Durante os cinco dias de negociações de um tratado global sobre o plástico, em Paris, choveu 200 quilos de plástico sobre a capital francesa. Foi um golpe de sorte porque quem visitar a cidade mais turística da Europa na segunda-feira que vem será testemunha, em um só dia, de uma chuva de 128 quilos de plástico, ressaltam pesquisadores.
A média mensal da capital francesa é de quase 4 toneladas (3.975 quilos) de plástico desabando dos céus sobre a torre Eiffel e tudo o mais que estiver ao relento.
Os cálculos são de The Plastic Forecast, ou previsão do plástico, um projeto australiano que combina previsão meteorológica com informações sobre a dinâmica de micropartículas de plástico dispersas na atmosfera para alertar as pessoas que o problema do lixo plástico está mais perto do que se imagina.
“É mais do que uma previsão do tempo que relaciona chuva com plástico. Trata-se de um lembrete diário de que a produção de plástico está levando o planeta para um ponto de virada, ameaçando a nossa saúde e a de nossos filhos”, diz o oceanógrafo australiano Tony Worby, CEO do projeto sobre oceanos da Fundação Minderoo, entidade filantrópica da Austrália que produz pesquisas sobre a questão da poluição por plástico e que financiou o projeto.
Lançado durante a reunião de representantes de 175 países na capital francesa, o projeto nasceu voltado exclusivamente à cidade do encontro, mas deve ser ampliado para outras cidades do mundo nos próximos meses.
Worby, que já foi diretor de atmosfera e oceanos da Agência Nacional de Pesquisas da Austrália, disse que o Plastic Forecast é uma tentativa de sensibilizar as pessoas para o problema do plástico de uma maneira inusitada.
“Todos já vimos muitas imagens de plásticos em praias e nos oceanos, ou mesmo no interior de animais. E, de alguma maneira, nós já nos acostumamos com essas imagens, ficamos anestesiados em relação a elas. O projeto foi um jeito de trazer a questão para mais perto das pessoas, torná-la algo pessoal”, explica.
Como o plástico é um produto de difícil degradação, ele vai se fragmentando em micropartículas quando descartado. Mas micropartículas também podem ser intencionalmente produzidas, como no caso das pequenas esferas contidas em produtos esfoliantes, e depois descartadas.
São consideradas micropartículas aquelas com menos de 5 mm, mas elas podem ser ou se tornarem bem menores que isso. De tão minúsculas, essas micropartículas plásticas vão para toda parte, se acumulam dentro de mariscos e crustáceos e são consumidas por humanos.
Microplásticos já foram encontrados na corrente sanguínea e nos pulmões de pessoas vivas. Isso porque essas partículas são muito leves e ficam suspensas no ar.
“O ar que respiramos todos os dias está cheio de micropartículas de plástico. E quem passeia por Paris em um dia de sol não pensa nisso. Quando chove, a água arrasta esse plástico para o solo, fazendo literalmente chover plástico”, afirma Worby.
Ele aponta para o crescente número de estudos dedicados ao impacto desses microplásticos na saúde humana e também dos químicos usados no fabrico desses plásticos. “Há um crescente corpo de evidências científicas apontando para efeitos no sistema hormonal de seres humanos”, afirma.
Embora os números usados como base para os cálculos do Plastic Forecast sejam predominantemente de micropartículas em forma de fibra, estudos mais recentes estão encontrando mais tipos e formas de partículas de plástico menores. Portanto, afirma o site do projeto, é muito provável que a quantidade real de plástico que está sendo depositada a cada chuva seja muito maior do que as estimativas.
O oceanógrafo avalia que a consciência do público não especializado sobre o problema dos plásticos nos oceanos é recente, mas sofre de um problema de visibilidade.
“A gente tem poluição por plástico nos oceanos há décadas, porque nos acostumamos a descartar de tudo nos mares. Mas é o típico caso de algo que, se você não vê cotidianamente, não trata como um problema”, diz.
“Hoje sabemos que não é possível termos um planeta saudável se não tivermos oceanos saudáveis porque eles têm papel crucial no ar que respiramos, nos regimes de chuvas e, para muitos, é fonte importante de alimento”, explica.
Worby avalia que mudar esse quadro requer, antes de tudo, reduzir a quantidade de plástico produzido, o que significa enfrentar interesses de grandes corporações.
“Precisamos também de alternativas ao plástico que sejam mais recicláveis ou reutilizáveis para que criemos uma economia circular. Teremos de redesenhar os plásticos que realmente precisamos para que eles tenham vida longa e sejam reaproveitados”, sugere.
“Será preciso mudarmos toda a cadeia desse material e, para tudo isso, será necessária uma regulação estrita por parte dos governos”, completa ele, que não vê “bala de prata para a questão”.
Fonte: Folha SP.
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