‘Porta do inferno’: a gigantesca cratera que continua crescendo e revela como a Terra era há 200 mil anos

Desde 2013, as misteriosas crateras que surgem nas penínsulas de Yamal e Gida, na Sibéria russa, vêm intrigando a comunidade científica e gerando preocupações crescentes.

Apelidadas de ‘a porta do inferno’, essas crateras, que continuam a se expandir, agora têm sua origem explorada por especialistas.

No último ano, apareceu uma nova cratera gigante no local, com dimensões impressionantes de 20 metros de diâmetro e 30 m de profundidade, intensificando ainda mais o mistério.

Um estudo conduzido por Igor Bogoyavlensky, da Academia de Ciências da Rússia, busca agora lançar luz sobre esse fenômeno intrigante, que já deu espaço para teorias que variam desde causas naturais até especulações envolvendo alienígenas.

Contrariando especulações anteriores, os pesquisadores utilizaram um drone para criar um modelo 3D da cratera mais recente.

Uma análise minuciosa confirmou uma hipótese levantada anteriormente: uma explosão ocorrida entre 15 de maio e 9 de junho de 2020 foi a responsável pela sua formação.

A causa, segundo os cientistas, está relacionada ao acúmulo de gás metano em uma cavidade de gelo.

O estudo também alerta para as implicações do aquecimento global, que está desencadeando o derretimento do solo na região siberiana.

Localizada na floresta boreal da Sibéria, essa enorme cratera cresce, em média, 10 metros por ano e serve de alerta contra o desmatamento e o aquecimento global

Esse buraco de 1 quilômetro de extensão e 85 metros de profundidade não para de crescer em uma remota região da Rússia e é chamado de “porta para o inferno” por pessoas que vivem na região, que preferem evitá-lo.

Mas cientistas asseguram que se trata de uma cratera única, um registro detalhado de 200 mil anos de história da Terra.

Batagaika, a gigantesca cratera, emerge de forma dramática na floresta boreal da Sibéria à medida que o permafrost – tipo de solo que está sempre congelado – derrete como efeito do aquecimento global.

A cratera tem crescido na média de 10 metros por ano. Mas em anos mais quentes, esse aumento chegou a 30 metros, conforme indicou estudo do Instituto Alfred Wegener em Potsdam, na Alemanha. A instituição vem monitorando o buraco há uma década.

Camadas expostas com o degelo do permafrost indicam como eram clima, fauna e flora há 200 mil anos

A cratera representa uma rara oportunidade de observar, ao mesmo tempo, o passado, o presente e o futuro.

As camadas de sedimento expostas revelam como era o clima na região há 200 mil anos. Resquícios de árvores, pólen e animais indicam que, no passado, a área foi uma densa floresta.

Esse registro geológico pode ajudar a compreender como será, no futuro, a adaptação da região ao aquecimento global. E, ao mesmo tempo, o crescimento acelerado da cratera é um indicador imediato do impacto cada vez maior das mudanças climáticas no degelo do permafrost.

Desmatamento

A cratera apareceu na década de 60, de acordo com Julian Murton, professor da Universidade de Sussex, na Inglaterra.

O rápido desmatamento na região deixou o terreno sem a proteção das sombras das árvores nos meses de verão. Assim, os raios de sol aqueceram o solo e aceleraram o processo de degelo, uma vez que era a vegetação que mantinha o solo resfriado.

“Esta combinação de menos sombra e transpiração levou a um aquecimento da superfície”, explica Murton em entrevista à BBC.

Com o derretimento do permafrost, é possível que venham a surgir mais crateras como também lagos e bacias hidrográficas.

Para o professor, “à medida que o gelo derrete em novas profundidades, podemos ver o surgimento de paisagens novas”.

Ao emergir, cratera revelou sinais de densa floresta que existiu no local há centenas de milhares de anos

Reconstituição histórica

Cientistas ainda trabalham na análise de sedimentos e tentam decifrar a cronologia exata da cratera.

“Queremos saber se as mudanças climáticas durante a última Era do Gelo esteve caracterizada por uma grande variabilidade, com períodos intercalados de aquecimento e esfriamento”, diz Murton.

A taxa de crescimento da cratera é um indicador direto do crescente impacto das alterações climáticas no permafrost.

Isso é importante porque a história climática de grande parte da Sibéria ainda pode ser considerada um mistério. Ao reconstruir alterações ambientais do passado, cientistas esperam conseguir prever mudanças similares no futuro.

Há 125 mil anos, por exemplo, houve um período interglacial, com temperaturas vários graus acima das registradas atualmente.

“Entender como era o ecossistema pode nos ajudar a entender como a região se adaptará ao atual aquecimento do clima”, afirma o professor Julian Murton.

‘O aquecimento acelera o aquecimento’

A cratera Batagaika pode oferecer lições cruciais, em especial sobre os mecanismos que aceleram o aquecimento em áreas de permafrost.

À medida que o degelo avança, mais e mais carbono é exposto a micróbios. Estes micro-organismos consomem carbono e produzem dióxido de carbono e metano – gases causadores do efeito estufa.

À medida que o permafrost degela, gases como dióxido de carbono e metano são liberados e aceleram o aquecimento global

O metano é capaz de acumular 72 vezes mais calor que o dióxido de carbono num período de 20 anos.

Além disso, os gases liberados pelos micróbios na atmosfera aceleram ainda mais o aquecimento.

“É o que chamamos de ‘feedback positivo'”, explica Frank Gunther, do Instituto Alfred Wegener. “O aquecimento acelera o aquecimento e, no futuro, poderemos ver mais estruturas como a cratera de Batagaika”, completa o pesquisador.

Segundo o pesquisador, não há nenhuma obra de engenharia que possa conter o desenvolvimento dessas crateras.

Fontes: BBC, Multiverso.

Foto: Alexander Gabyshev.