Para 40%, governos, empresas e sociedade não fazem nada para lidar com mudanças do clima, mostra Datafolha

Quatro em cada dez brasileiros afirmam que o governo federal, as gestões estaduais, as prefeituras, a sociedade e as grandes empresas do país não estão fazendo nada para lidar com os impactos do aquecimento global. Quando as atitudes avaliadas são do Congresso Nacional, a taxa sobe e passa de metade da população.

Os dados são da mais recente pesquisa Datafolha, divulgada nesta terça-feira (2), que entrevistou 2.457 pessoas de 16 anos ou mais em 130 municípios pelo Brasil, entre os dias 17 e 22 de junho. A margem de erro é de dois pontos percentuais, com taxa de confiança de 95%.

Enquanto cerca de 40% dos participantes veem inação da parte de autoridades políticas, população e corporações, esse índice cai para 28% quando são analisadas as ONGs (organizações não governamentais). Elas registraram a avaliação mais positiva, com 13% dizendo que as entidades fazem mais do que deveriam para mitigar os efeitos da crise climática.

Em seguida vem o setor agrícola brasileiro, que 10% dos entrevistados avaliam que faz mais do que deveria nesse tema, ao passo que 32% dizem que não faz nada para lidar com os efeitos das mudanças do clima.

O índice dos que avaliaram que o Poder Executivo, em qualquer dos três níveis, faz mais do que deveria nessa questão não passou de 6%. Considerando a margem de erro, esses entes também estão praticamente empatados na avaliação de que estão aquém de suas obrigações (32% em média) e de que estão agindo de acordo com o esperado (17% em média).

O Legislativo nacional registra o pior desempenho. Apenas 3% dos entrevistados avaliam que senadores e deputados fazem mais do que o esperado sobre os impactos das mudanças climáticas, 30% dizem que agem menos do que deveriam e 8%, que suas atitudes estão a contento.

Apesar da avaliação ruim sobre o desempenho dos políticos no tema, seis em cada dez entrevistados afirmou que propostas relacionadas a mudanças climáticas são muito importantes na hora de decidir seu voto para prefeito, governador e presidente. Cerca de um quarto das pessoas qualificou esse tipo de abordagem como de baixa ou média significância.

A pesquisa Datafolha também mostrou que 97% dos brasileiros afirmam que percebem no dia a dia que o planeta está passando por mudanças climáticas, e que 77% dizem acreditar que elas são provocadas principalmente pelas atividades humanas.

Para avaliar a ocorrência de eventos climáticos extremos, perguntas feitas na última edição da pesquisa, realizada em 5 de dezembro de 2023, foram repetidas. Houve um aumento expressivo no número de pessoas que dizem acreditar que o bairro onde vive não tem qualquer adaptação para fenômenos de grandes proporções.

O maior índice de despreparo registrado foi para enchentes ou alagamentos e deslizamentos: 54% da população afirma que a sua vizinhança não está nada preparada para esse tipo de acontecimento; em dezembro, a taxa era de 43%. Agora, apenas 16% acham que seu bairro está bem preparado para alagamentos, uma queda de sete pontos percentuais na comparação com o levantamento anterior.

Desde a realização da última pesquisa Datafolha sobre clima, eventos de grandes proporções atingiram o país, como as inundações que devastaram o Rio Grande do Sul e a onda de calor que castigou o Sudeste, e o mundo, a exemplo dos alagamentos em Dubai, e da seca extrema no México.

A população se divide (48% concordam e 48% discordam) quando questionada se o governo brasileiro já está tomando providências para evitar desastres climáticos no futuro. 22% concordam totalmente com essa afirmação, e 26% concordam parcialmente, enquanto 18% discorda em parte e 30% discorda totalmente. Apenas 1% não concorda nem discorda, e 3% não soube opinar.

Já quando avaliam governos de países desenvolvidos, a maioria (66%) concorda que estas nações está agindo para prevenir desastres relacionados ao clima: 32% totalmente e 34% parcialmente. 13% dos entrevistados discordam de forma parcial e 17%, totalmente. 1% não concorda e nem discorda e 4% não opinou.

