jerônimo Goergen (PP/RS). Esse projeto de lei, na prática, exclui o imposto de atividades poluidoras, como é o caso da mineração.

A Taxa de Controle e Fiscalização do Ibama (TCFA) existe desde 2000 e foi criada para destinar recursos para as equipes do Ibama que vão a campo. É, assim, uma pedra no sapato dos congressistas contrários às questões ambientais.

A estimativa é que o Ibama perderá, pelo menos, 25% do seu orçamento caso o PL 10.273 seja aprovado. No ano passado, o governo arrecadou 700 milhões de reais com a TCFA. O deputado Nilton Tatto (PT/SP) e outros parlamentares apresentaram recurso, cujo prazo vencia em 8 de maio. Cabe ao plenário da Câmara dos Deputados decidir se vai examinar a matéria.

Em 22 de abril, o PL 3087/2022 avançou para a Comissão de Meio Ambiente no Senado Federal. O projeto de lei reduz o Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque, unidade de conservação localizada nos Estados do Amapá e Pará, onde vivem povos indígenas.

O desmembramento previsto no projeto, que teve relatoria de um senador do União Brasil, o paraense Sergio Moro (ad hoc, em substituição ao colega Plínio Valério, do PSDB do Amazonas), vai facilitar a vida dos garimpeiros ilegais, que já pressionam o território protegido.

No fim de março, o PL 364/2019, que elimina a proteção dos campos nativos da Mata Atlântica, foi aprovado na CCJC. Relatado pelo deputado Lucas Redecker (PSDB/RS), o PL teve seu prazo de recurso vencido no dia 23 de abril, já em meio à inundação do Rio do Grande do Sul.

A deputada Erika Hilton (PSOL/SP) apresentou recurso, que também depende da boa vontade da Mesa Diretora liderada pelo agropecuarista Arthur Lira (PP/AL). Caso avance no Congresso, esse texto deixa desprotegida toda vegetação “não florestal”, que poderá ser ocupada por atividades como agricultura, pastagem e mineração.

Esses são apenas alguns dos projetos anti-ambientais mais polêmicos que tramitaram nos últimos dias. “Todos os dias, em semanas de trabalho no Congresso, as comissões têm apresentado pautas com retrocesso [ambiental], seja na Câmara, seja no Senado”, comenta Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima.

Em particular, o PL 364/2019 tramitava há anos e tratava apenas da Mata Atlântica, mas o texto aprovado sequer menciona o bioma. Ou seja, tira a proteção de todas as vegetações não caracterizadas como florestas, mesmo se não tiver ocorrido desmatamento.

“Se provar que os seus bois passearam lá, mesmo que você não tenha desmatado, vai passar a ser caracterizado como área rural consolidada. Em termos de ataque à vegetação nativa nos diferentes biomas, é um crime histórico”, destaca Suely.

A especialista alerta que, se o PL para aprovado, uma parte relevante do Pantanal passaria a ser qualificada como área rural consolidada, portanto sujeita a menos proteção por parte da legislação. Caso aprovado, o PL 364 pode comprometer mais de 50 milhões de hectares de vegetação em todo o país.

Caos climático

Enquanto o Brasil assiste ao caos climático, que vai da seca histórica de 2023 na Amazônia à cheia recorde que afeta agora 428 das 497 cidades do Rio Grande do Sul, o Congresso anti-ambiental e contra povos indígenas segue “passando a boiada”.

No ano passado, foram promulgadas as Leis 14.701 do marco temporal (originada do PL), que cria instabilidade jurídica sobre as demarcações de terras, e a 14.785, apelidada de PL do Veneno, que libera o uso dos agrotóxicos.

Neste ano, o Congresso continua avançando com o Pacote da Destruição. O Observatório do Clima levantou a existência de 25 projetos de leis e 3 propostas de emendas à Constituição atualmente em tramitação.

O PL 3.334/2023, que está no Senado e autoriza que imóveis rurais localizados em áreas de floresta na Amazônia Legal possam reduzir a cobertura mínima de vegetação de 80% para 50%, deveria ser votado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado nesta semana, mas acabou saindo da pauta por conta da licença médica do relator do projeto, o senador ruralista pelo Acre, Márcio Bittar (União Brasil). A previsão é que o PL retorne à pauta na próxima semana.

De acordo com Suely Araújo, o PL 3.334 faz parte de um conjunto de propostas que alteram o Código Florestal. “Sempre tem projeto alterando o Código Florestal. Ele reduz a reserva legal nos municípios que têm áreas protegidas. Isso é uma demanda frequente da bancada ruralista”, revela.

“Tapa na cara”

Para o geógrafo e ecólogo Carlos Durigan, todo o Pacote da Destruição traz elementos de extrema gravidade para a preservação ambiental. Porém, ele considera os PLs 3.334 e o 364 como os que devem gerar um grande impacto nos esforços de contenção do desmatamento. Isso porque reduzir reservas legais na Amazônia acenderá um sinal verde para o avanço do desmatamento.

