As temperaturas em elevação podem expandir a área do mundo sob ameaça de gafanhotos devoradores de colheitas em até 25% nas próximas décadas, revelou um novo estudo, conforme mais lugares estão sujeitos aos ciclos de seca e chuvas torrenciais que dão origem a enxames bíblicos desses insetos.
Os gafanhotos do deserto são uma praga para os agricultores do norte da África, do Oriente Médio e do sul da Ásia por milênios. Eles adoram condições quentes e secas, mas precisam de uma chuva ocasional para umedecer o solo onde incubam seus ovos.
O aquecimento causado pelo homem está esquentando o habitat dos gafanhotos e intensificando as chuvas esporádicas. Isso expõe novas porções da região a infestações em potencial, de acordo com o estudo, publicado na última quarta-feira (14) na revista Science Advances.
“Dado que esses países frequentemente servem como celeiros globais e já estão lidando com extremos climáticos como secas, inundações e ondas de calor impulsionadas pelo clima, a potencial escalada dos riscos de gafanhotos nessas regiões poderia exacerbar os desafios existentes”, disse Xiaogang He, um dos autores do estudo e professor assistente de engenharia civil e ambiental na Universidade Nacional de Singapura.
Outros cientistas alertaram, no entanto, que a mudança climática também está afetando os gafanhotos de outra forma importante.
Quando não estão se reunindo aos milhões, devastando paisagens inteiras, esses insetos levam vidas solitárias e modestas em zonas áridas. À medida que o planeta se aquece, algumas dessas áreas podem se tornar muito quentes e secas até mesmo para os gafanhotos, deixando territórios menores nos quais poderiam se multiplicar e se reunir.
Isso poderia facilitar o uso de pesticidas para interromper surtos antes que se transformem em pragas generalizadas, disse Christine N. Meynard, pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisa para Agricultura, Alimentação e Meio Ambiente em Montpellier, na França.
“Se você puder se concentrar em menos áreas” para combater os gafanhotos, “é muito melhor”, disse Meynard, que não esteve envolvida no novo estudo.
As invasões de gafanhotos podem ser mais conhecidas como uma forma de punição divina, mas os cientistas há muito tempo entendem que as vidas dos insetos estão intimamente ligadas ao clima e à ecologia.
Por longos períodos de tempo, os gafanhotos do deserto ficam dispersos e fora de vista em lugares secos, incluindo o Saara e o Sahel, na África, e o deserto de Thar, na Índia e no Paquistão. Quando chove, seus ovos florescem e a vegetação circundante também, dando às larvas muito alimento.
À medida que a terra seca novamente, eles começam a se reunir nos locais onde a vegetação permanece. Eles então decolam em enxames para procurar mais comida, escurecendo os céus e devorando colheitas em alguns dos lugares mais pobres do planeta.
Em 2019, as piores infestações de gafanhotos em uma geração começaram a se espalhar por uma extensão do globo da África Oriental até a Índia central. A FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) e suas agências parceiras realizaram uma vasta operação para proteger colheitas e gado e garantir o abastecimento de alimentos para dezenas de milhões de pessoas.
Xiaogang He e seus colegas usaram modelagem matemática para examinar como fatores climáticos moldam a forma como as invasões de gafanhotos acontecem em grandes áreas. Eles descobriram que o momento em que ocorrem as chuvas sazonais na região pode determinar que lugares distantes estejam em risco desproporcional de experimentar enxames ao mesmo tempo.
A Índia e o Marrocos, por exemplo, estão a milhares de quilômetros de distância. E, ainda assim, as pragas de gafanhotos têm alta probabilidade de estar sincronizadas nos dois países, concluíram os pesquisadores. Da mesma forma para o Paquistão e a Argélia.
“Infestações de gafanhotos simultâneas têm o potencial de desencadear falhas generalizadas nas colheitas, colocando em risco a segurança alimentar global”, disse He.
Com base no que ele e seus colegas determinaram sobre como chuva, temperaturas, umidade do solo e ventos afetam os gafanhotos, eles também conseguiram prever como o aquecimento global poderia mudar o cenário.
Eles estimaram que a área total dos insetos pode se expandir de 5% a 25% até 2100, dependendo de quão mais quente o planeta fique. Alguns lugares que não têm gafanhotos hoje poderiam começar a vê-los nas próximas décadas, apontaram os pesquisadores. Estes lugares incluem áreas de Afeganistão, Índia, Irã e Turcomenistão.
Uma espécie diferente, o gafanhoto sul-americano, assola fazendas em Argentina, Bolívia, Brasil, Paraguai e Uruguai. Outras pesquisas previram que o aquecimento global também aumentará a área geográfica dessa praga.
Além do clima e da ecologia, Meynard e outros pesquisadores veem as condições sociopolíticas como outro fator importante por trás dos riscos de gafanhotos. No Iêmen, dilacerado por conflitos, por exemplo, as populações de pragas cresceram sem controle nos últimos anos, o que pode ter piorado os surtos em 2019 e 2020.
Países mais estáveis melhoraram seu monitoramento e gerenciamento de gafanhotos, disse Meynard. “Houve um progresso, com certeza”, disse ela.
Fontes: Folha SP, The New York Times, O Globo.
Foto: Wakil Kohsar – 4.jun.2023/AFP.