Fatalismo domina percepção sobre mudança climática

Embora 97% dos brasileiros percebam alteração no dia a dia, 58% acham impossível reverter a crise

À primeira vista, a pesquisa Datafolha sobre atitudes de brasileiros acerca da crise do clima traz boas notícias: 97% deles percebem no dia a dia a mudança climática. O dado quase não varia nos diferentes segmentos — gênero, escolaridade ou idade.

Não é de estranhar, sendo tão recente a tragédia das inundações no Rio Grande do Sul. Não bastasse, o noticiário sobre recordes de queimadas no Pantanal aguça a percepção pública para algo que a ciência há muito previa e hoje atesta sem margem para dúvida.

Talvez o fator mais determinante para essa opinião unânime decorra da repetição de eventos extremos, como secas incendiárias, ondas de calor mortíferas e tempestades avassaladoras. Em 2020 o fogo já devastara o Pantanal, e o Sul fora açoitado por sucessivas chuvas torrenciais no segundo semestre de 2023.

Com a reincidência e o porte desses desastres, muita gente passou a ter experiência direta com flagelos. Ao Datafolha, 65% relataram ter enfrentado calor extremo, assim como 33% apontaram chuva intensa ou tempestade e 29%, seca extrema. Só um quarto (23%) afirmou não ter vivido nenhum desses eventos.

Eram favas contadas que a maioria dos 2.457 brasileiros entrevistados pelo Datafolha, de 17 a 22 de junho, acusaria os golpes seguidos do aquecimento global, diante da avalanche de imagens dantescas a cada noite na TV. Poucos ainda negam a mudança climática, mas isso não significa que o negacionismo morreu.

Só 77% dos ouvidos atribuem as alterações aos gases do efeito estufa produzidos pela atividade humana, como a queima de combustíveis fósseis (derivados de petróleo, carvão e gás natural), o desmatamento e a agropecuária. Um contingente expressivo de 20% prefere enxergar causas naturais para a crise.

Menos gente ainda, 53%, diz acreditar que o fim da normalidade seja um risco imediato para a população da Terra. Outros 43% afirmam que o impacto afetará apenas as gerações futuras.

Quase um terço dos entrevistados (31%) avalia haver exagero de pesquisadores e ambientalistas quanto a impactos da mudança climática. Esse grupo de céticos alcança 43% entre pessoas que têm nível fundamental de escolaridade.

O dado da pesquisa que causa mais alarme aponta um excesso de fatalismo: 58% dos brasileiros opinam que a humanidade será incapaz de reverter a crise do clima. Meros 31% consideram possível manter o clima sob relativo controle, e 7% dizem que não faz diferença para a humanidade ou a natureza.

Esses bolsões remanescentes de ceticismo climático refletem o sucesso parcial da propaganda negacionista em sua tática de semear dúvidas múltiplas e variadas. Quando se torna impossível contradizer a existência do aquecimento global, dado o acúmulo de evidências e medições, lança-se suspeita sobre a contribuição humana para o fenômeno.

No mesmo diapasão, argumenta-se que a sociedade humana não tem meios para contra-arrestar fenômenos em escala planetária. Em paralelo, assegura-se que os impactos não serão tão graves assim, quem sabe até benéficos.

E pensar que há supostos cientistas dispostos a propagar tais fake news, em realidade pesquisadores argentários, aposentados ou desacreditados. Essa traição à ciência tem consequências, porém.

Embora tenha muito a perder com o desvario climático, a banda atrasada do agronegócio aplaude os mercadores de dúvidas e ajuda a eleger parlamentares, sobretudo no centrão, que tanto retrocesso impuseram à pauta ambiental no governo Bolsonaro (PL) e ainda dão suas mordidas sob a ambivalência de Lula (PT).

Fonte: Folha SP.

Foto: Daniel Marenco/Folhapress.

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