Em ambos os casos, com a aprovação desses PLs, lembra Durigan, o Brasil estaria ignorando seus compromissos em acordos internacionais e atuando na contramão dos esforços globais para contenção de emissões de gases de efeito estufa.

O geógrafo e ecólogo classifica o Pacote da Destruição como um tapa na cara da sociedade brasileira. “Inacreditável que, diante de um cenário de grandes desafios relacionados à manutenção da qualidade de vida e ainda da proteção do nosso patrimônio natural nacional frente a tanta degradação, ainda tenhamos que enfrentar tantos atos institucionalizados pelo Congresso que certamente aumentam expressivamente problemas que já vivemos”, pontua.

De acordo com Henrique Pereira diretor do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) “Pautas que vêm sendo perseguidas pela bancada ruralista, principalmente, e buscam a maior flexibilização desses instrumentos. A atual geração de PLs anti-ambientalistas procura emplacar propostas menos radicais como a extinção desses instrumentos por completo, propondo como alternativa, sua ampla flexibilização”, descreve.

Congresso inimigo do clima

O secretário-executivo do Observatório do Clima, Márcio Astrini, relembra os últimos quatro anos da gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) como um período de destruição da agenda ambiental. “Não que essa agenda não fosse atacada antes, mas, no governo Bolsonaro, ela sofreu de forma planejada. Toda tentativa de enfraquecimento da legislação, como o das agências de fiscalização, de tudo aquilo que protege o meio ambiente no Brasil, foi feito de forma planejada”, afirma.

Astrini disse acreditar que, ao fim do governo Bolsonaro, as coisas caminhariam para um “eixo de normalidade”, o que não está acontecendo. “O que nós temos é um governo Bolsonaro que se foi, mas está sendo substituído pelo Congresso. É uma verdadeira máquina de destruição ambiental. Se a gente tivesse que nomear o principal inimigo do meio ambiente e da agenda de clima, sem dúvida seria o Congresso Nacional”, dispara.

“Parece que a função do Congresso hoje é destruir o meio ambiente. São assim, dezenas, infelizmente, essa é a contagem, dezenas de projetos de lei. E se você pegar nessa lista, se tem algum bom para o meio ambiente, algo que proteja mais, mesmo sendo um pedaço de mata, algum local, algum rio, você não encontra. A gente só encontra problema, a gente só encontra retrocessos”, lamenta.

Segundo Astrini, o Pacote da Destruição vai na contramão do mundo, e ele lembra que o país vai hospedar a Conferência do Clima. “Nós vamos ser o centro do mundo daqui um ano e alguns meses, em novembro de 2025. É aqui no Brasil que mais de 190 países vão se reunir para colocar seus acordos em cima da mesa, suas promessas, para debater a agenda de clima.

Vozes contrárias no Congresso

Deter os avanços das pautas antiambientais na Câmara e no Senado é uma tarefa hercúlea para 179 deputados e 14 senadores, a parcela que se opõe à bancada ruralista. No Congresso, quem coordena a Frente Parlamentar Ambientalista é o deputado Nilto Tatto (PT/SP), que ressalta a preocupação governamental com a agenda ambiental.

O parlamentar lembra o trabalho de restabelecimento de órgãos como o Ministério do Meio Ambiente, Ibama e ICMBio, Serviço Florestal, a criação dos ministérios do Desenvolvimento Agrário, e dos Povos Indígenas, do programa de Transformação Ecológica coordenado pelo Ministério da Fazenda, como parte das ações governamentais para levar a agenda ambiental para o centro das decisões políticas.

Para Tatto, o que há hoje no Congresso, em especial na Câmara dos Deputados, é uma tentativa de “enquadrar” o próprio Executivo para não tocar adiante esta agenda, “que é o compromisso do Brasil em especial no acordo do clima, de redução do desmatamento, uma vez que o desmatamento representa boa parte das emissões que o Brasil emite de gás de efeito estufa que provoca o aquecimento global, e aí a gente vem assistindo o avanço de determinadas propostas que representam o retrocesso do ponto de vista da legislação ambiental, das conquistas do ponto de vista da legislação ambiental e da própria Constituição, por isso que a gente viu a ser aprovado o marco temporal e o projeto dos agrotóxicos”, lembra.

“O povo brasileiro tem na memória o significado que foi o desmonte de todo o sistema nacional de meio ambiente no governo anterior, que provocou o aumento de desmatamento. Ficou muito ruim para a imagem do país”. E finaliza:

“Neste ano, o Brasil preside o G20 e no ano que vem vai organizar a Conferência do Clima em Belém. O Brasil precisa mostrar para o mundo todo que também vai fazer a sua lição de casa e por isso não tem sentido avançar e aprovar projetos de leis que vão contra esta agenda que é ruim para o Brasil e a agenda que eu digo para vocês novamente é inconstitucional, inclusive”.

Fonte: Conexão Planeta.

Foto: Vinícius Mendonça/Ibama.